“Parece mentira, não é? Passaram já quase 3 anos desde que começámos”, diz, ao Expresso das Ilhas, Cristino Pedraza, Conselheiro Técnico Principal do Projecto de Desenvolvimento Local, à margem do III Encontro Nacional das Plataformas Locais, que juntou, na Praia, cerca de cem participantes, de 20 municípios do país. O objectivo? A coordenação, avaliação e planificação das actividades e a análise dos avanços, constrangimentos e seguimento das plataformas locais.
Em números, quatro projectos de impacto estão já finalizados: dois no Paúl e um em São Salvador do Mundo, com 274 famílias beneficiadas pelos três, e um em Roçadas, Santa Catarina do Fogo, que beneficia todas as famílias da zona. Outros projectos estão em fase adiantada e há mais oito projectos novos (em São Miguel, São Lourenço dos Órgãos, Santa Catarina de Santiago, São Vicente, Tarrafal de São Nicolau, Boa Vista, São Domingos e Ribeira Brava) além dos dois projectos regionais para as ilhas do Fogo e de Santo Antão.
“Agora temos o desafio da institucionalização das plataformas, mas também da maneira de trabalhar”, sublinha Cristino Pedraza. “A plataforma foi criada para mudar uma mentalidade, criar a possibilidade de diálogo entre as câmaras, o sector privado e a sociedade civil. Este é o início, mas não podemos ser tão optimistas ao ponto de dizer que está finalizado. Isto é um processo e mudar as mentalidades leva tempo”.
“É certo que nós colocamos as ferramentas à disposição, mas depois depende da liderança da câmara querer continuar com um processo aberto de diálogo com os actores do território”, continua o Conselheiro Técnico Principal do Projecto de Desenvolvimento Local. “Ter um plano elaborado de forma participativa, para mim, é que é o sucesso das plataformas. Agora, a continuidade depende sempre do grau de maturidade que tem uma câmara para continuar com um espaço aberto. Vais ter câmaras que vão continuar, vais ter câmaras que, depois do plano, vão dizer que já não precisam. Para nós, esse é o momento mais importante para uma plataforma, porque é a implementação, o seguimento, o envolvimento. Afinal, a lógica de boa governança é o que está por trás das plataformas”.
O programa Plataformas para o Desenvolvimento Sustentável e Objectivos 2030 em Cabo Verde, financiado pelo Grão-Ducado do Luxemburgo, no montante de dois milhões de euros, por um período de três anos (2017-2019), administrado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD e implementado pelo Ministério das Finanças e a Associação dos Municípios de Cabo Verde, tem como objectivo o reforço das capacidades dos actores locais em matéria de articulação a vários níveis, de planificação estratégica e desenvolvimento económico local, contribuindo ainda para a parceria global para a inovação em matéria de desenvolvimento territorial e de governação local.
O programa foi implementado através de plataformas locais dos 9 primeiros municípios que aderiram à iniciativa: Mosteiros, Brava, Ribeira Grande de Santiago, Ribeira Grande de Santo Antão, Paúl, Porto Novo, Santa Catarina do Fogo, São Filipe e São Salvador do Mundo. E hoje está alargado a quase todos os concelhos do país, com a criação de mais onze plataformas.
Nos Mosteiros, por exemplo, para a constituição da Plataforma promoveram-se vários encontros com todos os actores locais: instituições locais, sector privado local, representantes dos serviços desconcentrados do Estado e a própria sociedade civil, no sentido de se constituir um grupo de trabalho multidisciplinar e representativo do município, para garantir maior rigor e qualidade na elaboração do Plano Estratégico de Desenvolvimento Sustentável e na implementação das acções que têm por objectivo o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável 2030.
Seguiram-se vários meses de acções, como a capacitação dos membros da Plataforma, a oficialização pela Câmara e Assembleia Municipal, a elaboração do Diagnóstico Territorial e a validação pela Assembleia Municipal e a elaboração do Plano Estratégico Municipal de Desenvolvimento Sustentável (PEMDS), que começou em Junho de 2018 e foi apresentado em Outubro do mesmo ano. Hoje, além do PEMDS de Mosteiros, estão finalizados mais sete (Paúl, Porto Novo, Ribeira Grande de Santo Antão, Ribeira Grande de Santiago, Santa Catarina do Fogo, São Filipe e São Salvador do Mundo). Os restantes municípios estão também a trabalhar os respectivos PEMDS.
“Somos optimistas porque temos avançado muitíssimo, mas não está finalizado”, reitera Cristino Pedraza. “É preciso tempo e continuação e colocar mais ferramentas à disposição, como vai ser o fundo de descentralização. Depois poderemos dizer, ok, já temos os planos, agora como vamos fazer a escolha de entre os 200 projectos? Qual é o prioritário? E então, todos juntos, vamos avançar. Este é o foco, propor iniciativas que sejam desafiantes, reais e baseadas no que é a boa governança, na participação, no diálogo activo”.
O programa Plataformas para o Desenvolvimento Sustentável e Objectivos 2030 em Cabo Verde surgiu igualmente no quadro das prioridades definidas pelo governo para o desenvolvimento local e para lançar uma estratégia que tinha como objectivo apoiar as políticas nacionais de governação e de desenvolvimento local, no contexto dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. No fundo, estas plataformas são espaços de diálogo, lideradas pelas câmaras e integradas por representantes da sociedade civil, do sector privado e da academia, onde esta existe.
“Eu sei que o programa, de facto, foi feito com essa lógica e com uma participação enorme do poder central que achava que era preciso cobrir essa falha entre as câmaras e a sociedade civil, entre autarquias e sector privado, entre sector privado e sociedade civil, etc.”, sublinha Cristino Pedraza. “Porque despertou o interesse das pessoas? Porque o espaço de diálogo a nível local é importantíssimo e porque as pessoas acreditam que dialogando pode chegar longe”.
“No início, quando falamos com os primeiros oito municípios, ninguém acreditava que os planos podiam ser feitos pelos municípios. E afinal conseguimos planos participativos. Portanto, a grande mudança é que acreditaram e descobriram que têm capacidades de elaborar um plano de qualidade. Depois, penso que os outros municípios viram que estava a funcionar e, obviamente, começaram a ter interesse. E depois outra coisa, já existiam planos, mas estavam todos na gaveta, não estavam a ser utilizados. Porquê? Porque não tinham sido feitos de forma participativa e com o envolvimento das diferentes instituições. Diria que o que abrimos, com este programa, foi uma pequena luz que ainda tem de expandir-se, mas que pelo menos já deixa passar muita coisa, vai criando hábitos”.
Os projectos tocam nas mais diversas áreas. Há uma predominância das questões que têm a ver com o abastecimento de água, mas há outros virados para as questões de género, para o ambiente, ou para os negócios. É o caso de São Miguel, que tem o projecto “do rural ao empresarial”, através do qual vão ser construídas pocilgas comunitárias. Ou de São Vicente, onde o projecto “Monte Cara Saudável” quer criar espaços onde os jovens possam ser acompanhados nos horários fora da escola.
“Quando colocas instituições diferentes a discutir qual é o problema prioritário de um território saem coisas que ninguém tinha pensado, mas não é só isso, é que também apontam soluções interessantíssimas para o território”, reconhece Cristino Pedraza. “É claro que encontramos um problema geral em todo o país, que é a água, isso já sabemos, mas a percepção que pode ter a população, ou outras instituições, do mesmo problema pode ser diferente. É daí que saem coisas que podem ter mais impacto do que outras através deste tipo de encontros onde, todos juntos, estamos à procura de solucionar os problemas. Isso é interessante, descobrir a riqueza que existe no local e como, facilitando o diálogo, podemos chegar a conclusões que ajudam as câmaras a tomar decisões estratégicas para melhorar a vida dos seus habitantes”.
Durante os três dias do encontro foram também apresentadas ferramentas de financiamento, como o fundo de descentralização ou os fundos da União Europeia, sendo explicados os processos para aceder aos mesmos, e falou-se igualmente dos desafios. Há quatro considerados principais: a implementação dos PEMDS já finalizados, a sustentabilidade das plataformas, a visão regional e a implementação dos projectos analisando o tempo e a capacidade de os pôr no terreno.
“Um projecto tem um início e tem um fim. E o futuro passa pela apropriação das ferramentas, pela institucionalização das plataformas, que é o passo a seguir, e depois pela vontade política e pela liderança das câmaras acreditar numa maneira de trabalhar, de querer continuar para além do projecto, para além do financiamento. Isso, para mim, seria o sucesso”, diz Cristino Pedraza.
“Sabemos que não é fácil. Quando geres um projecto de implementação de água, vês quando começou, quando se fez a ligação, onde está o tanque, quando chega à torneira das pessoas. Quando se faz um projecto de governança ter essa percepção do impacto só se consegue a médio/longo prazo. Só daqui a uns anos vamos ver como vão utilizar as ferramentas”.
“Mas acredito. Pelo valor das pessoas que participam. Gente entusiasta, que está a dialogar, de igual para igual. Quando vês isso, tens de acreditar”, conclui o Conselheiro Técnico Principal do Projecto de Desenvolvimento Local.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 941 de 11 de Dezembro de 2019.