São Vicente recebe esta semana a 9ª reunião do comité de ligação para a fixação do limite exterior da plataforma continental além das 200 milhas náuticas e o 4º workshop regional de assuntos técnicos e científicos. O duplo encontro acontece no quadro do projecto sub-regional que junta, além de Cabo Verde, Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Mauritânia, Senegal e Serra Leoa.
Não são esperadas grandes novidades sobre um processo que é moroso e particularmente complexo, mas a reunião marca formalmente o retomar dos trabalhos, condicionados pela pandemia.
Na abertura, a secretária-de-Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Miryan Vieira, realçou o potencial do mar na construção do futuro.
“O mar que nos une pode, sem sombra de dúvidas, projectar o nosso futuro comum, por meio da definição de estratégias conjuntas em prol do aproveitamento desse grande potencial”, disse.
O interesse de Cabo Verde na extensão da sua plataforma continental é antigo. Em 2007, foi criada uma comissão responsável por investigar e apresentar uma proposta de delimitação. Dois anos mais tarde, em 2009, os trabalhos foram alargados a países vizinhos, com uma reunião na Praia da qual resultou um plano de acção, que recomendava o estabelecimento de um acordo de cooperação sub-regional.
O acordo-quadro foi rubricado em Nova Iorque, em Setembro de 2010, envolvendo Cabo Verde, Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Mauritânia e Senegal (a Serra Leoa juntar-se-ia um ano depois).
A submissão conjunta à Comissão de Limites da Plataforma Continental remonta a Setembro de 2014, antecedendo a apresentação formal, em Março de 2015. Dois passos significativos no longo percurso até um eventual reconhecimento da extensão da plataforma continental. As tramitações na ONU estendem-se, no mínimo, por dez a quinze anos.
Conforme Carlos Semedo, director-geral da Cooperação Económica para o Desenvolvimento, do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e coordenador da comissão nacional, este é um “dossier de longo prazo”. Perto de três dezenas de processos estarão à frente da solicitação sub-regional coordenada pelo arquipélago.
Pensar o país a longo prazo
“Temos que pensar o país a longo prazo, é um dossier de soberania. Se a proposta for aprovada, vamos ter uma área muito grande de jurisdição nacional. É um dossier importante, tem a sua complexidade técnica, jurídica e científica e leva tempo. As Nações Unidas têm-se reunido com pouca regularidade, por exemplo, durante o período da covid não foi apreciada nenhuma proposta. Segundo fui informado, temos cerca de 27 países à nossa frente”, explica.
As reuniões regulares de peritos têm como principal propósito manter a equipa actualizada e envolvida. Cabo Verde prepara-se para rejuvenescer e alargar a sua comissão nacional, para nela incluir outras competências.
“Vamos trabalhar na reformulação da nossa comissão nacional, com inclusão de mais pessoas, academia e ministérios. Cada comissão faz um levantamento das necessidades de formação, pensando, sobretudo, na nova geração de jovens quadros que certamente vão continuar a trabalhar neste dossier”, comenta Carlos Semedo.
Os desafios processuais, os mecanismos de concertação da delegação conjunta e a partilha de recomendações feitas pela ONU a outros países são alguns dos momentos da agenda prevista para a jornada de trabalho no Mindelo.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de que Cabo Verde é signatário, remonta a 1982. Os Estados costeiros têm direitos soberanos para prospecção e exploração económica dos recursos naturais existentes na sua plataforma continental e que podem incluir minerais com alta procura no mercado. O alargamento para lá das 200 milhas aumenta a área abrangida por esse pressuposto.
A plataforma distingue-se da Zona Económica Exclusiva (ZEE) já que, ao contrário desta, compreende ‘apenas’ solo e subsolo, não a coluna de água. Mesmo assim, o potencial económico é significativo e todo o investimento e paciência poderão ser recompensados. Isso mesmo é recordado por Plácido Vieira, director-geral da Empresa Nacional de Pesquisa e Exploração Petrolíferas (PetroGuin) da Guiné-Bissau.
“A conclusão positiva do processo vai dar aos países costeiros da África ocidental a possibilidade de terem acesso aos recursos do subsolo marinho, aos quais não têm acesso agora. Em perspectiva, isso traz maiores esperanças para as gerações vindouras, em termos económicos, científicos e técnicos, em diferentes sectores”, acredita.
Neste momento, estão registados nas Nações Unidas 93 pedidos de extensão da plataforma continental, o mais antigo dos quais, da Federação Russa, remonta a 2001.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1119 de 10 de Maio de 2023.