Estamos a aproximar-nos de mais um debate do estado da nação. Em que situação está o país agora que estamos a terminar mais um ano político?
Primeiro, é preciso fazer o enquadramento de onde é que está a vir o país e as crises que têm acontecido no mundo inteiro. Estamos agora mesmo a ver que estamos a poucas horas de o acordo de exportação de cereais do Mar Negro terminar. Teremos outras dificuldades, outra vez. Portanto, isto é só para dizer um dos efeitos da guerra, da invasão da Rússia à Ucrânia. Antes, tivemos a Covid. Tudo isto tem de ser enquadrado. O país, neste sentido, está a recuperar-se bem. Claro está que há mais dificuldades, é preciso recuperar. A qualidade de vida dos cabo-verdianos, as condições. As políticas do governo têm surtido efeito e temos tido resultados muito melhores até melhores do que as nossas provisões e as do Banco Central.
Uma das ideias que o governo tem passado é que o crescimento económico tem sido maior do que aquele que era esperado. Por exemplo, a recuperação da crise era apontada para 2024. Cabo Verde tem conseguido resultados antes desse prazo. O que é que isso indica?
Isto indica que estamos no caminho certo e que durante a crise, especialmente a pandémica, tomamos as medidas certas. Acho que foi preparar o país para este novo normal. Certificar o turismo, certificar as instituições... Todas as políticas que o governo tomou e também as câmaras municipais e a sociedade civil. Tudo isso dá confiança. Por exemplo, a nossa recuperação turística é superior a muitos outros países, este ano estamos a ganhar prémios. Provavelmente antes nunca pensávamos estar a este nível. Isso quer dizer que houve um planeamento que está a surtir efeito.
Uma das principais reclamações das pessoas é que o governo anuncia o crescimento económico de 17%, mas que isso não se nota nos rendimentos familiares. Que o dinheiro é cada vez mais escasso e que há um rendimento cada vez mais baixo da parte das famílias.
Nisto também é preciso fazer o enquadramento mais uma vez. O que aconteceu com a crise pandémica foi que muita gente entrou em lay-off ou foi para o desemprego. Agora nós estamos a recuperar. Mas estamos a sofrer uma crise inflacionária a nível mundial. O que quer dizer que a recuperação não é directamente proporcional ao rendimento das pessoas. E nós todos vemos, nós todos vamos aos minimercados, aos supermercados, ao mercado e vemos os preços dos bens que dispararam e que, claramente, os salários não acompanharam. Mas um bom sinal é que nós já estamos ao nível do que tínhamos em 2019.
Este crescimento económico também tem sido acompanhado por um crescimento da inflação bastante acentuado.
Isso é a nível mundial. Eu ainda agora estava a ouvir que nos Estados Unidos os juros têm aumentado, exactamente para compensar a inflação. Eles já conseguiram baixar de nove para três por cento e é esse o caminho. Portanto, isto está a acontecer no mundo inteiro. E Cabo Verde não poderia deixar de sentir isso tendo em conta que importa mais de 90% do que consome.
Falando agora da questão da segurança. Tem sido normal ouvir falar de assaltos, de situações de violência. Que retrato faz do país?
Eu considero que Cabo Verde é um país seguro, se comparado a nível mundial, e que tem sob controlo a questão dos crimes contra pessoas, mas temos de continuar a trabalhar. E nós temos um problema que eu acho que é multidimensional. Um problema que não tem só a ver com a prevenção da segurança, mas que é a nossa sociedade e a perda de valores que temos tido. Isto advém não só de políticas erradas que foram implementadas no passado e que é preciso corrigir. Tem a ver com a educação, tem a ver com os valores e com a intervenção das famílias e a responsabilidade de todos e cada um de nós. Portanto, nós temos aqui de debater uma questão da nossa sociedade, que nos diz respeito a todos
E em termos políticos que retrato faz deste ano?
Eu acho que foi um ano, um ano político difícil. Temos uma oposição que parece não querer compreender a situação por que o país e o mundo passam e que é preciso a união e o esforço de todos. Temos uma oposição que parece desassociada nesta realidade. Que parece só querer acusar. Nós acabamos de sair de uma moção de censura em que ficou provado que não havia realmente factos para tal, apenas a ânsia de querer chegar ao poder e de querer mostrar serviço. Estamos neste caminho, infelizmente. Precisamos definitivamente de uma melhor oposição, porque uma boa oposição apresenta soluções e ajuda a corrigir caminhos que possam estar errados. Aqui ninguém é dono da verdade. Mas quando se extrema as posições, quando é tudo “o governo não faz nada”, “o partido que está no poder, não faz nada” e “só nós é que fazemos”, não conseguimos ter o diálogo necessário e representar o povo cabo-verdiano. Isto é um trabalho conjunto. Eu sei que no fim a responsabilidade máxima é do partido que está no poder, mas a oposição também tem esse dever para com o povo.
Para terminarmos, falando mais especificamente desta moção de censura. Que avaliação faz? Com que ideia que ficou?
Que é muito preocupante que a oposição faça uma moção de censura e diga que é um cartão vermelho. Depois, a meio caminho, diz que é um cartão amarelo e no fim diz que é só para corrigir caminho. Ficamos sem perceber que caminho era para corrigir. Pôs o país em sobressalto. A moção de censura é algo que só é considerado em último caso e aqui o objectivo foi claro: substituir o governo. Fez-se uma moção de censura com casos e casinhos e depois não há substância, todos ficamos à espera de que a oposição apresentasse a razão para a moção de censura, já no texto não apresentou e eu tive a oportunidade de manifestar a minha preocupação e a minha tristeza sobre isso, por não existirem fatos que levassem a isso. Mas depois do debate, ficou ainda pior. Ficou a parecer que a liderança do PAICV estava a tentar sobreviver a alguma coisa, que não sabemos o que possa ser, que está a vir de dentro do próprio partido.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1129 de 19 de Julho de 2023.