Associações e ONGs são unânimes em que os pedidos de ajuda têm aumentado face às dificuldades financeiras

PorSheilla Ribeiro,17 jul 2022 8:33

Em antecipação ao debate sobre o estado da Nação que se realiza na última sessão parlamentar deste mês, pondo termo ao ano político, o Expresso das Ilhas convidou algumas associações, fundações e ONGs para reflectirem sobre a situação do país face às sucessivas crises: seca prolongada, COVID-19 e a actual guerra na Ucrânia.

“Cruz Vermelha adopta medidas de mitigação e para reforço da resiliência comunitária”

Para o presidente da Cruz Vermelha de Cabo Verde (CVCV), Arlindo Carvalho, uma vez que o país e o mundo foram “profundamente abalados com a dramática situação pandémica, da seca e da guerra na Europa”, além de outros males foram adotadas medidas para mitigar os seus efeitos, reforçar a resiliência comunitária e auxiliar as autoridades nacionais no campo social e humanitário.

E decorrente da situação de calamidade social e económica decretada pelo governo, a CVCV solicitou apoio junto dos seus parceiros nacionais e internacionais para “aliviar o sofrimento humano” sobretudo das camadas menos favorecidas da população.

“Neste contexto, todas as estruturas e serviços da instituição encontram-se fortemente engajados e no terreno no quadro da acção humanitária. Uma importante operação humanitária vai ser desencadeada agora no âmbito do Plano de Resposta às Urgências apoiada pela Federação Internacional da Cruz Vermelha e do estudo sobre o impacto das alterações climáticas nas comunidades financiado pelo centro Global do Clima do Movimento I”, afirma.

Esta operação visa sobretudo apoiar solidariamente famílias duramente afectadas pela crise em alguns municípios do país.

Contudo, no âmbito da realização da XXIII sessão da Assembleia Geral das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha foram determinadas as prioridades para os próximos dois anos e aprovadas as políticas e instrumentos que guiarão o trabalho humanitário diário das Sociedades Nacionais sob o tema “ação local, alcance global”.

O momento serviu para examinar formas e meios para preservar a relevância da organização. Das decisões tomadas, salientam-se as seguintes: adoção da Carta Sobre o Clima e Meio Ambiente; Fortalecimento da Acção Humanitária Antecipada do Movimento: O Caminho para o Futuro; Abordagem do Movimento Internacional para garantir e melhorar a segurança do paciente e a qualidade dos cuidados de saúde; Guerra nas Cidades; entre outros.

“Ainda, no âmbito de uma forte acção no domínio da diplomacia humanitária em curso, espera-se que várias outras instituições e parceiras nacionais e internacionais venham a aderir ao esforço em curso para a mobilização de recursos para acudir as pessoas em situação de aflição e de crise”, salienta.

“A situação social necessita de novos incentivos para responder aos desafios em mutação”

Por seu turno, a presidente da ONG África 70, com sede no Sal, ressalta que com a pandemia, a organização teve de fazer reajustes no seu modo de agir. Por isso, no âmbito do projecto Rede Social, foi elaborado um plano de contingência com o objetivo de mitigar os impactos da pandemia na população, e principalmente nos seus beneficiários.

Actualmente, no terceiro ano do projecto, o trabalho comunitário da Rede Social tem apoiado onze associações locais, na ilha do Sal, como forma de fortalecer a Sociedade Civil.

“Estas entidades locais têm conseguido resultados concretos como reforço das boas práticas e dinâmicas inovadoras para o desenvolvimento sustentável de um turismo comunitário, alargamento da inclusão social das mulheres e dos jovens através do teatro, da dança, das artes plásticas, do desporto e da rádio, entre outros”, refere.

Para Odetta Mendes, a situação social está em constante transformação e necessita de novos incentivos para responder aos desafios em mutação.

“Aqui, a Rede Social, mesmo nos meses mais difíceis da emergência da COVID-19 nunca abandonou a ilha do Sal, e continua o trabalho que vem fazendo no país há quase 40 anos”, salienta.

image

De Março de 2020 a Março de 2021, Odetta Mendes aponta que a ONG recebeu 100% de mais pedidos que o normal, sendo 80% pedidos de cestas básicas e 20% pedidos vários como materiais de construção, medicamento, pagamento de exames e compra de bilhetes de viagens marítimas.

Da totalidade dos inscritos na ONG, 16% são do sexo feminino e 84% do sexo masculino. A existência de um maior número de homens inscritos tem a ver com o facto de terem perdido o emprego em 2020.

“Estamos convencidos de que se apostarmos na capacidade empreendedora e na vida associativa para ligá-los, podemos ajudar a reduzir a taxa de pobreza da população local, a fim de criar uma sociedade mais igualitária e mais justa”, julga.

“As pessoas têm tido muitas dificuldades, mas não são tantas para dizer que é gravíssima”

A presidente da Morabi (Associação Cabo-verdiana de Auto-Promoção da Mulher), Maria Aleluia Andrade, destaca que as sucessivas secas, a pandemia e agora a guerra na Ucrânia, têm um impacto social e económico negativo para o país.

Sendo assim, apesar do grande parceiro que é o governo e outros parceiros, Andrade afiança que as dificuldades são muitas.

“Porque queremos apoiar os nossos beneficiários e as vezes temos certas dificuldades. Neste momento, a situação não está saudável, mas estamos lutando para ver se conseguimos mais parcerias”, enfatiza.

Maria Aleluia Andrade revela que a instituição tem recebido muitos pedidos de ajuda e que a mesma tem ajudado com o que pode, tendo em conta que têm vários projectos que trabalham nas comunidades.

Com a crise, frisa, os pedidos de ajuda aumentaram e a parceria com o governo tem ajudado a dar respostas.

“As pessoas têm tido muitas dificuldades, mas não são tantas para dizer que a situação é gravíssima. Problemas há porque se trata de uma crise mundial. Mas nós apoiamos com o que podemos. Não estamos aqui apenas para ajudar com cestas básicas, ajudamos para que as pessoas se formem, organizem e tenham uma actividade que lhes permita autossustentarem-se”, salienta.

“É preciso que se faça qualquer coisa para que a situação melhore um pouco”

Para a presidente da Fundação Donana, Ana Fonseca Hopffer Almada, a situação do país não é nada boa não apenas pelos dados de pobreza da população que empobreceu “muito” nos últimos três anos devido às últimas circunstâncias.

“A situação é muito má, é só ver os dados que temos da pobreza e da situação de insegurança alimentar do nosso país. Quase que nos atreveríamos a dizer que a realidade é ainda um bocadinho pior do que está espelhado nos dados. Estamos no terreno, visitamos as pessoas e vemos as dificuldades pelas quais elas passam”, analisa.

Neste momento, o projecto da Fundação com mais impacto é o Banco Alimentar de Cabo Verde devido ao grande número de pedidos de ajuda, que no entender daquela responsável, reflecte a “grande penúria alimentar” no país.

Ana Fonseca Hopffer Almada afirma que além de não terem dinheiro para comer, as pessoas não têm dinheiro para ter condições mínimas de uma vida com dignidade.

“Vamos às casas das pessoas e vemos que estão a viver em condições degradantes, outras nem casa têm e sim barracas. O que nós constatamos é uma situação muito difícil e é preciso que se faça qualquer coisa para que a situação melhore um pouco”, apela.

É neste sentido que a responsável refere que a Fundação tem recebido muitos pedidos de colchões, cama, lençóis, fogões e outros bens. Conforme frisa, são pedidos de pessoas que perderam a capacidade de comprar alimentos e que para obtê-los venderam os bens que hoje pedem.

Uma outra preocupação para a Fundação é a insegurança que se faz sentir, devido a “situação difícil”.

“É preciso criar postos de trabalho, criar alternativas para essas pessoas que estão a dar ‘casubody’. Tudo isso espelha o estado da Nação que realmente não é nada bom e que temos de encarar de frente e ver que a culpa não é de ninguém. Culpar alguém não resolve o problema. O que vai resolver o problema é identificar essas situações e ver as soluções para as mesmas”, sustenta.

As soluções, no seu ponto de vista, têm de ser encontradas em conjunto, o governo, as organizações da sociedade civil e pessoas individuais e colectivas.

“Nós éramos pobres, havia muto mais pobreza antigamente, mas éramos felizes e não havia tanta dificuldade porque havia mais solidariedade, mais amor ao próximo, havia mais partilha. Perdemos esses valores que são fundamentais e muito importantes para o equilíbrio de qualquer sociedade”, lembra. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1076 de 13 de Julho de 2022. 

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Sheilla Ribeiro,17 jul 2022 8:33

Editado porFretson Rocha  em  4 abr 2023 23:28

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.