Compreendendo a realidade da criminalidade entre jovens

PorSheilla Ribeiro,17 set 2023 14:01

Nos becos e ruas movimentados da cidade da Praia, um fenómeno tem preocupado autoridades e comunidades locais, ganhando cada vez mais destaque: a crescente participação dos jovens na criminalidade. Nesta reportagem vamos explorar as raízes desse problema que afecta a capital, buscando entender os factores que levam os jovens a entrarem no mundo do crime e as possíveis soluções para reverter essa “tendência preocupante”. Trouxemos relatos de pessoas que vivem esta situação e suas consequências, assim como especialistas e instituições que trabalham a problemática.

A percepção, pelos relatos que vêm surgindo, é que é cada vez mais comum a presença de crianças e adolescentes no mundo do crime. Aliás, em Fevereiro deste ano, o pastor da Igreja Nazarena, mentor do projecto “Ami ê di Paz y bó?”, Licínio Melo, alertou para o aumento da criminalidade juvenil ao revelar que 70% dos crimes participados em 2021 terão sido praticados por 204 menores, dos quais 30 suspeitos com menos de 12 anos.

Em Ponta d’Água, um bairro que nos últimos meses tem estado sob os holofotes, tendo este ano registado já dois casos de homicídio, o Expresso das Ilhas encontrou, junto de um grupo de amigos, o adolesceste Domi, nome que deu a si próprio e pelo qual disse preferir ser chamado.

Da sua boca saiu a frase: “Nha amiga, ranja-m moeda nu ranja kuza bafa” (minha amiga, arranje-me uma moeda para irmos comer – em português). À primeira vista, o rapaz aparenta ter no máximo 10 anos de idade, entretanto, conforme revela, tem 15.

Na mão esquerda tem uma grande tatuagem que chama atenção, não apenas pelo tamanho, mas por se tratar de um desenho que parece ter sido feito por uma criança. Para falar com o Expresso das Ilhas afasta-se dos amigos, alguns já homens feitos. Conforme relata, estuda o 8º ano, desta vez, pelo terceiro ano consecutivo.

“Não é que eu não queira estudar, os meus amigos não me deixam. Vão sempre à minha sala e insistem para que eu saia e então eu saio e vamos sentar no pátio ou andamos pela Calabaceira (zona onde fica a escola)”, conta.

Nas ruas de Calabaceira, Domi e os amigos fazem de tudo. Às vezes contam piadas, jogam bola, ou, como diz, experimentam coisas novas. Conforme afirma, beber não bebe, mas já fumou cigarro e “padjinha” (canábis) com os amigos. “Mas não é um vício”, garante.

Nas férias, contou, esteve o tempo todo com os amigos e arranjou muitos conflitos, às vezes até com pessoas mais velhas e, outras vezes, com adolescentes de sua idade.

“A minha mãe vai trabalhar muito cedo, passa o dia todo no mercado. Às vezes, por causa das confusões que eu me meto, ela tem de acompanhar-me à esquadra, mas ela não é muito de bater ou chamar atenção”, descreve.

Na rua, fica o mais tardar até às 23h00, dependendo do “movimento” e do que os amigos querem fazer. Amigos que também lhe fizeram a tatuagem.

“Essa tatuagem fiz em homenagem ao meu primo Cadu. Foi morto à facada em Calabaceira no dia de Ano Novo. Tinha 19 anos na altura”, explica, dando por finda a entrevista porque tem de ir ter com os amigos antes que o chamem de “chibo”, ou seja, aquele que trai o grupo.

Mãe relata trauma após perder filho devido à rivalidade de grupos

Em Castelão, bairro que fica entre Ponta d’Água e Paiol, encontramos Bubuca, cujo filho, de apenas 21 anos, foi baleado há pouco mais de nove meses. “Quando o meu Rito foi baleado tinha 21 anos, um dia antes de completar 22 anos de idade”, começa por contar.

Segundo relata, naquele fatídico dia, 09 de Novembro de 2022, Rito ia buscar a filha que vive em Vila Nova para poderem passar o seu aniversário juntos.

Para chegar a Vila Nova teve de passar por Ponta d’Água, num lugar conhecido por Bagdá. Rito nunca chegou ao seu destino. Recebeu um único tiro e ficou internado, em estado crítico, durante cinco dias, até acontecer o pior.

“Há uns meses entrei no Facebook do meu filho e, pelo que pude ler nas mensagens que trocava com um amigo, a mesma pessoa que o matou já tinha atirado nele uns dias antes. Esse tiro acertou-lhe na perna e ele levou quatro pontos. Na altura, perguntei e ele garantiu que o tiro era para uma outra pessoa e que lhe acertou por acaso”, narra.

Bubuca relata que sempre dizia ao filho que se algo de grave acontecesse que ele não contasse com ela para resolver, já que era uma escolha dele.

No dia em que foi baleado pela primeira vez, Rito saiu de casa por volta das 18h00. Passado meia hora, os amigos foram bater à porta de Bubuca para buscar o bilhete de identidade para o levar ao Hospital.

“Não dei o BI porque eu não o tinha mandado para para aquele lugar. Quando o meu filho saiu do Hospital, conversei com ele e ele garantiu-me que o tiro não era para ele”, conta.

O suposto assassino está preso e no próximo dia 18 será julgado. Os familiares querem que Bubuca assista ao julgamento, mas esta diz que não consegue.

“Não conheço a sua cara e nem sei se tenho estômago para isso. Só de pensar em estar no mesmo ambiente que ele o meu corpo estremece todo e sinto muitos arrepios”, admite.

Lidar com a perda do filho é um “tormento” para Bubuca que assistiu a todo o sofrimento do filho nos dias em que esteve internado. Razão pela qual hoje recebe ajuda psicológica para “tentar levar a vida”.

“Tanto não consigo esquecer que há dias que não consigo dormir, ainda não consegui desfazer-me dos seus pertences. Transformei o seu quarto em cozinha, mas ainda assim, cada vez que entro naquele cómodo vejo o meu filho por todos os lados”, descreve emocionada.

O dia-a-dia e o fim

Rito nunca foi de muita conversa em casa. Se tivesse algum problema, alguma preocupação nunca se abria com a mãe.

“Falava com as pessoas fora de casa, abria-se com elas, mas não comigo. Nem sequer comia sentado na mesa comigo, ele era muito fechado comigo. Depois de morrer, muitas pessoas que me vieram visitar disseram que o meu filho era muito alegre e brincalhão. Eu sei que ele era brincalhão com os seus irmãos, mas nunca comigo. Sempre foi assim desde pequeno. Quando eu reclamava com a minha mãe, ela dizia que depois crescido ele ia mudar, mas não mudou”, lembra.

Se estivessem os dois em casa, parecia que a mãe estava sozinha, porque o filho não conversava.

Bubuca conta que sempre faz questão de mostrar aos filhos que podem contar com ela para o que for. Os dois mais novos, disse, sempre conversaram e partilharam as suas preocupações, experiências e gostos. Menos o mais velho.

“Muitas pessoas ficaram espantadas com o ocorrido porque ele não era de conversa e muitas, em Castelão, não sabiam que era meu filho, até porque ele frequentava mais Ponta d’Água. Imagine receber a notícia de que alguém que não é de muita conversa foi baleado, todos se admiraram”, observa.

Bubuca reconhece que não conhecia os amigos do filho, que nunca os levou a casa. Pelo menos não na sua presença.

“Eu não os conhecia e nem sequer posso dizer que tipo de pessoas eram suas amigas. Eu não sabia quase nada do meu filho, não podia e não posso abrir a boca para dizer que o meu filho era isto ou aquilo. Falo o que sei. Muitas pessoas alertavam-me que o meu filho estava com um comportamento desviante, que andava em más companhias e que assaltava as pessoas, mas eu sempre respondia que se ele realmente fazia aquilo ele não me deixava saber”, justifica.

A mãe conta que chegou a abordar o filho para saber se afinal tinha ou não um comportamento desviante, mas que este respondeu: “Eu imagino a senhora que sai de casa antes das 06h00 para ir trabalhar. Se algo do tipo lhe acontecesse não me sentiria bem, portanto não posso fazer aos outros a mesma coisa”.

“Não sei se a sua resposta era para me agradar ou só para desviar a atenção. Mas, nunca ninguém veio aqui a casa dizer que foi vítima de caçu body perpetrado por meu filho”, defende.

Entretanto, Bubuca conta que o filho chegou a ser detido uma vez, em flagrante delito, por posse de arma, mais precisamente, Boca Bedju. Todavia, o filho justificou que a arma pertencia a um amigo que lha passou no exacto momento em que a Polícia fazia uma ronda. Chegou a ser apresentado, no mesmo dia, ao Tribunal, mas saiu em liberdade.

“Eu não sei se o meu filho dava caçu body mas sei que ele fumava, eu flagrei-o. Eu ouvia dizer e sempre que perguntava ele negava. Até que um dia resolvi segui-lo e flagrei-o a fumar, já não tinha como negar”, recorda, acrescentando que sai de casa muito cedo e regressa apenas no final do dia. Rito, por ser o mais velho, era quem tomava conta dos irmãos.

“Sempre dizem que a mãe sente quando algo está por vir. Duas semanas antes dele ser baleado sentia muita fraqueza, até comentava com a minha família que qualquer dia eu ia morrer. Mas, eles não me levavam a sério. Mas além da fraqueza, sonhava muito com o meu filho. Inclusive, na última vez, cheguei a sonhar que ele tinha sido baleado”.

“Cheguei ao trabalho e contei à minha colega, depois contei às minhas irmãs porque a sabedoria popular diz que quando contamos um sonho ruim, se estiver para acontecer já não acontece. Mas, no meu caso aconteceu”, lamenta.

Hoje, a recordação mais feliz dessa mãe é, porém, precisamente o dia 09 de Novembro. O dia em que o seu filho saiu de casa para nunca mais voltar.

“Eu regressava a casa e ele estava de saída. Disse-lhe que precisávamos conversar, ele voltou comigo, trocou os chinelos pelas sapatilhas e pediu-me para esperar porque ia buscar a filha”, detalha.

Bubuca sugeriu ao filho que ficasse em casa e que ela própria ia buscar a neta. Ainda assim, o filho argumentou que a mãe devia descansar e que ele seria rápido.

“O meu filho disse que ia buscar a filha para que no dia seguinte pudéssemos ir comer um gelado e passar um dia em família. Nisso, eu brinquei e respondi: não tens dinheiro nem para comer em casa e tens dinheiro para comer gelado, rimos e depois ele saiu”.

“Nós não tínhamos o hábito de brincar um com ou outro, então o facto de ele ter dito que íamos passar o dia em família e ainda rir de uma brincadeira que eu fiz torna aquele momento uma recordação feliz. Agora pensando, digo que aquilo foi uma despedida”, conclui.

Factores que contribuem para delinquência juvenil

Ao Expresso das Ilhas, Nilson Mendes, psicólogo experiente em lidar com adolescentes envolvidos em actividades criminosas, partilha a sua visão sobre os factores subjacentes que levam à delinquência juvenil e enfatiza a importância de políticas públicas e do empoderamento familiar para combater esse fenómeno social.

“Quando discutimos os factores que estão na raiz da delinquência urbana ou juvenil, é fundamental considerar, em primeiro lugar, os factores individuais, tais como problemas emocionais, baixa auto-estima e dificuldades no controlo das emoções”, aponta.

Por outro lado, o psicólogo diz que é preciso analisar os factores sociais que vão além do núcleo familiar e se estendem ao ambiente do bairro e às características urbanas.

“Adicionalmente, não podemos subestimar os factores educacionais, incluindo o insucesso escolar e o abandono escolar, que muitas vezes estão relacionados com a falta de acesso à educação”, explica.

Segundo destaca Mendes, a complexidade dos desafios que muitas famílias enfrentam, como monoparentalidade, problemas familiares e presença de violência doméstica, podem dificultar o acesso dos jovens à assistência educacional adequada.

Nesse sentido, salienta que esses factores estão frequentemente ligados à delinquência urbana e ao envolvimento em grupos de pares problemáticos.

O especialista enfatiza que as crianças envolvidas no mundo criminal muitas vezes são vítimas dos males sociais, tornando o trabalho com elas um desafio significativo.

Conforme afirma, as políticas inclusivas, como o acesso à educação e à formação, desempenham um papel crucial na prevenção da delinquência juvenil.

“Para enfrentar a criminalidade juvenil de forma eficaz, é imperativo desenvolver políticas públicas bem elaboradas, como a implementação da escolaridade mínima obrigatória e a promoção do acesso gratuito à educação, que já temos. Além disso, é essencial fortalecer as famílias, capacitando-as para assumirem um papel mais activo e responsável na educação dos seus filhos”, considera.

Nilson Mendes também observa que a falta de infra-estruturas adequadas nos bairros para ocupar o tempo dos jovens após a escola pode contribuir para o aumento da criminalidade.

Também ressalta a importância do diálogo e do monitoramento por parte dos pais em relação às actividades dos seus filhos, especialmente quando há sinais de mentiras compulsivas e isolamento.

“É crucial estabelecer um canal de comunicação aberto com os filhos, criar regras em casa que promovam a disciplina e a responsabilidade, bem como acompanhar de perto as suas actividades. O relacionamento familiar desempenha um papel fundamental na prevenção da delinquência juvenil”, conclui.

“Falta de eficácia nos programas de prevenção e intervenção deve-se à abordagem de políticas de projectos”

Em declarações ao Expresso das Ilhas, o sociólogo Redy Wilson considera que a questão do envolvimento no crime é muito mais complexa do que se poderia imaginar. Numa análise, Wilson frisa que não existem factores isolados, mas sim uma intrincada combinação de elementos estruturais.

Nesse sentido, o sociólogo identifica três categorias principais de factores que contribuem para a criminalidade. No primeiro factor, menciona as desigualdades sociais, o empobrecimento, a segregação no acesso às oportunidades, a inflação das expectativas entre a juventude e questões familiares complexas como elementos-chave.

No segundo factor, o sociólogo cita a influência da hipermasculinidade, a densidade urbana, o narcotráfico, a presença de outros tipos de tráficos, a influência dos media globais e o sentimento de impunidade como precedentes que alimentam a criminalidade.

Em terceiro lugar, inclui o consumo excessivo de álcool e outras drogas, bem como a disponibilidade de armas de fogo, como elementos que contribuem para o cenário criminoso.

Na opinião do sociólogo, a associação da desestruturação familiar à criminalidade é uma visão errónea e os dados mostram que hoje há mais famílias nucleares no país do que no passado.

“O que acontece e, aí sim, podemos relacionar a questão familiar com a delinquência é a socialização da violência na família, quer tenha no seu seio pai e mãe ou apenas a mãe. Somos uma sociedade que cria machos em vez de homens e, isso sim, é um problema. Depois há a questão da falta de diálogo na família e de negligência em termos de cuidados. São questões transversais à classe”.

“Há, no entanto, uma realidade dos próprios pais terem dificuldades em impor aos filhos e uma confusão preocupante entre uma educação mais severa, mas sem violência, com a violação dos direitos das crianças”, explica.

Redy Wilson salienta que não existe um único padrão de comportamento criminoso e que os jovens podem envolver-se em diversas actividades criminosas, influenciados pela socialização da violência, pela necessidade de afirmação social e pessoal, e pelas desigualdades sociais.

Quando se trata de programas de prevenção e intervenção, o sociólogo aponta que a falta de institucionalização e a natureza pontual desses esforços têm limitado a sua eficácia ao longo dos anos.

Assim, sublinha a necessidade de políticas públicas consistentes e de longo prazo para enfrentar a criminalidade juvenil em Cabo Verde.

Wilson também comenta sobre a representação da criminalidade nos media, observando que, embora a comunicação social amplifique os casos de envolvimento de jovens no crime, a criminalidade em Cabo Verde não é exclusivamente um problema juvenil.

O sociólogo frisa que os jovens são uma das populações mais vulneráveis e que a criminalidade afecta todas as faixas etárias e classes sociais.

De igual modo, menciona que crimes de colarinho branco, predominantemente cometidos por adultos de classe privilegiada, desempenham um papel significativo na criminalidade do país.

Em termos geográficos, Wilson elucida que a alta incidência de crimes na cidade da Praia deve-se principalmente à sua concentração populacional e que não há uma tendência natural dos santiaguenses para o crime.

Nesse sentido, identificou os bairros de Palmarejo e Achada Santo António como áreas com maior ocorrência de crimes, devido à densidade populacional e à concentração de bens.

Contudo, o sociólogo ressalta que em outros bairros da capital há uma maior desconfiança da Polícia e do Sistema Judicial, juntamente com uma maior resistência em denunciar crimes.

Prevenção ao invés de combate

O jurista João Santos lança um apelo para a mudança de abordagem na questão da criminalidade juvenil em Cabo Verde, instando à prevenção ao invés do combate directo. Ou seja, o problema da delinquência juvenil deve ser considerado como uma questão a ser evitada, ao invés de combatida.

A exclusão social, no seu ponto de vista, é uma causa fundamental desse problema e, nesse sentido, salienta a necessidade de abordar as questões sociais que o rodeiam.

Santos observa que a criminalidade juvenil é um desafio comum que envolve várias partes interessadas, incluindo juízes, assistentes sociais, educadores, psicólogos, pais e a sociedade em geral.

Para o jurista é importante envolver todas as partes interessadas no processo de prevenção e aproveitar os conhecimentos e experiências de cada um para criar uma abordagem mais eficaz.

João Santos acredita que a fragilidade familiar, o desafecto e a falta de educação integral são factores que podem levar os jovens ao mundo da delinquência e argumenta que a educação deve ser abrangente e incluir não apenas habilidades académicas, mas também valores morais.

“Por outro lado, temos que também oferecer às crianças projectos culturais, desportivos, de modo que elas possam ver os seus vínculos sociais e afectivos reforçados. Porque a questão fundamental que se coloca entre nós é que temos muitas leis, instituições como ICCA, mas, o importante é fazer transpor essas leis para a realidade”, afirma.

“Se temos programas, se temos leis, e não avaliamos os fracassos das leis para potenciá-las, então a eficácia é reduzida, para não dizer inexistente”, alerta.

João Santos insta as autoridades a seguir de perto os jovens que ingressam no mundo da delinquência e a adoptar uma abordagem individualizada para garantir um acompanhamento eficaz.

“A raiz do problema reside nas famílias” – ICCA

De acordo com a presidente do Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente (ICCA), o maior desafio com os adolescentes está nas próprias famílias, onde muitas mães estão ausentes de casa e têm pouco controle sobre os seus filhos.

A falta de limites para essas crianças e adolescentes, que muitas vezes passam a maior parte do dia na rua, enquanto as suas mães não sabem onde estão, são algumas causas destacadas por esta responsável.

“É verdade que o maior problema com os adolescentes está na família”, diz Maria Medina Silva. “O problema é a educação, é a família, é o consumo de substâncias ilícitas, é a pobreza, é a baixa escolaridade”, enumera.

A presidente do ICCA também reconhece que o Governo implementou várias políticas para abordar essa problemática, incluindo a oferta de educação gratuita e obrigatória até o 8.º ano.

Além disso, prossegue, o Governo instituiu o Rendimento Social de Inclusão (RSI) para famílias com crianças menores de 15 anos, com o objectivo de permitir que essas famílias dediquem mais tempo ao cuidado dos seus filhos.

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Quanto ao ICCA, explica que tem centros de dia em todos os concelhos, excepto na Brava, que funcionam das 08h00 às 16h00, oferecendo alimentação, orientação educacional e actividades recreativas para as crianças.

No entanto, reconhece que, às vezes, as crianças preferem permanecer nas ruas, e a instituição actua prontamente quando são denunciadas situações de crianças em risco.

A presidente do ICCA realça a importância da família no processo de reabilitação e prevenção e destaca que muitas famílias enfrentam desafios, incluindo problemas de saúde mental e abuso de substâncias, que afectam os seus filhos.

A necessidade de limites e a responsabilidade por parte dos pais, são fundamentais, segundo defende.

“Os pais é que devem apoiar mais esses filhos. Temos de fazer com que as crianças vejam que têm limites, a criança tem de ter limite”, assevera.

Consciencializar a população sobre o problema da criminalidade juvenil, especialmente no que diz respeito a dar dinheiro a crianças nas ruas é relevante. Aliás, Maria Medina Silva alerta que isso pode perpetuar o ciclo da rua e do crime.

Silva conclui observando que as crianças que permanecem nas ruas e não recebem uma educação adequada têm maior probabilidade de enfrentar dificuldades no futuro, incluindo o envolvimento em actividades criminosas.

“Crianças na rua, no futuro, provavelmente vão para a cadeia porque têm baixa escolaridade “, adverte.

“Pais dos adolescentes com comportamentos desviantes não são presentes”

Voltamos a Ponta d’Água. Desta vez para falar com o professor da escola básica do bairro, Ermelindo Mendes que trabalha com alunos do 6º ano e fala sobre os obstáculos enfrentados por muitos jovens entre os 10 e os 12 anos daquela zona.

O professor revela que, embora a taxa de desistência escolar na sua classe não seja alarmante, já verifica um preocupante aumento na influência de factores sociais sobre os seus alunos.

Mendes explica que esses factores incluem a pressão exercida por grupos de adolescentes à espera dos alunos no caminho para a escola, bem como o envolvimento de alguns estudantes em grupos de delinquentes.

“No ano passado tive mais de um aluno que desistiu de estudar e hoje estão inseridos nesses grupos. São alunos da comunidade de Ponta d’Água e agora lideram esses grupos. Há outros que desistirem porque eram ameaçados por grupos que esperavam nos arredores da escola”, narra.

“Embora não tenham causado muitos problemas na minha disciplina, outros professores queixam-se do comportamento disruptivo desses alunos nas suas salas de aula”, continua.

Mendes também expressa preocupação com a falta de envolvimento dos pais ou encarregados de educação dos alunos problemáticos.

Segundo conta, quando chamados pela escola, muitos pais não comparecem ou mostram desinteresse pela educação dos seus filhos.

“Os pais desses alunos com comportamentos desviantes não são presentes, pelo menos na escola. Eles não procuram saber o que os filhos fazem ou deixam de fazer, se assistem ou não às aulas”, lamenta.

Este docente afirma que esforços são feitos para dialogar com esses alunos, oferecendo conselhos e orientações para os ajudar a superar os seus desafios. No entanto, reconhece que a influência negativa do ambiente em que vivem muitas vezes prevalece sobre os seus esforços.

“Os professores fazem a sua parte, mostram que o que fazem não é um comportamento correcto e tentam mostrar as desvantagens dessa vida”, diz. “Mas, a sociedade é bastante complicada”.

Do ponto de vista de Mendes, a educação não pode ser eficaz apenas na escola e a ausência de presença e acompanhamento dos pais é uma barreira significativa para o sucesso educacional dessas crianças.

Movimento “Força Jovem” leva ajuda e esperança à juventude

Se o Governo e as escolas fazem a sua parte, o que dizer da sociedade? Para responder a essa questão o Expresso das Ilhas procurou o movimento “Força Jovem” que está a demonstrar que, através da educação, apoio e orientação, é possível fazer a diferença na vida dos jovens cabo-verdianos, capacitando-os para um futuro mais saudável e promissor.

Segundo o responsável, Hélder Gomes, o movimento está a causar um impacto significativo na vida dos jovens cabo-verdianos, de todo o país, ao lançar uma série de projectos voltados para a melhoria do bem-estar e da qualidade das suas vidas.

O movimento, “muitas vezes erroneamente associado ao contexto religioso da Igreja Universal”, busca abordar questões críticas, como saúde mental, abuso de substâncias, violência e muito mais nos bairros, universidades e liceus.

“Apesar de pertencer a essa Igreja, não estamos a trabalhar na dimensão religiosa, mas sim na dimensão social e motivacional”, assegura. “Falamos sobre temas como depressão, influência das decisões e comportamentos, sempre abrindo espaço para os jovens fazerem perguntas e participarem activamente das palestras”, descreve.

Hélder Gomes menciona que o projecto mais notável é o Help, que oferece assistência a jovens que enfrentam uma série de desafios, incluindo crises de ansiedade, automutilação, pensamentos suicidas, abuso de álcool e drogas, bem como questões relacionadas com a criminalidade.

Esse projecto foi lançado há cerca de dois anos e tem tido um impacto positivo notável.

“No ano passado, conseguimos que cerca de 480 jovens em todo o país ficassem livres do uso da cocaína. Além disso, ajudamos entre 1.000 e 2.000 jovens a se livrarem do vício em tabaco. Também conseguimos proporcionar apoio a quase 480 jovens que desistiram de pensamentos suicidas e que enfrentavam depressão. Isso é algo que estamos muito orgulhosos”, manifesta.

Sobre 2023, Gomes refere que os resultados serão analisados apenas no final do ano. Ainda assim, explica que os projectos do Força Jovem abrangem diversas áreas, incluindo cultura, desporto, assistência a pessoas em necessidade e educação.

Algumas iniciativas incluem aulas de dança e música, visitas a pessoas carenciadas e distribuição de cestas básicas, promoção de diversas modalidades desportivas, fomento do acesso à educação superior e formação em edição, Photoshop e produção televisiva, com programas veiculados na TV Record, produzidos por jovens do movimento. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1137 de 13 de Setembro de 2023.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,17 set 2023 14:01

Editado porSheilla Ribeiro  em  28 abr 2024 23:28

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