“Temos de nos tornar numa instituição moderna. Temos de estar mais perto da comunidade” - presidente do SNPCB

PorAndré Amaral,7 set 2025 8:45

A tempestade que, no passado dia 11, assolou a ilha de São Vicente apanhou Cabo Verde de surpresa, sem qualquer aviso prévio ou tempo de preparação. A Protecção Civil foi obrigada a agir de imediato, mobilizando rapidamente os meios disponíveis para restabelecer serviços essenciais como água, luz, saneamento e acessos rodoviários. Em entrevista ao Expresso das Ilhas, o Presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros detalha os primeiros passos da resposta, os maiores desafios enfrentados numa situação inédita em décadas e os planos em curso para modernizar a instituição, reforçar a articulação com parceiros nacionais e internacionais e preparar o país para fenómenos extremos cada vez mais frequentes num contexto de mudanças climáticas.

Começo então por lhe perguntar: no período pré-tempestade não houve qualquer tipo de aviso prévio? Não houve qualquer preparação?

Na verdade, não houve, porque, conforme já foi explicado pela Presidente do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica, foi algo repentino e muito rápido, que não estava previsto no sistema deles.

Quais foram os primeiros passos que a Protecção Civil se viu obrigada a dar após a tempestade?

Após a tempestade, automaticamente, reuniu-se o sistema nacional de crise, declarou-se o estado de crise e, de seguida, realizou-se no terreno uma pequena reunião para analisar os danos e entender a melhor forma de intervenção. A partir daí, iniciaram-se os trabalhos para a reposição mínima de serviços na ilha.

E como funciona a estrutura da Protecção Civil em Cabo Verde? Existem estruturas locais?

Temos o Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros, com sede na cidade da Praia, e também comandos regionais de operação e socorro. Na ilha de São Vicente temos o comando de protecção e socorro Norte, que cobre as ilhas de Santo Antão, São Vicente e São Nicolau, mas cuja sede está em São Vicente, podendo ser transladada para São Nicolau ou Santo Antão. O segundo comando regional está baseado no Sal e na Boa Vista. Temos um terceiro, que é o comando regional de Santiago Sul e da Ilha do Maio. Temos ainda um comando regional de Santiago Norte e, por último, o comando regional do Fogo e da Brava.

E, a nível de meios, a Protecção Civil dispõe de meios próprios ou socorre-se dos de outras instituições?

Relativamente aos meios, penso sempre no sistema como um todo. Por que razão penso assim? Conforme a gravidade das calamidades ou catástrofes, o sistema envolve muitas instituições, desde o governo até ao sector privado e a particulares. Nestes casos, a lei faculta-nos a requisição de quaisquer meios e materiais de outros ministérios e do sector público ou privado para fazer face à intempérie.

No que respeita à capacidade de resposta, o SNPCB tem condições para responder rapidamente a fenómenos como o que aconteceu em São Vicente?

Acredito que sim. A resposta está à vista de todos, porque conseguimos que São Vicente regressasse, não a uma total normalidade, mas a uma situação de recuperação gradual. Estávamos perante uma situação em que não havia água, não havia luz, o sistema de esgotos apresentava problemas e as vias de comunicação estavam todas bloqueadas. Nesse momento, o sistema nacional de Protecção Civil entrou em funcionamento e, rapidamente, conseguimos reabrir as vias, repor gradualmente a produção de água e energia, e trabalhar na recuperação de todo o sistema de esgotos da ilha.

Não seria benéfico para o país, e também para o SNPCB, a criação de centros de coordenação de operações, como acontece noutros países?

Há pouco tempo foi aprovada uma nova orgânica do SNPCB e nela constam muitas medidas que temos de implementar. São esses os desafios: desenvolver o sistema integrado de gestão de emergências, que centraliza dados, mapas de risco e planos de emergência. Esses são os projectos que temos em carteira para modernizarmos o Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros.

Quais têm sido, actualmente, as grandes prioridades e dificuldades das operações em São Vicente?

Tivemos desafios de várias ordens, primeiramente por se tratar de algo inédito nos últimos 40 ou 50 anos e que nos apanhou de surpresa. O principal desafio foi a gestão da crise. Tivemos de adoptar procedimentos e protocolos de emergência. Diante da crise, reunimos todos os agentes na mesma mesa, definimos prioridades e, a partir daí, cada sector sabia exactamente o que devia fazer. Outro desafio foi integrar as ONGs na nossa estratégia. Também tivemos de garantir o abastecimento de água em São Vicente, o que conseguimos com apoio técnico da Electra, da CABNAV e da Marinha Portuguesa. Era necessário repor a electricidade e os esgotos. Acredito que até agora, para quem vive em São Vicente, demos uma resposta positiva à situação de calamidade. O sistema funciona com todos os stakeholders: Polícia Nacional, Polícia Judiciária, Delegacia de Saúde, Forças Armadas. Todo o sistema esteve concentrado no Gabinete de Crise. Outro elemento fundamental foi a Câmara Municipal de São Vicente. Fizemos um trabalho que é visível nas ruas da cidade.

Sendo recorrente a ocorrência de eventos deste género, não seria obrigatória a existência de meios que permitissem uma resposta mais imediata por parte do SNPCB?

Neste momento vivemos um período de adaptação às mudanças climáticas. Tendo isso em conta, estamos a projectar o futuro, ou seja, a melhor forma de o SNPCB responder a estas situações. Isto significa que temos de nos tornar numa instituição moderna, integrada e preparada para riscos. Temos de estar mais próximos da comunidade, sobretudo no que respeita aos riscos associados às zonas habitacionais. Estamos a tentar, com os nossos parceiros, implementar sistemas de alerta precoce integrados. Estamos a desenvolver um sistema integrado de gestão de emergências que centraliza dados, mapas, riscos e planos de resposta, por forma a ficarmos mais capacitados. Já adquirimos drones para avaliação de riscos e apoio ao comando. É um leque de ferramentas em que estamos a trabalhar neste momento e que tornarão o SNPCB mais moderno. Criámos também a plataforma Observatório Nacional de Desastres para gestão de ocorrências e comunicação com o público. Temos ainda de reforçar a articulação com as autoridades de segurança e com os serviços de saúde. Queremos estreitar relações com todos os municípios de Cabo Verde, de modo a que sintam a presença tanto do SNPCB como dos serviços municipais de protecção civil.

E quando é que estas medidas de modernização entram em vigor?

Algumas já estão em curso. Temos vários parceiros que trabalham connosco tanto na modernização como na aquisição de equipamentos. Este processo está em andamento. Não me vou alongar porque muitas vezes temos de garantir que as coisas irão acontecer mesmo e só então divulgar. Estamos a trabalhar com todos os parceiros – CPLP, EUA, CEDEAO – neste sentido de modernizar o SNPCB. O governo também já deu um sinal nesse sentido com o novo Estatuto do SNPCB, que define claramente as directrizes para a modernização do serviço.

Têm sido retirados veículos e outros objectos do mar. A operação contou com mergulhadores de várias nacionalidades. Existe necessidade de haver mergulhadores especializados também no SNPCB?

As Forças Armadas dispõem de mergulhadores especializados. Em todas estas actividades os mergulhos foram realizados pelos nossos mergulhadores, acompanhados numa primeira fase pela Marinha Portuguesa; depois vieram os americanos e, posteriormente, a Marinha Francesa. Sabemos que estes equipamentos são, em parte, insuficientes nas Forças Armadas e acredito que estas estarão a trabalhar no sentido de os reforçar, uma vez que esta situação de calamidade mostrou a necessidade de investir na Guarda Costeira em aparelhos de mergulho.

A construção sem regras tem causado problemas em situações de chuva. Na sua opinião, não devia haver uma aplicação mais rigorosa das normas?

Acredito que o sistema de ordenamento do território prevê todos esses aspectos. Mas, quando existe uma casa numa zona de risco, alertamos as entidades nacionais para esse facto e indicamos as medidas que devem ser adoptadas para minimizar qualquer problema ou perigo.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1240 de 3 de Setembro de 2025.

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Autoria:André Amaral,7 set 2025 8:45

Editado porFretson Rocha  em  9 set 2025 20:19

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