Turismo pode salvar espécies da extinção

PorAndré Amaral,4 set 2022 8:35

Tubarões e baleias são espécies que têm tido destinos bem diferentes em Cabo Verde. As baleias, que começaram por ser caçadas no arquipélago e foram mesmo uma das bases da fundação da comunidade cabo-verdiana nos EUA, são hoje um produto de atracção turística. Já os tubarões continuam a ser pescados nas águas nacionais e há mesmo espécies que “nem os pescadores mais antigos se recordam de ver”.

Em Cabo Verde há cerca de 16 espécies de tubarões declaradas como protegidas e “algumas delas são consideradas como estando ameaçadas”, diz Stiven Pires, da ONG Biosfera I, ao Expresso das Ilhas. “A captura do tubarão azul e do tubarão mako é mesmo proibida”, acrescenta.

Quanto ao estado da população destas espécies “há ainda muito por fazer. Algumas espécies estão em perigo e outras, já muito perto da extinção”, alerta o ambientalista, que relata que há alguns tipos de tubarão que “já nem os pescadores mais velhos se recordam de ver” nos mares de Cabo Verde.

Apesar dos perigos existentes para a população de tubarões em Cabo Verde, a pesca continua a acontecer e a descarga no Porto Grande também.

“Há embarcações estrangeiras que têm licença de captura de algumas espécies e depois fazem a descarga aqui no Porto Grande”, refere este técnico da Biosfera I, defendendo que “é necessário fazer uma avaliação da população de algumas espécies” de tubarões em Cabo Verde.

“Aqui em Cabo Verde falta muitas vezes fiscalização”, aponta Stiven Pires. “ Muitas vezes, não se sabe quantas toneladas são desembarcadas no alto mar. A fiscalização é um dos nossos calcanhares de Aquiles e isso impede-nos de fazer uma avaliação do stock existente de cada espécie».

Impõe-se, por isso, “uma avaliação profunda e específica”, defende Stiven Pires. No entanto, há poucos fiscais.

Em algumas ilhas, há zonas onde os tubarões nascem e passam alguns dos primeiros meses das suas vidas.

“No Maio, há uma área protegida que tem um dos maiores viveiros de Cabo Verde. Há dezenas de tubarões nessa área protegida. Em Santa Luzia e no Sal há também viveiros e noutras zonas do país têm aparecido outras espécies», explica Stiven Pires.

E é no Sal, na Baía Parda que a Project Biodiversity tem desenvolvido o seu trabalho de protecção de tubarões.

Baía Parda ou Shark Bay, no Sal, é um dos locais mais populares da ilha “pela experiência única de observar tubarões desde a costa. Este fenómeno pouco frequente no Mundo, traz claros benefícios para a população local, com a visita de centenas de turistas diariamente. No entanto, também apresenta certos riscos tanto para as espécies e o habitat, como para o futuro da mesma actividade”, explica a Project Biodiversity na sua página de Facebook.

Esta ONG esteve naquela zona “com a comunidade local, socializando o novo projecto de conservação de tubarões, e ouvindo as preocupações e visão de futuro. O projecto visa instar o engajamento desta comunidade na defesa e protecção dos tubarões limão, e a biodiversidade marinha em geral, assim como orientá-la para uma gestão mais participativa e sustentável que a salvaguarde, e ainda que desenvolva uma economia sustentável para a própria comunidade».

Observação de tubarões

Zonas como a de Baía da Parda, no Sal, são essenciais para a reprodução e conservação das várias espécies de tubarões existentes no país.

Segundo Stiven Pires a gestão de zonas onde existem nascedouros de tubarões tem resultado de “uma colaboração estreita entre as várias ONG e a Direcção Nacional do Ambiente”, que têm procurado a melhor forma de conservar essas áreas.

No Maio, por exemplo, pode-se encontrar uma baía protegida por ser um berçário de tubarões-gata e limão, e zona de acasalamento de tubarões-gata. Existe também um outro berçário de tubarões-martelo, uma espécie ameaçada de extinção.

Quanto a estudos realizados sobre a população de tubarões em Cabo Verde, Stiven Pires explica que desde 2019 “temos um estudo a decorrer e actualmente estamos a fazer a pesquisa e conservação de algumas espécies”.

O objectivo deste trabalho, aponta o técnico da Biosfera I, é conservar todas as espécies de tubarões que existem no país, criando um inventário das espécies, e melhorando os meios para a sua conservação.

Para Stiven Pires, à semelhança do que acontece com as tartarugas e as baleias, também a observação de tubarões pode ser um atractivo turístico para o país. No entanto, reconhece, primeiro há que criar “uma ideia positiva sobre os tubarões por causa da má imagem que foi criada por filmes e contos. Há que desmistificar a ideia de que os tubarões são maus”.

Stiven Pires defende que o shark-watching pode “permitir criar uma indústria e obter algum rendimento que depois pode contribuir para a conservação das diferentes espécies de tubarões”.

E as baleias?

Em Cabo Verde existem, pelo menos, 24 espécies diferentes de cetáceos - 5 do grupo de grandes baleias (cetáceos com barbas) e 19 do grupo de golfinhos, baleias piloto e cachalotes (cetáceos com dentes) - e é o único lugar de reprodução conhecido da baleia-de-bossa, no Atlântico Norte Oriental.

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Esta é uma população considerada como estando em perigo pelo reduzido número de animais que a constituem. Ao todo, 300 a 400 baleias de bossa procuram as águas de Cabo Verde, especialmente na ilha da Boa Vista, para se reproduzirem.

A cada primavera, de Março a Maio, estas baleias “migram desde as zonas de alimentação no Atlântico Norte, principalmente desde as costas de Canadá e Gronelândia, para sua reprodução nas águas entre Sal, Boa Vista, Maio e Santiago”, refere a ONG Cabo Verde Natura 2000 no seu site.

Segundo um estudo realizado sobre a população de baleias-jubarte ou baleias de bossa, a que o Expresso das Ilhas teve acesso, “os indivíduos identificados da população das ilhas de Cabo Verde foram previamente fotografados/recapturados em locais de alimentação de alta latitude no norte da Noruega (incluindo o Mar de Barents e o arquipélago de Svalbard), Islândia, Açores, Tenerife, Ilhas Canárias e Guadalupe (nas Caraíbas). Estas baleias avistadas ao largo dos Açores e das Canárias foram observadas com mais frequência em Maio/Junho e estavam presumivelmente a caminho dos seus locais de alimentação do norte”.

O mesmo estudo refere igualmente que com base na foto-identificação de baleias de bossa nas ilhas de Cabo Verde, foi reportada “uma elevada taxa de reavistamentos inter-anual com 131 baleias observadas em mais de um ano. Embora isto se deva em parte à elevada probabilidade de detecção numa população pequena, estes resultados também sugerem uma forte fidelidade a este local de reprodução”.

“O número total estimado de baleias individuais que acorreram a esta área de reprodução do Atlântico Norte oriental entre 2010 e 2018 foi de 272”, acrescenta o estudo, o que indica que a população tem estado a crescer, uma vez que os dados mais recentes apontam para cerca de 300 a 400 animais desta espécie.

Em Abril deste ano os ambientalistas da organização não governamental Bios.CV defenderam a criação de uma área protegida na baía de Sal Rei, ilha da Boa Vista, para salvaguardar a população de baleia-de-bossa que se reproduz naquelas águas.

“Com uma área protegida já se pode implementar medidas de regulamentação e controlo. A ideia é continuar com o turismo de observação de baleias, mas de uma forma mais controlada, assim como o tráfego marítimo ou a pesca. Mas o primeiro passo é conseguir que seja declarada como área protegida”, afirmou, em entrevista à Lusa, o biólogo espanhol Pedro López, radicado na Boa Vista e um dos fundadores de associação ambientalista.

A presença das baleias-de-bossa na Boa Vista faz-se sentir anualmente entre Fevereiro e Junho, período de reprodução, viajando estas mais de 4.000 quilómetros, do norte do Atlântico para as águas da ilha, onde a sua presença atrai anualmente milhares de turistas, em excursões marítimas em que é possível ver adultos e crias.

“Antigamente Cabo Verde era um local de caça de baleias. Os barcos do norte da América vinham para cá e contratavam pessoal local, marinheiros que depois criaram a colónia cabo-verdiana nos Estados Unidos”, recorda o biólogo.

Com uma população para reprodução em Cabo Verde estimada em 300 a 400 indivíduos, Pedro López admite que a espécie, ali, está ameaçada.

“Esta população está considerada em perigo de extinção, é muito pequena. A espécie não, a nível mundial não está ameaçada”, explicou ainda.

Segundo a Bios.CV, na actual temporada, já foram avistadas 20 crias de baleia-de-bossa nas águas da Boa Vista.

Estas baleias, quando adultas, têm entre 12 e 16 metros de comprimento e 25 e 40 toneladas de peso, e as crias nascem já com uma tonelada e quatro a cinco metros.

“São filhotes bastante grandes”, brincou Pedro López.

Após a reprodução nas águas ao redor da baía de Sal Rei, estas baleias regressam depois de Junho às águas da Noruega, Islândia e ilhas Britânicas: “As fêmeas fazem esta migração a cada três anos, mas os machos podem fazer todos os anos”.

Para o biólogo da Bios.CV, seria fundamental criar uma reserva nestas águas e garante que há contactos entre os vários grupos de conservação cabo-verdianos para criar uma “rede de áreas marinhas protegidas” em Cabo Verde, incluindo a da Boa Vista.

Produto turístico

A presença de baleias e outros cetáceos como os golfinhos ou as baleias piloto é um mercado ainda pouco explorado, mas com bastante potencial.

Até agora, as águas junto à ilha da Boa Vista têm sido as preferidas destes cetáceos, mas os avistamentos também acontecem na ilha do na ilha de Santiago.

Segundo informações do site da Bios.cv, o passeio de barco ao longo das costas da Boa Vista “leva cerca de 3 horas e a probabilidade de ver as baleias no período de reprodução é muito alta”.

Os avistamentos de baleias em Cabo Verde são frequentes, mas parecem favorecer Boa Vista devido às correntes que transportam a sua comida preferida: o krill (plâncton). Ao longo dos anos, o seu número aumentou, sinal de que Boa Vista é um ambiente favorável para elas.

A observação de baleias, refere aquela ONG, contribui para consciencializar os visitantes “sobre a protecção dessas criaturas marinhas fascinantes. A observação de baleias é uma actividade muito agradável, sem perigos, que potencializa adultos e crianças, pois permite uma total imersão na natureza com total segurança”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1083 de 31 de Agosto de 2022. 

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Autoria:André Amaral,4 set 2022 8:35

Editado pormaria Fortes  em  24 mai 2023 23:28

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