Muitos pais pediam apoio. “Telefonavam e mandavam mensagens”, na verdade a qualquer hora, de manhã cedo a altas horas da noite (“era o momento em que alguns pais podiam ou tinham condições de chamar os professores…”)
“Não tinham o método [de ensino] que o professor tem, então muitos estavam perdidos”, conta esta professora, que soma mais de duas décadas de experiência de ensino.
O tipo de apoio que era prestado, como enviar e corrigir fichas, debitando conteúdos, pareceu-lhe, porém, insuficiente para uma boa interacção e interesse da criança.
“Se na sala de aula, trabalhar apenas com lápis, canetas e cadernos, já não interessa muito aos alunos, ali também não”, pensou. Era preciso, tal como na sala de aula, muita criatividade e uma pitada de “brincadeira”.
E assim começou a lançar sugestões, para os pais criarem o que Gilda chama de “brinquedos”, mas que na realidade são materiais didácticos, de apoio. Depois, orientava na forma como se explora esses materiais, ou seja, na parte pedagógica.
Vídeos
A pandemia foi assim um momento de se lançar num novo desafio. E foi também um momento de muita aprendizagem para a professora Gilda. Hoje o projecto Aprenda Bricando Educa está presente no Facebook, onde conta com mais de 3.700 seguidores, no Instagram, e também no Youtube.
São vários os vídeos já realizados por esta professora. No início, eram directos, mas insatisfeita com o produto final, decidiu gravar. “Mas não sabia o que fazer com aquela gravação”. Valeu-lhe, neste ponto, a ajuda de um professor hoje reformado e da filha, de 11 anos.
Aprendeu assim a editar os vídeos. “Agora faço tudo sozinha. Desde ‘pensar’ o conteúdo, criar os ‘brinquedos’, fazer a gravação, edição, colocar texto, voz, eu é que faço tudo”, orgulha-se.
Aprendeu, pois, muito. E “estou aprendendo a cada dia”, conta.
Mas a página não tem só conteúdos escolares. Para dinamizar e fomentar a interacção, há outras rubricas como a Hora do Parabéns ou o Cineminha em casa, para o qual são escolhidos curtos vídeos que falam de problemáticas como o bullying ou a violência sexual. São temáticas que é importante falar com as criança, mas que muitas vezes os pais não sabem como abordar de forma adequada.
A música também marca presença. Sempre músicas e danças infantis, igualmente adequadas às idades.
Na página são ainda lembradas datas comemorativas, e realizados concursos. Ainda recentemente, por ocasião do Dia do Professor Cabo-verdiano (23 de Abril), para além dos vídeos de homenagem a alguns docentes, foi lançado um concurso para poemas/textos sobre, precisamente, “Ser professor em tempos de pandemia”.
Foram atribuídos dois prémios, mas Gilda lamenta a fraca participação e interacção.
A ideia, no pós-pandemia é continuar o projecto, que começou como uma brincadeira, mas que foi crescendo. Continuar mesmo que este seja um desafio enorme, com significativo custo mensal e trabalho para a autora, pelo que cada vez mais é importante apoios.
No futuro, Aprenda Brincado Educa irá continuar nas redes sociais, e ajudar “outros [professores], do pré-escolar até ao secundário, se for possível, a criarem também páginas do tipo”.
“O objectivo é depois levar essas actividades que eu dinamizo na página às escolas, comunidades. Então o projecto é grande …” e o lema o de sempre: Aprenda Brincando.
Na sala
Desde Novembro que Gilda regressou também à sala de aula, dividindo o seu tempo agora, entre o projecto virtual e o ensino presencial. E partilha, tal como os colegas, o seu testemunho nas aulas presenciais.
Na escola Eugénio Tavares (Praia), onde lecciona há 18 anos, e dá aulas ao 2.º ano. E sente, neste contexto de pandemia, as limitações por ela impostas.
Custa a máscara que tapa tantas expressões e custa o afastamento social.
“São alunos muito pequenos, então esse afastamento, não poder chegar a eles… são alunos que precisam que a professora coloque as mãos em cima das suas mãozinhas, para ajudar a fazer o contorno das letras, que a professora se sente mais perto, sente no colo, faça essas coisas”, entristece-se.
Nesta escola de Achada Santo António, o 1º ciclo tem aulas todos os dias. A escola é grande, e o rácio alunos/sala “não justificava a divisão das turmas”. As aulas decorrem das 8h até cerca do 12h, mas sem intervalo.
A ausência do recreio, a meio da manhã não é de somenos, conhecida que é a importância do mesmo. As crianças ficam mais agitadas. E o desafio para o professor torna-se maior.
“Com os alunos pequenos, nós os professores arranjamos sempre uma estratégia. Às vezes vejo as crianças quase a dormirem dentro da sala. É a hora em que vamos cantar uma musiquinha. Levantar um pouquinho, dançar, fazer um alongamento”, conta. Podem inclusive dar uma voltinha no recreio e voltar.
“É arranjar uma solução, mas não está a ser muito fácil e o pior é que o comportamento muda”, diz.
Da pandemia, além da página, Gilda traz também uma relação mais próxima, por assim dizer, com os pais, através das redes sociais. Mas se agora é muito mais fácil comunicar com todos os pais dos alunos, a verdade é que o feedback, que por altura do confinamento foi bastante positivo, tem vindo a ser muito menor.
“Quando começou a pandemia, os pais mostraram-se preocupados e mostraram interesse em apoiar, mas voltamos às aulas presenciais, e muito pais ‘lavaram as mãos’, como se pensassem ‘Já mandei o meu filho para a escola, agora o problema é da professora. Não digo que é generalizado, mas é assim pelo menos na comunidade onde trabalho”, lamenta a professora.
“Isto é o mais difícil. Nós estamos na escola, a formar, a ter ideias e a colocá-las em prática, mas às vezes faltam os instrumentos de avaliação [e outros] que vêm da parte dos pais”. E como o tempo é limitado, mais do que nunca o trabalho tem de ser conjunto, observa.
Juntos somos mais fortes, é o seu lema, sublinha. Na escola e na Aprenda Brincado.
Leia também a reportagem: Professores na Pandemia
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1013 de 28 de Abril de 2021.