Nos últimos anos, tivemos “uma evolução brutal” na segurança marítima

PorSara Almeida,12 ago 2023 9:23

Seidi Santos, Presidente do Conselho Directivo do IMP
Seidi Santos, Presidente do Conselho Directivo do IMP

Ao Instituto Marítimo Portuário (IMP), não sendo uma agência Reguladora, cabe um leque alargado de atribuições, nomeadamente a de regulador técnico do sector. Nesta conversa com o Expresso das ilhas, o PCD, Seidi Santos, fala sobre as principais funções, ganhos e desafios do Instituto, mas também sobre questões conexas como a exportação de marítimos vivenciada por Cabo Verde e a proliferação de actividades turísticas náuticas. Na bandeira da Segurança Marítima, lacunas são apontadas, mormente a falta do sistema de comunicações adequado, mas é assinalada a evolução que o país viveu nos recentes anos, com uma inspecção cada vez mais rigorosa. E dos portos às praias, passando por faróis e equipamentos de mergulho, vários outros temas são ainda abordadas na entrevista a esta autoridade e administração marítima de um país que é quase todo ele mar e orla.

O IMP nasce da antiga AMP (Agência Marítima Portuária). O que mudou com esta transição? 

A regulação económica saiu e também a questão das concessões. O que se entendeu foi que o IMP deveria focar-se naquilo que é a regulação técnica do sector. A regulação económica está actualmente na Direcção Nacional de Política do Mar (DNPM), mas em processo de passar para a ARME, Agência Reguladora Multissetorial da Economia, o que acontecerá em breve. Aliás, a regulação económica do transporte marítimo já foi da ARE [Agência de Regulação Económica da qual nasceria a ARME]. Relativamente às concessões, com a extinção da AMP e criação do IMP, criou-se um gabinete que gere essa matéria e que está orgânica do Ministério do Mar. O IMP não faz, pois, a gestão das concessões, mas fiscaliza as concessões e as licenças.

E quanto às actuais atribuições do IMP. Quais destacaria? 

O IMP é a entidade encarregada de aplicar e executar a política do governo para o sector marítimo e portuário, com atribuições fundamentais numa tríplice perspectiva, no domínio de Estado da Bandeira, Estado do Porto e do Estado Costeiro. Os seus Estatutos atribuem-lhe um leque enorme de atribuições, sendo, por isso, uma Instituição com um vasto campo de actuação. É o regulador técnico do sector marítimo e portuário. O seu principal campo de actuação é a garantia da segurança marítima a nível nacional, sobretudo na indústria do transporte marítimo de passageiros e mercadorias. Fazemos também inspecções e vistorias dos navios e embarcações, certificando-os a nível de segurança e certificamos os marítimos nacionais nos termos da Convenção Internacional sobre Normas de Formação, de Certificação e de Serviço de Quartos para os Marítimos (STCW). Temos também a Segurança balnear e fiscalização da orla marítima, numa actuação conjunta com a Polícia Marítima. Enquanto administração marítima portuária, em um território que é 99,3% de mar, uma orla costeira marítima enorme, desafios enormes, o leque é, como disse, um mundo. A prevenção da poluição marinha também é uma atribuição. 

Como é a vossa relação com outros players que actuam no sector?

Enquanto administração marítima, o IMP é uma instituição fundamental para que todas as outras instituições e players do sector funcionem. Digamos que está no centro do sistema composto por instituições, armadores, operadores, marítimos e outros que garantem o funcionamento do sector. As relações são excelentes. Estamos em permanente articulação e cooperação com todas as instituições relevantes, sobretudo com a DNPM, a Polícia Marítima, a ENAPOR, as Câmaras Municipais etc. Este sistema, como acontece com qualquer organização pública de administração marítima, em qualquer Estado, exige muita articulação, comunicação e muita cooperação entre as várias entidades. É um desafio constante, mas as relações institucionais são excelentes, neste momento. 

Foi lançado recentemente o Novo Código Marítimo. O traz para o IMP e suas áreas de actuação?

Para além de novidades, muito do conteúdo do Código de 2010 precisava de ser actualizado. O código anterior inspirou-se em outros códigos e instrumentos internacionais, em que a própria tradução de expressões do inglês para o português não foi muito feliz, e com uma influência importante porque estamos a falar de uma área muito técnica. Portanto, o novo Código Marítimo trouxe uma grande mais valia para o sector marítimo e portuário, tendo contribuído para o aperfeiçoamento e adequação de muitas ferramentas jurídicas que são diariamente utilizadas pelo IMP, enquanto Administração Marítima nacional, com reflexos positivos na qualidade dos serviços prestados aos parceiros e na melhoria do desempenho institucional. Tendo essas ferramentas jurídicas aperfeiçoadas no código para actuar, a administração marítima, no caso o IMP, acaba por sair reforçada, com mais poderes e com mais ferramentas para ser mais ágil no exercício da sua regulação. 

O ministro do Mar disse que este novo código clarificava as vossa funções. A que se referia em concreto? 

De certa forma, clarifica não somente o que são as funções do IMP, mas também aquilo que são as funções de outras entidades. Havia uma certa mistura de conceitos, uma certa sobreposição de competências e, de certa forma, vem fazer o saneamento e clarificar aquilo que são funções, que estavam ambíguas, sobre o papel a recair sobre a administração marítima ou outra instituição.

Já da relação com os players nacionais. E quanto aos players internacionais? 

O IMP já tinha sido AMP, que foi Direcção Geral de Marinha e Portos, portanto, já tem uma história e veio estabelecendo acordos com várias instituições e outras administrações marítimas. Recentemente, demos um grande impulso a essa cooperação internacional. Nos próximos dias vamos assinar um protocolo de cooperação com a marinha mercante de Espanha. Temos já protocolos assinados com as administrações marinhas de Angola e Guiné- Bissau. Temos protocolos com o Instituto Hidrográfico de Portugal, o IMP acolheu e organizou a 17ª Conferência Hidrográfica dos países do Atlântico Oriental, em Setembro do ano passado, em São Vicente, e vai organizar 2ª conferência de Hidrografia da CPLP, já em 2024. Temos vários memorandos de entendimento assinados com as Administrações Marítimas dos Países Baixos, Letónia, Espanha e Reino Unido para o reconhecimento dos certificados dos marítimos nacionais emitidos pelo IMP. Estamos em processo de adesão à OHI (Organização Hidrográfica Internacional). Em 2021, o IMP aderiu à IALA (Associação Internacional de Sinalização Marítima) que é reconhecida pela IMO (Organização Marítima Internacional) como entidade de referência a nível de sinalização marítima. E vários outros contactos são feitos diariamente. Podemos dizer que temos um bom quadro relativamente à cooperação internacional. 

E quanto aos constrangimentos do IMP, entanto instituição. Vi uma notícia em que pedia mais autonomia. 

Estamos a falar de uma área muito técnica que exige quadros com perfil específico, exige uma actuação pronta, fiscalizadora, inspecções, vistorias, deslocações diárias, fiscalização da orla marítima… Exige muito ao regulador e sendo Instituto público, da forma que está prevista a sua natureza jurídica, e prevêem o seus estatutos, fica-se aquém daquilo que devia ser a autonomia administrativa e financeira. Poderia coadunar-se mais com a missão e o cumprimento das atribuições do IMP. Falamos da natureza jurídica de Instituto Público, mas isso não tem necessariamente a ver com o facto de ser um Instituto Público, porque este pode ter mais ou menos autonomia, depende daquilo que for decidido enquanto sua natureza jurídica. Faz todo o sentido que o IMP, enquanto regulador técnico do sector, tenha uma maior autonomia administrativa e financeira. 

Em temos de infra-estruturas, vão ter uma nova sede. Como está o processo? 

O grande desafio vinha sendo conseguir um terreno para construção da sede. Neste momento, já temos a garantia de um terreno dentro da zona de jurisdição portuária de Porto Grande.

Cedido pela ENAPOR? 

Faz sentido que a administração, a autoridade marítima, esteja na orla marítima e o quanto mais próxima do porto, melhor. Aliás, em outras paragens, nas instalações dos grandes portos temos todas as instituições relevantes - polícia marítima, administração marítima, guarda costeira. Dentro da zona de jurisdição portuária, estamos a fazer o levantamento junto da ENAPOR e há a possibilidade de haver até um terreno que possa estar em nome do ministério do Mar. De uma forma ou de outra, dentro da zona de legislação portuária de Porto Grande, iremos então ter o terreno para iniciarmos este projecto de construção da sede do IMP. 

Em termos das outras ilhas, estão bem representados? 

Sim. Temos a capitania dos portos de Sotavento, a capitania dos portos de Barlavento, e delegações marítimas, em todas as ilhas, que acabam por ser uma espécie de unidades de representação das capitanias. Em Santiago, para além da capitania dos portos de Sotavento, em Achada Grande [Praia], temos a delegação marítima de Santiago norte que inauguramos em Maio deste ano, no Tarrafal. Estamos representados em todas as ilhas. 

E como avalia a presente situação em termos de Recursos Humanos e sua formação? Referiu que o vosso trabalho exige bastantes conhecimentos técnicos… 

Em Cabo Verde, houve uma época dourada a nível e formação neste sector. Temos quadros altamente qualificados, nomeadamente o quadro de inspecção que é o core business da instituição. Pessoas que frequentaram formações em Japão, na Rússia, Espanha… Naturalmente que as formações são um desafio constante. Tentamos com os protocolos que temos assinados com as outras administrações marítimas conseguir ir apetrechando o nosso pessoal naquilo que é a parte mais técnica, porque nas formações do restante pessoal, reciclagem e de atribuição de ferramentas para ao trabalho do dia a dia, vamos tendo uma dinâmica muito interessante. Estamos a apetrechar os nossos quadros devidamente, eu diria que não temos grandes problemas a nível de formação de pessoal, mas claro não podemos estar acomodados e temos de almejar sempre mais. Um dos desafios do IMP também é a renovação e aumento do quadro de pessoal. O IMP precisa de muito mais efectivos para poder prosseguir todas as atribuições que lhe são atribuídas. 

As apostas do governo no ensino mais vocacionado para o sector marítimo, têm ajudado a nível dos RH, nomeadamente novas contratações?

No que toca ao mercado do sector temos algumas dificuldades. Há pessoas formadas, até licenciadas, pelo no ISECMAR [Instituto de Engenharias e Ciências do Mar], e temos tido um ritmo de formação de jovens interessante. Temos mais dificuldades é a nível dos cursos modelares, os cursos de aperfeiçoamento que são previstos na convenção STCW, ou seja, os marítimos irem-se aperfeiçoando para poderem-se certificar nas categorias que o regulamento de formação e categoria dos marítimos prevê. Uma das dificuldades que temos tem também a ver com o facto do mercado internacional ser mais apetecível para os jovens, e lá fora há uma grande carência de mão de obra. Cabo Verde, neste momento, é um país que exporta muita mão de obra nesta área. Temos cerca de 4 mil marítimos lá fora. E, sim, vai ficando difícil apetrechar o mercado interno. De qualquer modo, a dinâmica que se está a implementar é muito boa, vamos ter novidades brevemente porque se estão a tomar medidas para que a formação dos marítimos ganhe um novo impulso e, também, ter a Escola do Mar em funcionamento tem contribuído sobremaneira [para essa dinâmica]. Por exemplo, ainda este mês, 16 técnicos do IMP vão iniciar uma formação técnica na Escola do Mar e os nossos inspectores também vão, brevemente, ter acesso a alguns cursos modelares para irem actualizando os conhecimentos. O mercado tem as suas dificuldades e digamos que precisa realmente de um outro impulso, mas está-se a trabalhar nisso e passos que durante 15 ou 20 anos não foram dados, estão agora a ser dados. 

Ao nível específico dos sectores de intervenção, quais considera ser hoje as grandes demandas a segurança marítima? 

Quando estamos a falar de segurança marítima estamos a falar de uma activo que é sempre muito caro e os Recursos Financeiros são sempre um grande desafio para todos os países, sobretudo para um país como Cabo Verde. Eu diria que a demanda é muita e há muito por fazer em Cabo Verde relativamente à segurança marítima, mas também diria que, se olharmos para países até próximos Cabo Verde não está mal. Estamos na lista branca da IMO, e os relatórios que vamos tendo dos organismos internacionais apontam falhas, mas Cabo Verde vai garantindo o mínimo de segurança marítima exigível de acordo com as convenções internacionais. Há, porém, ainda algumas questões estruturantes que eu acho que precisam de uma atenção urgente. Estou a falar da recuperação e operacionalização do GMDSS (Sistema Global de Comunicação Para o Socorro e Segurança Marítima), incluindo o NAVTEX (Sistema Internacional de Telegrafia Para Avisos Urgentes de Navegação e Meteorologia a Navios), bem como do AIS (Sistema de Identificação Automática de Navios). O GMDSS, basicamente, é um sistema de comunicações cujo conceito básico consiste em garantir que as autoridades de busca e salvamento em terra, bem como as demais embarcações nas imediações de um navio em perigo sejam mobilizadas rapidamente quando ocorre um incidente, de modo a que possam auxiliar numa operação coordenada de busca e salvamento. O sistema foi instalado em Cabo Verde em 2006/2007, mas em 2012 deixou de operar, funciona de uma forma muito deficitária. Entretanto, a sua operacionalização está estimada em cerca de 69 mil contos.

Parece ser uma falha grave… 

É uma falha muito importante, sem dúvida, que já vem de longa data. Cabo Verde necessita de olhar para esta questão, que é muito premente. Estamos com uma aposta forte na economia azul, na dinamização da economia marítima, construção do terminal de cruzeiros e outras apostas no sector e, naturalmente, este é um aspecto que precisa de ser visto se queremos um futuro com maior segurança marítima.

A nível da segurança marítima o que é mais desafiante? 

Naturalmente, a indústria de transporte marítimo de passageiros e cargas exige mais. São navios com uma outra envergadura, as exigências internacionais a nível das convenções também são maiores e há muitas vezes uma certa dificuldade dos armadores conseguirem responder a todas essas exigências de segurança. É normal, estamos inseridos no mercado que temos e temos limitações muitas vezes a nível de financiamento e condições pois é uma indústria muito cara. E esses navios consigo um maior risco, uma maior probabilidade de pôr em causa a segurança marítima tendo em conta que transportam passageiros. Estamos a falar de navios que transportam 400 passageiros, a atenção tem que ser redobrada. 

Ainda dentro dessa segurança marítima, que avaliação faz da evolução do país desde 2015 – na altura ainda era a AMP - data do último grande naufrágio [navio Vicente]?

Evoluímos muito. Aliás, se olharmos para as ocorrências, acidentes e incidentes marítimos, de 2015 para esta data há uma diferença abismal. Cabo Verde teve um gap temporal de 2, 3 ou 4 anos, em que houve uma data de ocorrências, mas de lá para cá aumentou-se os parâmetros de exigência, a nível de segurança, e Cabo Verde iniciou um trabalho de adequação também da sua legislação interna relativamente às exigências das convenções internacionais. Pode-se constatar, pelo trabalho que é feito diariamente, que as inspecções passaram a ser mais rigorosas. Tivemos uma evolução brutal mesmo, parece que todo o sistema, todo o sector estava relativamente acomodado. 

E acordou .. 

Muitas vezes só se acorda quando acontece o pior. Infelizmente, é esse o caso.

E quanto aos portos, qual o papel do IMP nesta área? E quais os grandes desafios? 

O IMP enquanto regulador técnico tem também atribuições no domínio portuários: a certificação dos Portos Nacionais nos termos do Código Internacional para a Proteção de Navios e Instalações Portuárias (Código ISPS); fiscalização do serviço de pilotagem (o IMP certifica todos os marítimos que prestam o serviço de pilotagem na ENAPOR) e supervisionar e assegurar o cumprimento das normas nacionais e internacionais relativas à prestação dos serviços portuários. Há dois desafios a apontar. Um que é conclusão do processo de certificação dos portos nacionais. Está em andamento e contamos ainda este ano, no máximo no inicio do próximo ano, ter os três principais portos - Porto grande, porto da Praia, e o porto da Palmeira no Sal - certificados de acordo com o Código ISPS. Um outro desafio, é o de efectivar o cumprimento das atribuições do IMP no domínio portuário. Isso deriva, em parte, da falta de técnicos. O IMP tem 67 trabalhadores, no total, mas carece de mais efectivos para cumprir cabalmente as suas atribuições nesse domínio. 

E como avalia a qualidade dos portos de Cabo Verde? 

Na minha opinião, temos infra-estruturas bastante boas a nível dos portos. 

A última requalificação foi a do porto do Maio e muitas vezes os navios nem conseguem atracar… É, eventualmente, uma má localização?

As avaliações não devem ser assim feitas. Para a construção de um porto há medições, há estudos rigorosíssimos e nunca poderia ser construído um porto numa zona que não fosse adequada. São portos com financiamento internacional, portanto todas as etapas, todos os estudos são definidos internacionalmente. Coisa diferente é dizer que o que foi feito durante alguns anos, em termos de estudo, pode estar a apresentar dados em que se possa ter que aperfeiçoar alguma medida, mas dizer que não é uma zona para construir um porto é uma afirmação sem base científica. A questão do porto do Maio tem a ver com o facto de terem tido um ou outro incidente, mas nos portos novos, com as ondulações, o movimento das águas, muitas vezes há a questão dos navios e dos próprios marítimos se irem adaptando às condições do próprio porto. 

E os navios que usados em Cabo Verde são adaptados para as suas águas?

Se não estivessem adaptados não seriam certificados pelo IMP. Todos os navios que estão a navegar estão certificados pelo IMP e, portanto, aptos. Às vezes pode haver alguma limitação a nível da operação, tendo em conta as características de alguns navios, mas se não reunir condições para estar nas nossas águas não pode navegar. São certificados e podem operar mas dentro de alguns condicionalismos.

Passando a outro tópico: a certificação de marítimos. Somos exportadores de mão de obra, mas não é de hoje. A certificação sempre foi feita. O que mudou? 

Qualquer marítimo para laborar em Cabo Verde ou lá fora tem de estar devidamente certificado pela administração marítima nacional, de acordo com as regras da convenção FTCW. Isto é uma coisa. Outra coisa é os certificados serem efectivamente reconhecidos por outras administrações marítimas. O trabalho tem sido feito a esse nível e o que acontece quando nos assinamos esses memorandos de entendimento, é que esses certificados passam a valer para essas administrações marítimas, como os certificados que são passados por elas próprias. É um grande ganho.

Também temos cada vez mais, ou queremos, ter um turismo ligado ao sector: cruzeiros, turismo náutico, pesca desportiva. Como o IMP está alinhado com esta visão?

Tem sido um sector que se tem desenvolvido a um ritmo interessante e temos acompanhado, porque o IMP faz a vistoria e a certificação das embarcações que se dedicam a esse tipo de actividades. E certifica, por exemplo os equipamentos de mergulho. A legislação é relativamente recente e traz essa redacção. Enfim, tudo o que diz respeito a questões técnicas de segurança, recai sobre a administração marítima. 

Mas há um mercado ainda muito informal nesse campo … 

É algo que cai sobre o IMP mas cuja efectivação não é nada fácil tendo em conta que é um mercado muito informal, sim, o que torna muito complicada a fiscalização. Em relação, por exemplo, a embarcações de boca aberta como os botes também não é fácil fazer a fiscalização da construção. Esta tem de ser feita por empresas licenciadas pelo IMP e se São Vicente é uma ilha relativamente fácil de controlar, quando falamos na ilha de Santiago, por exemplo, com o território que tem, não é fácil. Vamos fazendo o nosso trabalho, estando presentes, criamos por exemplo a delegação em Santiago Norte, precisamente para dar uma atenção especial a essa zona do nosso território w estamos sempre a colaborar com a Polícia Marítima que é fundamental - porque o IMP faz a fiscalização mas não tem força, quem tem a força para impor é a polícia marítima. 

E que outros desafios em relação ao turismo náutico?

Relativamente ao turismo náutico, o IMP não licencia as actividades marítimas turísticas, é o instituto do Turismo, mas faz, por exemplo a certificação das motos de água. Faz também o balizamento das Praias balneares, que é a delimitação das zonas onde as pessoas podem banhar-se e dos corredores onde entram as motos de água ou outros equipamentos para a prática deste tipo de actividades. Portanto, o IMP garante a segurança das praias e que o turismo náutico e a prossecução dessas actividades seja compatível com a garantia da segurança marítima e balnear. No turismo náutico há, entretanto, um desafio muito premente é a questão da criação de infra-estruturas de apoio a essas actividades náuticas, nomeadamente condições mais adequadas para o abrigo dessas embarcações e acolhimento das suas tripulações. É importante, porque estamos a verificar que há uma cada vez maior proliferação de, por exemplo, motos de água e outro tipo de engenhos ou equipamentos. Não falo do turismo de cruzeiro que é algo relativamente pacífico [a nível do IMP], mas essas actividades na água preocupam-nos e vão trazendo problemas para os quais nos ainda não estamos preparados e temos de estar.

Mas todas as praias já têm as zonas limitadas para as actividades? 

As principais praias balneares, sim. Na Lajinha, em SV, foi feito recentemente o balizamento, que é a colocação de bóias, a criação de corredores criados para essas actividades. O grande desafio prende-se com o facto das pessoas irem retirando as bóias. Vamos repondo na medida do possível… No Tarrafal de Santiago recentemente também fizemos um trabalho que ficou muito bem conseguido. Portanto as praias balneares que são iminentemente balneares são a prioridade relativamente ao balizamento. 

No que toca ao mergulho, e saindo do turismo, vemos amiúde casos de mergulhadores que vão “pescar” e têm complicações, inclusive há casos de morte. Como é que o IMP lida com esta problemática?

Como disse a legislação é relativamente recente, e traz essa incumbência da administração marítima fazer a certificação desses equipamentos, mas aqui o fenómeno é complexo porque há muita informalidade. É um fenómeno de controlo relativamente complicado e que terá mais a ver com a aposta forte que o IMP está a fazer, neste momento, na prevenção, na pedagogia e na sensibilização das pessoas. Por exemplo, como controlar, em Tarrafal de Monte Trigo em Santo Antão, as pessoas que estão a mergulhar e os equipamentos que estão a utilizar? 

É um desafio complexo, mas é algo de que a autoridade marítima, a administração, não pode não se imiscuir por que é das suas responsabilidades. Tem que intervir cada vez mais, mas essa aposta na educação das pessoas é a meu ver a única via para se conseguir ganhos a médio e a longo prazo. Do mesmo modo, também temos os banhistas que vão às praias de mar, consomem álcool nas imediações das praias, fazem caracas… Estamos, pois, a apostar forte nesta vertente da comunicação, vamos ter dentro de pouco tempo uma rubrica sobretudo nas rádios comunitárias com o objectivo de trazer temas da segurança marítima e naturalmente que irá chegar a vez da questão dos mergulhos. Apostar na prevenção, e não na reacção é uma aposta que veio para ficar com este conselho porque entendemos que é a melhor via para se mitigar estar questões. Nunca vamos conseguir estar sempre em cima dos acontecimentos e reagir a tempo. 

Além dessas áreas, desempenham também um papel a nível do ambiente e prevenção poluição marítima. Como isto encaixa com as outras áreas de actuação?

No início da nossa conversa eu disse que o IMP tem um mundo de atribuições. Esta área também faz parte, tentamos assegurar o cumprimento das normas nacionais e internacionais relativamente à protecção do meio ambiente marinho e colaborar com as outas entidades que são muito importantes nessa questão. Mais uma vez tenho de mencionar a Política Marítima. A direcção Nacional do Ambiente e as CM também são muito importantes. Este esforço de articular sempre com as outras entidades e fiscalizar a orla marítima é feito através das capitanias dos portos e, neste aspecto, também as delegações marítimas têm uma grande importância. Quando temos situações como o acidente de um navio com material poluente a primeira entidade que é chamada é o IMP… É um processo coordenado do inicio até ao fim pelo IMP enquanto administração e autoridade marítima. Não temos a força armada, mas a polícia marítima é um braço direito do IMP e temos estado constantemente em articulação. Aliás, temos um protocolo recentemente assinado com a Polícia Marítima e um dos objectivos, que já estamos a processar, é voltar a introduzir um mecanismo de cobrança das taxas pelos serviços prestados pela Polícia Marítima e transferir os montantes. Está previsto no regulamento tarifário do IMP, que é uma espécie de intermediário. 

Mas vão passar agora uma taxa para a polícia marítima? 

A taxa existe, a previsão legal existe, o que aconteceu foi que com a saída da Polícia Marítima em 2005 da capitania dos portos para integrar a Polícia Nacional houve uma altura em que se deixou de proceder a essa cobrança por uma questão meramente administrativa. Neste momento estamos em processo de recuperar essa cobrança porque prestam esse serviço e a lei prevê emolumentos para o mesmo. 

Assinaram recentemente um protocolo com o IPC, relativo aos faróis. Que papel têm neste património? 

Tratamos da parte funcionalidade. Os faróis, para o IMP, são, antes de tudo, instrumentos de ajuda à navegação, e são muito importantes para a segurança marítima, sobretudo para os botes dos pescadores que ainda são uma grande franja aqui em Cabo Verde. Mas os faróis, os históricos, podem e devem acasalar a funcionalidade com a função cultural. São pontos de atracção turística, com valor enquanto património cultural, histórico e cultural e o protocolo assinado com o IPC vai nesse sentido de se montar este projecto, financiado pela cooperação espanhola, em que se consegue conciliar as duas vertentes. 

Os históricos estão todos a funcionar?

Sim. Mas temos um grande problema que é o vandalismo, e isto tem a ver com a nossa campanha de sensibilização para a valorização dos faróis. Este protocolo também tem esse objectivo. A reabilitação, reconversão, torná-los pontos de atracção turística, com a frequência de pessoas, com o arranjo dos acesos e a iluminação, tudo isto vai trazer uma maior segurança para não serem vandalizado. Ainda recentemente rebentaram as fechaduras do farol do ilhéu dos Pássaros, o farol Dom Luís. Entretanto, chegado o Verão temos o recorrente problema da segurança nas praias. 

Como é feita a gestão, vigilância e afins das praias? 

É partilhada entre o IMP, as CM e a Polícia Marítima. Os nadadores salvadores são trabalhadores das CM, e são formados pelo IMP. Desde 2022 formamos 159 nadadores salvadores a nível nacional. O IMP também disponibiliza os equipamentos que os nadadores salvadores precisam para o exercício da actividade. E posso avançar que dentro de um ou duas semanas, teremos novas torres de nadadores salvadores em Quebra Canela e Prainha.

Para terminar, quais que vão ser os futuros grandes temas na regulação e fiscalização do sector, no seu entender? 

Isto liga-se àquilo que foi o início da nossa conversa, o modelo existente. Neste momento, há uma separação da regulação económica e a regulação técnica. Há uma tendência internacional para juntar as duas regulações. Cabo Verde não tem de, necessariamente, juntar as duas regulações, mas é preciso definir. Temos também o modelo de uma administração marítima que é autoridade ao mesmo tempo, mas é preciso clarificar a seu tempo se este modelo da administração / autoridade é o que desejamos ou se pretendemos uma autoridade marítima que não se confunda com a administração marítima. Por exemplo, que tenha um braço armado como acontece em Portugal. Uma questão que também acho premente é a criação de outras instituições, por exemplo, no domínio da cartografia e hidrografia – atribuições que o IMP tem. E também a Clarificação do quadro regulatório e do papel e área de intervenção dos vários players (CM, Polícia Marítima, Guarda Costeira, IMP, Zona Económica Especial Marítima...). São questões para o futuro que convém estarem esclarecidas a breve trecho.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1132 de 9 de Agosto de 2023.

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Autoria:Sara Almeida,12 ago 2023 9:23

Editado porSara Almeida  em  28 abr 2024 23:28

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