Para o Presidente da República, a administração e aplicação da Justiça continuam demasiado morosas, o que, no seu entender, afecta em muitos casos o progresso económico e social do país e, sobretudo, a própria percepção da justiça pelos cidadãos.
José Maria Neves desafiou o sector a fazer algumas melhorias que julga serem prioritárias de modo a “corresponder às justas e legítimas expectativas da sociedade cabo-verdiana”.
Como exemplo, o Chefe do Estado citou o Sistema de Informatização da Justiça; a criação das condições necessárias ao funcionamento normal do serviço de inspecção judicial; maior e melhor comunicação.
“É premente maior e melhor comunicação. Todos sabemos que o tempo da decisão judicial dificilmente se compatibiliza com as exigências de uma comunicação protagonizada pelas redes sociais, em tempo real. Mas isso não pode servir de pretexto para que se mantenha a opacidade do fenómeno judiciário, tanto mais que a publicidade, custe a quem custar, é uma forma insubstituível de controlo da Justiça pela sociedade”, afirmou.
“Resolver o problema da Comarca da Praia é resolver mais de 70% dos problemas”
Na sessão solene da abertura do ano Judicial, o Procurador-Geral da República, afirmou que não se pode confundir morosidade, pendência processual, entre outros constrangimentos, com crise da Justiça.
“A Justiça cabo-verdiana não está em crise ou, a existir, não terá a dimensão que se pretende atribuir-lhe. Muitas vezes confunde-se justiça com tribunais”, assegurou.
Segundo José Luís Landim, a confiança do público no sistema judicial constitui uma preocupação, bem como a necessidade do aumento da produtividade, da redução da pendência, da melhoria dos recursos humanos e materiais, da formação dos magistrados, oficiais de justiça e técnicos do Ministério Público, das instalações dos serviços, entre outras.
E no que a estas questões diz respeito, disse que as perspectivas são animadoras, referindo-se à inauguração parcial do Campus da Justiça, onde já se encontra alojada parte da Comarca da Praia.
“A sua completa transferência, prevista para o início do próximo ano judicial, terá, necessariamente, reflexos importantes na melhoria da Justiça nesta Comarca, que é a que causa maiores preocupações. Resolver o problema da Comarca da Praia é resolver mais de 70% dos problemas da justiça a nível nacional”, afirmou.
Na mesma linha, o presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, Bernardino Delgado, apontou a deslocalização das instalações do Tribunal da Comarca da Praia para o campus de Palmarejo como uma das premissas para o cumprimento do plano de redução das pendências.
Segundo Bernardino Delgado, nos últimos dois anos houve uma redução de pendência em 17%, significando, em termos numéricos, uma redução que ultrapassa 2 mil processos, sendo o desafio acentuar, ainda mais, esta curva.
“Temos 10.160 processos pendentes. A meta é reduzi-los à metade nos próximos 4 anos”, proferiu.
O presidente do CSMJ também fez referência a uma “alavanche de críticas”, com “afirmações bombásticas e cáusticas” de como a justiça cabo-verdiana está a atravessar a maior crise de sempre.
“Sendo de sublinhar que, tais afirmações, amiúde, são desacompanhadas da componente factual justificadora. Outras vezes a crítica é intenção mal disfarçada da inconformação por causa do sentido das decisões”, considerou.
Advogados defendem “máxima urgência” na informatização da Justiça
O bastonário da Ordem dos Advogados, Júlio César Martins, defendeu, a “necessidade urgente” do sistema de informação e tramitação processual, tendo em conta a descontinuidade territorial de Cabo Verde e a dispersão dos tribunais.
“Estamos na era do digital, já se fazem intervenções com recurso ao digital e novas tecnologias e a justiça tem de acompanhar essa evolução. Temos de trabalhar com a visão de futuro e a estratégia para o digital do sistema de justiça deverá permitir que, num curto espaço de tempo, grande parte dos processos judiciais sejam processados digitalmente”, almejou.
Júlio César Martins advogou que a Justiça precisa de defender contra as desinformações que “criam um alarme e instabilidade social desnecessário”, através da recolha de dados.
“Não apenas a relação de processos entrados e processos concluídos, divulgando informação fidedigna e que permite gerar conhecimento sobre os pontos críticos e assim adoptar-se medidas correctivas necessárias”, sugeriu.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1096 de 30 de Novembro de 2022.