Nesta entrevista feita via email, o ministro luxemburguês detalha os cinco eixos do novo programa indicativo e fala da origem, em Santo Antão, das “excelentes relações” entre os dois países cuja cooperação, entretanto, com o desenvolvimento da ilha e do país deixou de ter uma concentração geográfica. “Ela dedica-se, desde 2006, a apoiar as autoridades cabo-verdianas a superar os desafios de desenvolvimento humano mais prementes, a prioridade é dada aos mais vulneráveis e não às ilhas”, afirma Franz Fayot.
Senhor Ministro, qual é a diferença entre o novo PIC e os anteriores?
O Programa Indicativo de Cooperação (PIC) Desenvolvimento – Clima – Energia é, tal como o 4° PIC que terminará em 2020, um plano indicativo de cooperação para 5 anos. Nele os Governos de Cabo Verde e do Luxemburgo acordaram quais serão os seus objectivos e prioridades de cooperação, como irão cooperar e quais os princípios que estão subjacentes a esta parceria, entre 2021 e 2025. Pela primeira vez estruturamos a ajuda ao desenvolvimento, com outras formas de cooperação, neste caso climática e energética. Para o Luxemburgo, muda a forma de trabalhar, para Cabo Verde torna-se um diálogo mais articulado e estruturado. O apoio luxemburguês torna-se mais holístico e um contributo mais concreto para o desenvolvimento sustentável das ilhas.
Quais são os cinco eixos de cooperação e o que mudará neste novo PIC com a entrada de dois outros ministérios no financiamento a Cabo Verde?
Neste PIC Luxemburgo e Cabo Verde escolheram 5 eixos de cooperação, na continuidade do que se vinha fazendo no anterior PIC, são eles: o emprego e empregabilidade; a água e o saneamento; o desenvolvimento local; e a transição energética (continuando o eixo de energias renováveis). A estes juntámos um novo eixo de acção climática, financiado pelo Ministério do Ambiente, Clima e Desenvolvimento Sustentável e pelo Ministério da Energia e Ordenamento do Território do Luxemburgo. Já existia uma cooperação climática que sai agora reforçada enquanto eixo do PIC. Por exemplo, tendo em vista a COP [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas] de Dezembro de 2015, o Luxemburgo ajudou Cabo Verde a elaborar a sua contribuição nacionalmente pretendida (INDC), entre outros exemplos. Agora, trata-se de aprofundar essa colaboração, de forma articulada e complementar às restantes intervenções de Luxemburgo em Cabo Verde.
Que outros itens são contemplados no novo PIC?
Dentro de cada eixo existe um número importante de itens, como refere. No entanto destacaria um apoio continuado à cooperação triangular, uma experiência positiva com São Tomé e Príncipe, a Escola de Hotelaria e o CERMI levam-nos a querer replicar esse know-how e reforçar esta modalidade de cooperação. Gostaria igualmente de destacar a disponibilização de bolsas de estudo para que jovens cabo-verdianos possam frequentar o ensino superior no Luxemburgo. E, por fim, é também oportuno mencionar a criação excecional de um apoio orçamental setorial de 5 milhões de euros para o sector da saúde pública, tendo em conta que este tem sido muito fustigado pela pandemia.
No quadro do Programa do Governo do Luxemburgo para 2018-2023 foi acordado que Cabo Verde seria o país-piloto para a implementação de uma abordagem inovadora de cooperação. Em relação a Cabo Verde o que significa esta nova abordagem?
Para Cabo Verde esta abordagem implica um olhar sobre os próximos 10 anos, apesar do orçamento do PIC ser de 5 anos e, sobretudo, um novo tipo de diálogo Governo/Governo, com a participação dos diferentes Ministérios num só mecanismo de articulação. Em vez de termos o Ministério do Ambiente, Clima e Desenvolvimento Sustentável do Luxemburgo a concertar uma cooperação climática pontual com o Ministério da Agricultura e Ambiente, agora esse diálogo passou a ser permanente e planeado a longo prazo, de forma articulada com a Ajuda Pública ao Desenvolvimento, a forma clássica de cooperação nas relações entre os nossos países. O PIC continua a ser financiado pelo orçamento luxemburguês dedicado à ajuda pública ao desenvolvimento, mas tem agora o contributo adicional do nosso orçamento dedicado ao combate às alterações climáticas e do dedicado à transição energética.
O senhor afirmou recentemente que a cooperação luxemburguesa deverá adaptar-se ao contexto pós-Covid-19. Irá haver no futuro restrições do budget na cooperação luxemburguesa? O que poderá significar para Cabo Verde?
Efetivamente, circunstâncias extraordinárias exigem medidas extraordinárias. Para além das importantes contribuições já planeadas, o Luxemburgo mobilizou adicionalmente 2 milhões de euros para o Comité Internacional da Cruz Vermelha, 400 mil euros para a OMS, 3,5 milhões de euros para o Plano de Resposta Humanitária Global das Nações Unidas e fizemos doações extraordinárias para acções urgentes em cada um dos nossos sete países parceiros de cooperação, incluindo Cabo Verde, num esforço de contribuir para o combate e mitigação dos efeitos da COVID-19. Nesses países, incluindo em Cabo Verde, também reorientámos, quando possível e oportuno, os nossos programas e projectos para levar em conta novos desafios impostos pela pandemia. No entanto, no cômputo geral, mantivemos a cooperação que tínhamos. Não quisemos abandonar os nossos parceiros e agravar os efeitos da crise com uma paragem ou abandono repentinos das nossas atividades. Relativamente ao impacto no futuro orçamento da cooperação para o desenvolvimento, ele é difícil de calcular neste momento, mas far-se-á seguramente sentir. A cooperação para o desenvolvimento depende do RNB [Rendimento Nacional Bruto] luxemburguês; visto que o RNB diminuirá em 2020, os recursos disponíveis para a ajuda pública ao desenvolvimento em 2020 serão impactados, no entanto, estamos a tentar suavizar esses efeitos o máximo possível.
Afirmou que certos domínios irão ser reorientados e as prioridades rearranjadas? Em Cabo Verde onde poderá incidir esta reorientação?
No quadro da luta contra a pandemia da COVID-19, contribuímos para Cabo Verde com mais de 1,5 milhões de euros para apoiar os municípios e para assegurar que as autoridades sanitárias cabo-verdianas pudessem contar com um reforço de uma equipa médica vinda de Cuba. Ao mesmo tempo, os programas de cooperação foram mantidos; continuamos a construir instalações sanitárias (casas de banho e cozinhas) nas escolas primárias ou a apoiar as capacidades institucionais e humanas do sector de emprego, por exemplo. Quando falamos em reorientar, não falamos em alterar prioridades do que se fazia até agora, mas sim de como responder a novos desafios imediatos. Por exemplo, no sector da formação profissional o ensino à distância com recursos às TIC passou a ser um desafio prioritário. Tínhamos previsto uma assistência nesse domínio mais tarde, com a crise da COVID-19 esse apoio materializou-se rapidamente. Por fim e como já adiantei, contribuiremos, no âmbito do novo PIC, com um novo apoio de 5 milhões de euros de ajuda orçamental sectorial para apoiar os serviços de saúde pública de base.
Qual é a estratégia geral da cooperação luxemburguesa e que lugar cabe a Cabo Verde nesta estratégia?
Nós sabemos que somos um país pequeno. Apesar de termos a sorte de nos encontrarmos numa situação mais confortável do que muitos outros países, não esquecemos que todos num momento ou noutro do seu percurso precisam de ajuda. O objectivo geral da estratégia da Cooperação Luxemburguesa continua a ser de contribuir para redução e, a termo, a erradicação da pobreza extrema. Para tal, o Luxemburgo, decidiu usar os seus recursos lá onde podem ter o maior impacto possível. Quer isto dizer que nos concentramos num número restrito de países parceiros e num número limitado de sectores para ajudarmos o máximo possível e fazermos o melhor possível, em vez de dispersarmos os nossos esforços, tornando o seu impacto menos tangível. Cabo Verde é um dos 7 países parceiros do Luxemburgo e aquele onde as relações são mais diversificadas. Por isso é que o país foi escolhido como país piloto na implementação desta nova abordagem Desenvolvimento – Clima – Energia.
Santo Antão tem um lugar especial na cooperação entre os dois países. É para manter ou o objectivo é atingir todas as ilhas na mesma proporção?
Santo Antão tem e terá sempre um lugar especial no coração dos luxemburgueses. Foi onde começámos em Cabo Verde, a ilha está na origem das excelentes relações que gozam os dois países. Naturalmente mantemo-nos próximos. O objectivo é manter esse lugar especial, se reparar na visita que fiz a Cabo Verde em Fevereiro, acompanhado pela Ministra Dieschbourg e pelo Ministro Turmes, fomos primeiro a Santo Antão. No entanto, com o desenvolvimento da ilha e do país, a nossa cooperação deixou de ter uma concentração geográfica. Ela dedica-se, desde 2006, a apoiar as autoridades cabo-verdianas a superar os desafios de desenvolvimento humano mais prementes, a prioridade é dada aos mais vulneráveis e não às ilhas.
O que diferencia a Cooperação Luxemburguesa de outras? O que é uma ajuda não ligada?
Como disse anteriormente, os nossos esforços no âmbito da Cooperação para o Desenvolvimento têm por objectivo contribuir para erradicar, a termo, a pobreza extrema. A nossa aposta está em fazê-lo respeitando os direitos humanos e defendendo a democracia, da forma mais sustentável possível e defendendo a igualdade entre homens e mulheres. E sem procurar benefício para Luxemburgo, para empresas luxemburguesas ou cidadãos luxemburgueses. É isso que entendemos por ajuda não ligada. Pautamo-nos por princípios de previsibilidade e sustentabilidade, respeitando os nossos compromissos internacionais e procurando, sempre que possível, respeitar as melhores práticas internacionais para que a nossa ajuda seja eficaz e eficiente. O Luxemburgo é um dos seis países industrializados que doa mais de 0,7% do seu rendimento nacional bruto para a ajuda pública ao desenvolvimento. Desde 2009 doamos 1% do nosso RNB. Fazemo-lo através de apoios multilaterais a agências da ONU, a outras entidades como o Fundo Mundial de Luta Contra a SIDA, a Tuberculose e o Paludismo, apoios a ONGs e através de apoios bilaterais definidos em Programas Indicativos de Cooperação plurianuais, de 5 anos.Damos, não emprestamos. Não queremos, inadvertidamente contribuir para dívidas que possam mais tarde pôr em causa os progressos dos nossos parceiros. Agora com este novo PIC passamos a articular a nossa cooperação para o desenvolvimento, climática e energética mas fá-lo-emos sem os confundir. Isto é, não iremos contar tudo da mesma forma. Para nós é importante distinguir o que fizermos para o desenvolvimento, daquilo que fizermos pelo clima, como também, apesar de não ser o caso de Cabo Verde, daquilo que fizermos pelos refugiados.
Por que é que o Luxemburgo mantém esta estreita cooperação com Cabo Verde há mais de 30 anos?
Por um lado, porque no Luxemburgo reconhecemos os desafios e as fragilidades que o arquipélago ainda enfrenta, por outro, e especialmente, porque somos países amigos. A nossa amizade tem várias razões: estruturais (os dois países são pequenos), sociais, interpessoais e humanas. Conhecemo-nos há mais de 30 anos, os nossos membros de governo, deputados, empresários, conhecem-se. Temos uma comunhão de valores e princípios – dois países pequenos que primam pela defesa da paz e do multilateralismo, defendem os valores democráticos e procuram defender os direitos humanos e a liberdade. Por fim, estamos também unidos por laços culturais. Para isso, muito contribui a comunidade cabo-verdiana no Luxemburgo que enriquece a nossa sociedade todos os dias. Criámos afinidades naturais. Temos exemplos de luxemburgueses cujos pais são cabo-verdianos, como a Sra. Monica Semedo, eurodeputada, a Sra. Natalie Silva, presidente de Câmara, entre muitos outros, mas também exemplos anónimos de luxemburgueses que sem terem qualquer elo de ligação directo com Cabo Verde ouvem Cesária Évora. Sobretudo, no Luxemburgo e em Cabo Verde, todos têm a consciência que somos poucos, que dependemos dos outros para existirmos e continuarmos a existir, resumidamente, que neste mundo temos e devemos ser uns para os outros.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 974 de 29 de Julho de 2020.