Apesar das previsões, agricultores preferem esperar antes de arriscar as escassas sementes

PorSheilla Ribeiro,2 jul 2022 8:15

Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (INMG) há possibilidade de uma “boa estação das chuvas e ano agrícola” em 2022. Por esta razão, em algumas zonas rurais da ilha de Santiago já se faz sentir as sementeiras. Entretanto, a falta de sementes tem condicionado este início para alguns que preferem esperar por sinais de que o ano realmente será de boas azáguas.

Fátima Oliveira, de Praia Formosa, arredores de São Domingos, dedica-se à agricultura e criação de animais como vacas, cabras, ovelhas, galinhas e patos.

Ao Expresso das Ilhas a camponesa manifesta a esperança de um ano agrícola melhor do que tem sido nos últimos anos, apesar das dificuldades na aquisição das sementes.

“Além dos anos anteriores, no ano passado também não houve tanta chuva, então temos tido uma certa dificuldade em encontrar sementes para começar a sementeira. Aliás, só comecei a procurar sementes depois das previsões de que este ano teríamos uma boa estação de chuva”, confidencia.

Baseada na previsão do INMG, Fátima Oliveira afirma que se encontrar as sementes, além de semear no seu terreno habitual, vai montar uma horta.

Conforme conta, para a sua família não há a opção de não comprar as sementes porque a escassa chuva do ano passado não lhe permitiu ter sementes de reserva que pudesse usar nesta campanha agrícola.

“No ano passado, a esta altura já tínhamos as sementes. Este ano, as coisas estão ainda piores, nem sequer temos água na fonte, que é onde recorremos para montar a horta”, refere.

Na campanha agrícola de 2021, prossegue, comprou cada litro de feijão branco por 400 escudos e tinham-lhe sido oferecido 10 litros de milho para a sementeira.

Até agora, Fátima Oliveira diz ter dois litros de milho e nenhum feijão para semear. Das autoridades, garante que ainda não ouviu nada e que até onde sabe não há disponibilidade de sementes.

Quanto ao pasto, o cenário é um pouco melhor uma vez que conseguiu colher uma certa quantidade na sua propriedade, ainda que não o suficiente para a quantidade de animais que cria.

“Além do que colhemos em 2021, tínhamos uma pequena reserva de 2020. Por não ser suficiente, tivemos de comprar a maior parte do pasto que susteve os nossos animais até agora. Além do pasto, estamos a alimentá-los com ração. Se este ano chover, não vamos ter de comprar nem pasto, nem ração, nada. Vamos colher tudo na nossa propriedade”, observa.

Segundo relata, gastou cerca de 60 mil escudos com pasto que acredita ser suficiente até que chova e nasça mais.

“Achamos que este ano será melhor do que os últimos anos, por isso não comprámos tanto pasto, além do facto de que está muito caro. Temos ainda de comprar milho, na Praia, por cerca de dois mil escudos para alimentar as aves. Este ano cheguei a comprar um saco de milho por três mil escudos”, realça.

Na Praia Formosa, de acordo com a camponesa, nenhum agricultor iniciou as actividades ainda e pretendem esperar até final de Julho ou início de Agosto.

“Estamos à espera de um sinal que realmente vai chover antes de deitar a pouca semente que temos à terra. Caso contrário não teremos sementes para o próximo ano”, precisa.

Em Assomada

Gerson Varela, ainda não iniciou as actividades de sementeira porque programou tudo para o mês de Julho.

“Ainda que tenham caído algumas gotas neste mês de Junho, prefiro esperar até Julho antes de arriscar as minhas sementes. Embora não tenha tanto problema em relação aos grãos, é mais uma questão de os preparar, separar os bons dos maus para a sementeira”, salienta.

Em Assomada, de acordo com o agricultor, muitas pessoas já deram início à sementeira e a maioria tem usado sementes que tinham de reserva. São poucos os que tiveram de comprar.

“Por enquanto, o pessoal daqui não tem tido dificuldades com as sementes, mas, a meu ver, até finais de Julho haverá porque é quando toda a gente vai estar, de facto, dando início à campanha agrícola”, constata.

Gerson Varela precisa que não terá problemas com as sementes porque as que conseguiu guardar da colheita do ano passado são suficientes para o seu terreno.

“E, pela previsão, este ano será melhor, então certamente vou ter mais reservas para o próximo ano. Espero realmente que as previsões se concretizem porque sem o fruto das azáguas a situação de muita gente vai indo de mal para pior”, observa.

Além das sementes, o agricultor conta com uma outra vantagem. A quantidade de pasto que conseguiu colher na sua propriedade ultrapassa a quantidade dos animais que possui. Por este motivo, além de guardar para o seu gado, vende-o.

“Nos últimos anos tem havido muita procura de pasto. Do ano passado, já não tenho para vender, esgotou. Tendo chovido pouco, não houve tanto pasto noutros pontos da ilha, quanto houve em Assomada. Então, muitas pessoas que não são de Assomada têm procurado e o dinheiro da venda do pasto dá para compensar o gasto que fazemos durante a sementeira com a mão-de-obra e outra logística”, acrescenta.

Todos os anos, Gerson Varela contrata mais do que uma pessoa para ajudar com a lida da sementeira, uma vez que sozinho não consegue dar conta de tudo. Para este ano, contudo, ressalta que tudo vai depender das chuvas.

“Se chover vou contratar pessoas para ajudar, caso contrário não sei se poderei arcar com este custo. Mas tenho esperanças”, reconhece.

Mais de 50% de camponeses de Santa Cruz desistem da sementeira

Santa Cruz é o maior concelho agrícola da ilha de Santiago. No entanto, segundo o presidente da Federação dos Agricultores e Pecuários de Santa Cruz, Cesário Varela, mais de 50% dos homens do campo desistiram da sementeira deste ano.

“Até agora poucas pessoas iniciaram a sementeira. Devido a todos esses anos de seca, os nossos homens estão com dificuldades em regressar ao campo por falta de motivação, não têm tanta certeza se de facto vai ou não chover e se vão conseguir colher o suficiente para que tenham sementes para o próximo ano”, avança.

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Um outro facto que culminou nessa desistência, conforme Cesário Varela, tem a ver com a falta de recursos financeiros para arcar com as despesas da sementeira, como, por exemplo, mão-de-obra e comida para os trabalhadores, e escassez de sementes de feijões.

“Apesar das previsões, há pouca esperança numa boa ázagua. Aliás, nos últimos anos menos de metade das pessoas que faziam a sementeira antigamente é que estão a regressar para o campo. Temos uma desistência de mais de 50% dos camponeses”.

“Podemos reparar que, durante a época do cultivo, a maioria dos campos estão abandonados. As pessoas acabaram por perder esperança porque o trabalho de campo é duro, requer muitos gastos financeiros, gastos com matéria-prima e tempo do agricultor. E os anos de seca têm contribuído para a desmotivação das pessoas nesse tipo de investimento”, especifica.

Mas, o presidente da Federação dos Agricultores e Pecuários de Santa Cruz mostra-se convicto de que se chover bem, muitos dos que desistiram hão-de regressar aos campos.

Redução do gado e insegurança alimentar

Um outro problema que os homens do campo de Santa Cruz enfrentam é a redução do gado.

“Todos os criadores têm reduzido o número de cabeças de gado, já que têm vendido por falta de pasto. Não havendo pasto, e com a subida dos preços das rações e até mesmo dos pastos que outros camponeses vendem, a solução é vender ou comer, antes que morram”, justifica Cesário Varela.

A consequência do abandono da sementeira e da redução do gado, na visão de Varela, é a insegurança alimentar, não apenas para a população de Santa Cruz, mas também do país. Isto porque, o que se tem produzido “não é suficiente para o abastecimento” dos que aqui habitam e muito menos para os turistas.

“Não é por acaso que cada vez mais temos vindo a aumentar a importação. O que falta são medidas políticas assertivas. Medidas que devem ser pensadas não nos gabinetes, não nos Ministérios, mas sim no campo, com os agricultores. Não haverá medidas mais assertivas enquanto não se acompanhar o dia-a-dia de um homem do campo”, sugere.

Governo garante que está a preparar o ano agrícola

Na última sessão plenária, após o PAICV ter manifestado preocupação com os preparativos da campanha agrícola 2022/2023, a ministra dos Assuntos Parlamentares, Filomena Gonçalves, garantiu que está tudo em preparação.

“Todos os anos o governo tem trabalhado na preparação do ano agrícola. Este ano, não é excepção. Todos os anos são feitos planeamentos no que tange às sementes, produtos fitossanitários, equipamentos, formação, produção de estacas de mandioca, batata, plantas de congo, etc. Está tudo em preparação. No que se refere às sementes, parte delas é sempre adquirida pelo Estado junto dos privados e depois colocada à disposição dos agricultores com critérios pré-definidos”, assegurou.

De referir ainda que na edição 1072 do Expresso das Ilhas, o ministro da Agriculta e Ambiente, Gilberto Silva avançou que Cabo Verde está a estudar a possibilidade de se associar a mecanismos de facilitação de financiamento global de importação da FAO.

“A FAO lançou a temática, por exemplo, das compras agrupadas, sobretudo de fertilizantes, sementes, tudo no sentido de ver aumentar a capacidade de produção a nível do continente africano. Isto abrange obviamente não só grandes fornecedores, grandes extensões de terra, mas também pequenos produtores poderão ser, mediante o agrupamento, beneficiários da facilidade”, disse.

“Cabo Verde também está a estudar a possibilidade de se associar, mas nós, o que vemos não é só medidas conjunturais, mas também medidas que conduzam o país a uma maior resiliência para o futuro”, pontuou. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1074 de 29 de Junho de 2022.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,2 jul 2022 8:15

Editado porJorge Montezinho  em  4 jul 2022 8:28

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