De acordo com a Major Dilva Baptista, gestora do programa “Soldado Cidadão”, após reparar que, passados 14 meses nas Forças Armadas (FA), muitos soldados ficavam “sem objectivo na vida”, uma vez que não tinham uma formação que lhes permitissem candidatar a qualquer vaga de emprego, foi criado o referido programa.
“Com o programa damos, ao mesmo tempo, a oportunidade de se integrarem no mercado de trabalho e permitir a redução da criminalidade. Como já diziam os filósofos, a ociosidade é o mal de todos os vícios. Se a pessoa tiver a mente ocupada e capacitação para fazer algo, faz, mesmo que em casa. Pode trabalhar por conta própria”, diz.
Soldados formados, de acordo com a Major, têm maior probabilidade de conseguirem um emprego e menos possibilidade de se enveredarem para a criminalidade. “A criminalidade diminui e todo o país ganha. Porque há mais turistas, a sociedade sente-se em paz, todos vivem bem e há maior desenvolvimento económico”, manifesta.
Por esse motivo, a Major explica que dentro do programa, em todas as formações há o módulo empreendedorismo, para que os beneficiários possam sustentar-se, caso não sejam contratados por uma empresa ou uma entidade.
O percurso do programa
Conforme a Major Dilva Baptista, o programa “Soldado Cidadão” foi implementado pela primeira vez em 2007, mas, com a redução “drástica” do orçamento, a abrangência diminuiu.
“Antigamente, o orçamento do programa rondava os 21 milhões de escudos. Em 2014 passou para 17 milhões e em 2018 houve uma diminuição para 6 milhões. 21 milhões davam para formar mais ou menos 200 pessoas”, explana.
Por ano, continua, as FA formam, em cada incorporação, 400 soldados e 60 cabos, 60 sargentos, além de 20 oficiais, no máximo.
“Podemos dizer que, por ano, formamos dentro das FA, só o pessoal que presta o serviço militar obrigatório, quase 1000 e tal. Então, após a diminuição do orçamento em 2018, com a redução para 6 milhões tivemos de diminuir o número de beneficiados”, afirma.
Cursos abrangidos pelo Programa
A gestora do Programa “Soldado Cidadão” explica que o mesmo abrange um “pouco de tudo” tendo em conta que o objectivo é oferecer cursos a soldados têm vocação e que não esgotem o mercado de trabalho.
“Estudamos o mercado, procuramos vagas de emprego e lançamos o concurso. As pessoas que tiverem vocação para aquela especialidade candidatam-se para essa formação”, clarifica.
O programa oferece cursos técnicos profissionais desde o nível 1 até o nível 5. Capacitação de pintura, carpintaria, curso de agro-pecuária, gestão agro-pecuária, hidroponia, electrónica, electricidade, TIC, Design e Multimédia, canalização, manutenção de motores, bate chapa, serralharia, cabeleireiro, manicure, pédicure, massagem e condução são alguns exemplos.
Entretanto, conforme avança a Major Dilva Baptista, os condutores são aqueles que mais conseguem emprego. Por não exigir um alto nível de escolaridade é um curso em que as FA apostam mais, oferecendo carta de condução nas categorias B, C, D, com uma maior aposta na F.
“Alguns daqueles que fizerem a C são direccionados para o colectivo, que é a D. Ou seja, condensamos tudo num só para diversificar. Quanto mais nos diversificamos mais chances de emprego têm...é nesse sentido que trabalhamos”, garante.
Segundo a Major, para abranger a maior parte dos militares, as aulas de condução são dadas no Sal com a escola Sob Rodas, em São Vicente com a escola Jovem, e na Oficina Central das FA (OCFA), na cidade da Praia, onde se oferece aulas das modalidades F, B e C. Porém, uma vez que a OCFA ainda não possui autocarro para aulas práticas e para as aulas de pesados com camião, as FA têm contratado outras escolas da capital.
Os outros cursos, prossegue, podem ser realizados em Escolas de Formação Profissional tais como: ONDS, na ilha de São Vicente; Centros de formação profissional em todo o território nacional; Escola Técnico-Profissional de Cabo Verde; Escola de Negócios e Tecnologias de Cabo Verde; EHTCV; CERMI; IEFP; entre outras instituições devidamente acreditadas.
“Os militares assistem às aulas no horário normal, coordenamos com os outros comandos porque tem de haver coordenação para que os comandos não entrem em colapso devido à falta do pessoal. Gerimos isso entre os comandos e os comandantes e fazemos o reajuste de forma a terem aulas e depois das aulas exercem os serviços militares”, clarifica.
O acesso ao programa e o mercado de trabalho
Anualmente, o número de soldados com acesso ao programa, conforme a mesma fonte, depende do orçamento, podendo variar de 60 a 150 soldados. A Major Dilva Baptista explica que se houver mais candidatos que as vagas disponíveis, os soldados fazem um teste de matemática e de língua portuguesa para serem seleccionados. Entretanto, se não houver tempo para os testes, os soldados mais antigos têm prioridade.
“Temos uma certa dificuldade em acompanhar esses jovens depois de saírem do serviço militar obrigatório. Mas, com base naqueles com que me encontro na rua, posso dizer que 80% dos quais assisti e vi no trabalho, estão empregados”, considera.
Em Novembro de 2019, o Vice-Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças, Olavo Correia, disse, durante a cerimónia de assinatura do protocolo de reactivação do programa “Soldado Cidadão”, estar muito satisfeito com o elevado grau de empregabilidade. Segundo o governante, cerca de 70% dos jovens beneficiados com o programa “Soldado Cidadão”, conseguem emprego após concluírem o Serviço Militar Obrigatório.
Para a gestora do programa, ao concorrer com um civil, que nunca prestou serviço militar, um soldado com uma formação ou um documento que diz que foi um bom soldado (postura, cumprimento do horário, dedicação, zelo e disciplina), tem maior probabilidade de conseguir a vaga de emprego.
“Às vezes, durante o estágio os empregadores manifestam vontade de os contratar. Por exemplo, muitos que aqui fazem o estágio, contratamos, porque vemos que são pessoas com capacidade. E até é melhor para nós, porque não precisamos formar ninguém, nenhum especialista... porque a pessoa já é formada como militar e apenas é preciso contratá-la para desempenhar a função que precisamos”, profere.
Com soldados formados, a Major explica que há menos custos por parte das FA, uma vez que a pessoa já está habituada com a disciplina da instituição, tornando a adaptação mais fácil, sem ser preciso gastos na formação de especialistas que não foram militares.
As empresas de segurança, informa a gestora do programa, na maioria das vezes, contratam militares como vigilantes e seguranças.
“Digo isso, porque estão sempre a solicitar-nos declaração para esse efeito. Porque ao contratarem soldados, não têm de gastar muito com treinamento, porque sabem manipular uma arma, sabem as regras de segurança, disciplina, então, a maior parte da formação que têm de dar já está dado, eles já os possuem”, menciona.
Preparação e benefícios dos soldados
A Major Dilva Baptista explica que são 14 meses nas FA, sendo que 2 são de preparação para o serviço militar e 12 meses de serviço militar obrigatório. Não considera a preparação dos homens uma tarefa difícil, “é tudo uma questão de adaptação”.
“Há pessoas formadas e capacitadas para prepará-los. Toda a preparação é dada no Centro de Instrução Militar no Morro Branco. É-lhes ensinado tudo, desde marchar, regulamentos, normas, constituição da república até regulamento militar. Tudo que um cidadão, no mínimo, deve conhecer”, esclarece.
Consoante a mesma fonte, o único benefício que a lei garante a quem prestou serviço militar obrigatório, é a garantia de ter o trabalho de volta após esse período.
“Se antes de prestar o serviço militar obrigatório a pessoa trabalhava, a lei garante que aquela vaga seja garantida. A empresa pode até contratar alguém, mas, apenas durante o período em que estiver fora para prestar serviço militar, quando regressar a sua vaga tem de lá estar”, assevera.
A nível pessoal, Dilva Baptista enumera a disciplina, postura, gestão e outras aprendizagens como benefícios do militar.
“Na vida militar aprende-se muitas coisas... um militar é pau para toda a obra, sabe fazer de tudo”, aponta.
A visão do Soldado Cidadão
Amilton Maurício Gomes fez parte da incorporação de 2010 e foi um benificiário do Programa “Soldado Cidadão”, tendo recebido uma formação em informática. Para este ex-militar, que agora trabalha como assistente administrativo, o programa é um dos melhores feitos até hoje, uma vez que os soldados saem das FA com um diploma profissional e prontos para o mercado de trabalho.
“Esta formação é um ponto forte na minha área de actuação. Fez-me acreditar em mim e passei a confiar mais na instituição armada do nosso país e que está a preparar homens para a vida”, declara.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 946 de 15 de Janeiro de 2020.