Brexit : Cabo-verdianos no Reino Unido entre a apreensão e o desalento

PorNuno Andrade Ferreira,29 dez 2019 10:40

Saída da União Europeia deixa cabo-verdianos residentes no Reino Unido com dúvidas quanto ao futuro

Cansados da novela em torno do Brexit, os britânicos, chamados às urnas a 12 de Dezembro, em eleições legislativas antecipadas, votaram de forma expressiva no Partido Conservador de Boris Johnson, garantindo a este uma maioria absoluta – 360 deputados em 650 – que não deixa margem para dúvidas: a saída da União Europeia (UE) é para avançar e já. O que pensam sobre isto os cabo-verdianos residentes no Reino Unido?

Depois de 31 de Janeiro, data agora certa para o Brexit, após inúmeros adiamentos, muita coisa mudará. O fim da livre circulação de cidadãos europeus será uma das mudanças mais significativas. O Reino Unido (RU) quer controlar a imigração proveniente dos países membros da União.

Dados revelados em Novembro, pelo Escritório de Estatísticas Nacionais, demonstraram que a diferença entre os cidadãos da UE que chegaram e os que saíram do Reino Unido, até Junho de 2019, foi de -48.000 pessoas.A imigração de cidadãos europeus para o território britânico está no nível mais baixo desde 2003.

Em sentido inverso, estima-se que tenham entrado mais 229 mil cidadãos não europeus do que aqueles que partiram.

Os cabo-verdianos residentes no RU ouvidos pelo Expresso das Ilhas estão todos no primeiro grupo de imigrantes. Apesar da origem crioula, adquiriram nacionalidade portuguesa e foi nessa condição que se fixaram em território britânico. Partilham a preocupação pelo futuro.

Isabel Moreno é filha de pais cabo-verdianos, nasceu em Portugal mas mudou-se para a Grã-Bretanha há vinte anos. Já conseguiu o cartão de residente permanente, documento que se tornou fundamental pela incerteza causada pelo Brexit. Isabel já não sente o Reino Unido como uma hipótese de futuro.

“Meu coração já não está aqui”

“O meu coração já não está aqui. Tenho dois filhos, um tem 20 e a outra tem 12 e gosta muito da escola dela. Uma pessoa tem que ter isso em consideração, mas é como se o meu espírito já não estivesse aqui, como se soubesse que mais tarde ou mais cedo vou acabar por me ir embora”, lamenta.

Isabel fala do crescimento de um sentimento anti-imigrante.

“Sinceramente, acho que sempre foi assim. Só que está a ficar mais óbvio”, avalia.

Conforme o acordo de saída da UE, assinado por Downing Street, os cidadãos europeus que vivam no Reino Unido há mais de cinco anos, sem antecedentes criminais, podem pedir o estatuto de residência permanente e continuar a usufruir dos direitos que lhes estavam garantidos até agora. Nos demais casos, pode ser pedido um visto temporário, que passará a permanente quando forem cumpridos os cinco anos.

O cabo-verdiano Ademilson Santos, que também tem passaporte português, chegou a Londres em Junho de 2018, atrás de uma oportunidade profissional. Encara o futuro com incerteza.

“Não tenho planos para ficar aqui muito tempo. Vai depender de como decorrer o Brexit, das oportunidades. Ainda não há um horizonte daquilo que vai acontecer com a minha vida daqui para frente”, defende.

Residente em ‘terras de Sua Majestade’ há 14 anos, Tatiana Fernandes é outra cabo-verdiana com nacionalidade portuguesa. Com a saída do RU da União Europeia, foi obrigada a pedir o estatuto de residente permanente.

“Para quem não tem residência as coisas vão mudar em relação ao trabalho, porque vão ter que ter permissão para trabalhar, têm que ficar à espera para ser aprovado, saber se podem ou não ficar aqui. Vai ficar mais complicado”, antevê.

Artemiza Carvalho, intérprete, imigrante em Inglaterra, tem ouvido relatos de apreensão. Natural da Guiné-Bissau, filha de pais cabo-verdianos, com passaporte europeu emitido por Portugal, Artemiza fala de um ambiente de apreensão e instabilidade.

“Conheço pessoas que já saíram do país e outras que estão a ponderar a possibilidade. Está a sair muita gente. Também depende. Há pessoas que vivem no Reino Unido e não pagam as contribuições ao Estado, porque vivem de subsídios. O receio acaba por levar a que as pessoas deixem a vida no Reino Unido. Prevê-se uma instabilidade muito grande”, analisa.

Quinta-feira, em discurso na Câmara dos Comuns, na abertura da nova legislatura, a monarca Isabel II, confirmou, em nome do governo, a intenção de saída da UE até final de Janeiro.

Na sexta-feira, três anos e meio depois do início do processo, e após várias tentativas frustradas, o parlamento votou por larga maioria, com 124 votos de diferença (superior aos 80 lugares que separam Conservadores e Trabalhistas), o divórcio com Bruxelas. Em Janeiro, o diploma será votado na especialidade.

Bernardo Pires de Lima, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), da Universidade Nova de Lisboa, recorda que ainda há trabalho por fazer.

“A partir de 31 de Janeiro inicia-se um período de transição, no qual o Reino Unido terá que negociar um acordo de livre comércio com a União Europeia, até final de 2020. Em paralelo, terá que negociar os termos da relação futura, depois de 2020”, explica.

Contas feitas, é fundamental que a transição se cumpra em onze meses, até porque a proposta de lei aprovada pelos Comuns alterou a redacção que havia sido chumbada em Outubro, eliminando a possibilidade de prolongar o período transitório para lá de 31 de Dezembro do próximo ano.

“É muito difícil que em onze meses tudo fique fechado, em termos positivos, para ambas as partes”, antecipa Pires de Lima.

O tempo é escasso e na União Europeia tudo é complexo. Logo à partida, a organização poderá necessitar de várias semanas para definir os moldes das negociações. Para produzir efeitos a partir de 2021, o entendimento deverá ser alcançado até 30 de Junho.

*com Fretson Rocha e Lourdes Fortes


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 943 de 23 de Dezembro de 2019. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,29 dez 2019 10:40

Editado porJorge Montezinho  em  18 set 2020 23:21

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