A época das chuvas está aí e para muitos as preocupações continuam as mesmas de sempre. Riscos de deslizamento de terras em áreas instáveis, ocupadas por habitações precárias, constituem a principal dor de cabeça de moradores e autoridades.
A capital do país tem sido a cidade com ocorrências de maior gravidade, incluindo perda de vidas humanas em anos sucessivos.
Emílio Semedo, que reside há cerca de duas décadas em Simão Ribeiro, diz que a época das chuvas é uma “afronta”, perante a inacção das autoridades.
O morador fala dos perigos e lembra a morte de uma criança, em 2022.
“Foi o primeiro caso que tivemos, uma criança que morreu por causa das inundações. A ponte que fizeram não aguenta a quantidade de água que passa aqui, então, veio com os lixos que deitam mais acima, acabou por entupir as duas saídas, o curso mudou, com chapas, bidões e paletes. Quando as pessoas deram conta, a criança já estava sem vida”, recorda.
“A época das chuvas aqui é muito complicada. Já falaram em construir uma descarga de água aqui, mas só de boca”, lamenta.
Ana e Victor também moram na mesma zona da cidade da Praia. “Passamos muito mal na época das chuvas, quando chove, a água entra em casa. Ninguém vem cá para ver e arranjar os estragos”, constata Ana.
“Quando chove, a água passa na ribeira, ficamos sem caminho para nos deslocar. Ficamos afrontados com a água em todos os sítios. Precisamos de um muro de protecção, de modo que a água não nos atrapalhe. Há casas onde, quando o nível de água sobe, esta entra abundantemente dentro das casas”, explica Vitor.
No norte do país, na cidade do Mindelo, o cenário repete-se. No bairro da Portelinha, Joana Delgado edificou a sua casa de tambor. Fê-lo numa linha de água já lá vão sete anos.
“A água das chuvas vem e desce precisamente nesta porta [aponta para uma porta da casa]. Faz uma espécie de uma levada e faz sempre um buraco. No ano passado, por exemplo, a água vinha debaixo do chão na minha cozinha e tinha de tirar a água para fora”, lembra.
Também em São Vicente, mas em Ribeirinha Debox Jon Debra, Cátia Delgado, presidente da associação de moradores, confirma que esta é uma época de aflição para quem lá mora.
“Neste momento, a chuva é a nossa preocupação. É o momento em que estamos todos aflitos, porque não estamos numa habitação preparada para a chuva. Quando chove, temos uma grande dificuldade, corremos o risco de sermos arrastados para o mar. De dia, conseguimos ajudar-nos uns aos outros, mas à noite é mais complicado. Depois, temos muitos cabos no chão, muita gente não tem luz, podemos até morrer electrocutados naquela afronta de procurar proteger-se”, avisa.
Nalgumas zonas de maior risco das principais cidades são visíveis pequenas intervenções preventivas, feitas pelos moradores nas imediações das suas casas, incluindo a remoção de entulho. Quem pode, tenta reforçar a construção precária onde habita.
Autoridades no terreno
As autoridades municipais já estão no terreno, em trabalhos de implementação dos planos de contingência. As autarquias são a primeira linha de acção da Protecção Civil e o poder mais próximo dos cidadãos.
O levantamento de infra-estruturas críticas, a sinalização das zonas com maior risco de inundação ou deslizamento de terras, a desobstrução de vias de acesso e linhas de água estão entre as acções preventivas realizadas pelos municípios.
O presidente da Câmara Municipal da Praia, Francisco Carvalho, acredita que o município está preparado para receber as chuvas.
“A preparação tem sido aquilo que fazemos todos os anos. Primeiro, a elaboração de um plano específico para esta altura, que já está a ser implementado. Por exemplo, as acções de desobstrução de vias onde circula água, que têm sido feitas diariamente, com camiões e caterpillars nas várias zonas. Identificação de áreas de risco, sensibilização das populações. É todo um conjunto de medidas. O plano está orçado em cerca de 90 mil contos, mas é evidente que não conseguimos concretizar tudo o que está no plano. Há problemas de recursos logo à partida”, comenta.
Anilton Andrade, vereador da Protecção Civil e Bombeiros da Câmara Municipal de São Vicente, explica que o plano de contingência é acompanhado por um plano de acção.
“Mesmo havendo o plano de contingência para a época das chuvas, enviamos um plano de acção onde estão estipuladas as acções esperadas de cada entidade, seja de preparação de época de chuva ou durante as chuvas”, avança.
“Em São Vicente, temos várias zonas que trazem algum risco, desde logo a preocupação eminente é com as zonas onde, devido ao movimento de terras para construção, sejam informais ou construções legalizadas, os escombros ficaram nas zonas que posteriormente provocam deslizamento de terra. Noutras zonas, são as acessibilidades difíceis para fazer chegar meios de apoio ou para a realização de uma evacuação rápida”, sintetiza.
Chã de Alecrim, Alto da Brava, Portelinha e Zona X são bairros a merecer atenção redobrada neste período.
Hora de limpar
Para Domingos Tavares, presidente do Serviço Nacional de Protecção Civil e Bombeiros, esta é a hora de limpar. O responsável apela à colaboração de todos.
“Para a população em geral, por agora, é fazer a limpeza à volta das moradias. Também, desobstruir todas as vias para que a água possa correr naturalmente”, realça.
O responsável reconhece a escassez de meios do sistema de Protecção Civil, mas confia na capacidade de resposta.
“Sabemos o país que temos e, normalmente, principalmente nesta questão das chuvas, temos conseguido dar resposta”, assegura.
*com Ailson Martins, Fretson Rocha e Lourdes Fortes
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1131 de 2 de Agosto de 2023.