Campanhas de doação aliviam preocupações de famílias carentes

PorSheilla Ribeiro,23 set 2023 13:16

No início de cada ano lectivo, muitas famílias enfrentam uma preocupação angustiante que é a falta de recursos para comprar uniformes escolares e materiais essenciais para os seus filhos. Contudo, a sociedade vem cada vez mais lançando campanhas de doação que proporcionam alívio e esperança às famílias carenciadas.

Cadernos custando 105 escudos, uma caixa de lápis de cor por 182 escudos, canetas variando entre 17 e 40 escudos e lápis de carvão por 12 escudos. Estes valores podem parecer simbólicos, mas para famílias com um salário mínimo e, pelo menos, três filhos, representam um peso significativo no orçamento e geram preocupações recorrentes a cada mês de Setembro, quando se inicia o novo ano lectivo.

Isto, sem colocar na conta os preços dos uniformes e os outros materiais que são exigidos ao longo do ano lectivo.

Em meio às preocupações financeiras que acompanham o início do ano lectivo, muitas famílias em situação de vulnerabilidade contam com a solidariedade de associações como os Black Panthers para garantir que os seus filhos tenham acesso aos materiais escolares necessários. Gregória, avó de dois, partilhou a sua gratidão pela ajuda que tem recebido ao longo dos anos.

“Tenho dois netos que estudam. Um vai começar o 1.º ano e o outro está no 6.º ano. Eu recebi dois kits do Black Panthers, até agora não tinha comprado nada. Fiquei muito contente porque esses kits ajudam, e muito, em casa”, diz.

O pai dos netos da Gregória não tem um emprego fixo e depende dos trabalhos que aparecem de vez em quando.

“Com o que ele ganha não dá nem para comer. Por isso, esse apoio deixa-me muito contente, e os meus netos também estão felizes. Recebemos caderno, lápis, canetas, mochilas. Tivemos de comprar as batas, fizemos um esforço para comprar porque cada bata custou cerca de mil escudos. Todos os anos recebemos ajuda. Há vários anos que recebo este tipo de ajuda, desde quando o meu neto mais velho ainda frequentava o jardim”, assume.

Conforme explica a idosa, durante o ano lectivo, quando surgem necessidades adicionais como fotocópias, cartolinas e outros materiais didácticos, a família faz o possível para os adquirir.

Em casos extremos, Gregória recorre a familiares que vivem no estrangeiro e que também costumam ajudar. Antes da pandemia, destaca, a comunidade recebia mais apoio, mas as dificuldades financeiras causadas pela crise sanitária levaram a uma diminuição dessas ajudas.

“Quanto ao lanche, temos de arranjar, fazer um esforço mesmo que seja para comprar uma bolachinha para que os meus netos não se sentiam menos do que os colegas”, acrescenta.

E sem ajuda?

Lindinha, ajudante de serviço geral numa escola primária da cidade da Praia, assim como Gregória, relata a sua preocupação quanto aos recursos financeiros para preparar as três filhas para o novo ano lectivo que iniciou esta segunda-feira.

A mais velha vai estudar no 9.º ano no Liceu de Achada São Filipe, a do meio vai estudar no 6.º ano e a menor no 2.º ano, entretanto, até agora conseguiu comprar apenas os cadernos e espera que até o final de semana consiga providenciar o que falta, mesmo que tenha de pedir um empréstimo.

“Até agora, só consegui comprar os cadernos. Nada de livros, canetas, muito menos uniformes e batas novas. Não sei ainda como será em relação à minha filha do 9.º ano, vou ter de encontrar uma maneira de comprar pelo menos o uniforme, já que na escola secundária onde ela vai estudar é obrigatório”, descreve.

A filha do 6.º ano ainda pode aproveitar o uniforme do ano passado, ainda que em “más condições”. As mochilas das filhas também serão do ano anterior.

“Comprei cada caderno por 110 escudos e comprei um total de 20 cadernos, o que soma 2.200 escudos. É muito dinheiro”, aponta.

Lindinha admite que todos os anos é difícil arranjar os materiais para as filhas. No entanto, recorda que o ano anterior foi o mais difícil por ser primeiro o ano em que todas frequentariam a escola.

“Quando a mais nova estava no jardim, a questão do lanche era o mais difícil de lidar. Mas, no primeiro ano tive de providenciar bata, mochila, caderno e tudo o mais”, refere.

Em relação ao lanche, Lindinha conta que as suas filhas fazem as refeições na cantina da escola.

“Há poucos dias a minha filha mais nova disse algo que me marcou muito. Todas as suas coleguinhas levam lanche para a escola, excepto ela. Ela sempre perguntava por que era a única que não levava lanche, e eu mostrava que a escola fornecia lanche. Este ano, ela disse que levará lanche para a escola, e eu respondi que, se Deus quiser, este ano ela levará, mas não sei”, comenta.

Lindinha também mencionou a sua disposição para ajudar com materiais específicos, como cartolina, no meio do ano, se tiver recursos disponíveis.

Campanha da FICASE busca apoiar educação de milhares de estudantes

Ao Expresso das Ilhas, o presidente da Fundação Cabo-verdiana de Acção Social e Escolar (FICASE) explanou que o objectivo principal da campanha de doação de materiais escolares é mobilizar recursos que permitam à instituição expandir o seu alcance e contribuir para melhorar o acesso à educação, um dos principais objectivos da fundação.

Albertino Fernandes esclarece que o kit escolar da FICASE é composto por itens essenciais, incluindo mochilas, cadernos, batas e manuais escolares.

Conforme enfatiza, a oferta de kits escolares vai além das mochilas, pois a distribuição é personalizada de acordo com as necessidades individuais dos alunos. Por exemplo, se um aluno já tiver manuais escolares, a FICASE fornecerá cadernos, batas, mochilas e outros itens necessários.

A campanha da FICASE tem como público-alvo principal as crianças do 1.º ao 8.º ano, mas a fundação também realiza outras campanhas destinadas a jovens do ensino superior, além de programas de alimentação escolar.

A fundação incentiva todos a contribuírem, permitindo que qualquer pessoa faça doações online através do site da FICASE. Albertino Fernandes ressalta que a doação online é uma maneira conveniente e segura de apoiar a causa, mas também incentivou as doações físicas e em espécie, destacando que a fundação aceita contribuições de várias formas.

Fernandes frisa que as campanhas da FICASE são contínuas e que qualquer pessoa pode fazer doações a qualquer momento, justificando que a fundação busca recursos adicionais para fortalecer os seus programas e beneficiar um maior número de pessoas.

“Estamos no início do ano lectivo, e a demanda por materiais escolares é significativa, especialmente considerando o aumento acentuado dos preços desses itens. Estamos lançando esta campanha devido à necessidade urgente de fornecer materiais escolares para crianças e jovens do Ensino Básico Obrigatório”, assevera.

A FICASE visa arrecadar cerca de 10 mil contos para beneficiar pelo menos 30 mil alunos. Já foram adquiridos materiais que estão a ser repartidos por várias regiões do país, com distribuição coordenada pelas delegações locais da fundação.

Nesse sentido, Fernandes destaca o papel da FICASE em apoiar as políticas de acção social do Ministério da Educação.

Campanha de solidariedade internacional

Desde final de Agosto, várias foram as iniciativas de campanhas de doações de material escolar, um pouco todo por todo o país. Por exemplo, a Associação Black Panthers e a Cooperação Luxemburguesa entregaram esta terça-feira kits escolares a mais de 400 estudantes bolseiros do pré-escolar ao 12º ano de escolaridade de vários bairros da cidade da Praia, num total de 15 mil euros.

Já Zé Luís Martins, um cabo-verdiano residente nos Estados Unidos e mentor do projecto “Zé Luís Solidário”, lançou uma campanha de solidariedade com o objectivo de auxiliar crianças carenciadas em Cabo Verde no regresso às aulas.

A principal finalidade desta campanha é incentivar os emigrantes cabo-verdianos nos EUA e na Europa a “apadrinhar” uma criança no seu concelho, bairro ou ilha natal.

Zé Luís Martins explica que a campanha foi bem recebida em algumas ilhas, como Fogo, Brava e Santo Antão, mas infelizmente não por emigrantes de todas as regiões do país. As doações serão direccionadas de acordo com as escolhas dos emigrantes, e a campanha arrecadou 3.990 dólares em apenas três dias.

No total, até o fecho deste jornal, a campanha conseguiu 1450 dólares para São Filipe, 630 para Mosteiros, 790 para Santa Catarina, todos concelhos da ilha do Fogo. A ilha da Brava conseguiu 600 dólares, cidade da Praia 230 dólares e Santo Antão 330 dólares.

“Os fundos obtidos serão utilizados para adquirir mochilas, cadernos, livros, canetas, lápis e outros materiais escolares essenciais para crianças que frequentam a escola primária, sendo o público-alvo da iniciativa. Gostaria de ajudar crianças de todos os concelhos, do 1.º ao 12.º ano, mas isso só é possível com a generosidade das pessoas que optarem por doar”, justifica.

A campanha estará em vigor até o final desta semana para garantir que os materiais possam ser adquiridos e entregues o mais rápido possível, já que o ano lectivo já começou.

Zé Luís afirma que a campanha compromete-se a ajudar as famílias que necessitam de apoio para comprar uniformes ou materiais escolares adicionais.

A meta inicial era arrecadar cinco mil dólares, segundo Zé Luís Martins, sendo o objectivo maior alcançar todos os concelhos, mesmo que se pudesse apoiar uma ou duas crianças em cada um deles.

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Procura de materiais aumenta nas vésperas do início das aulas, mas preços geram preocupações

Nos últimos dias, antes do início das aulas, a procura por materiais escolares aumentou, mas preocupações com os preços dos produtos estão na mente dos compradores. Loja de papelaria em todo o país testemunham um aumento no movimento, embora menor comparativamente ao ano anterior.

Vieira, dono da Papelaria Office DL constata um movimento crescente nos últimos dias, mas, conforme relata, este ano o movimento começou um pouco mais tarde em comparação com o ano anterior.

Segundo relata, houve um aumento notável na semana passada, que se manteve constante. O final de semana registou outro aumento na procura. Entretanto, em comparação com o ano passado, a procura parece ser menor.

“Os preços dos manuais escolares permaneceram estáveis já que são definidos pelo Ministério da Educação, mas produtos como mochilas, estojos, cadernos e outros tiveram aumentos de preço. As pessoas têm expressado preocupação com os preços mais altos, e muitos vêem isso como um reflexo das dificuldades financeiras que afectam os cidadãos quando os salários são baixos. Mesmo um aumento de 500 escudos num kit escolar faz diferença no bolso das famílias cabo-verdianas”, aponta Vieira.

Em relação às vendas, cadernos, esferográficas, lápis, borrachas e manuais escolares estão liderando as preferências dos compradores, já que são considerados os itens mais necessários. Mochilas e estojos também têm boa saída, enquanto produtos como lápis de cor são adquiridos de acordo com a possibilidade financeira de cada pessoa.

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Por sua vez, a responsável pela papelaria Diocesana Central, Emília Andrade, relatou um aumento na procura em comparação com o ano passado, descrevendo o movimento como “razoável”.

Alguns produtos tiveram redução de preço, enquanto outros mantiveram-se estáveis e alguns tiveram aumento. Itens novos, como mochilas de colecção, tiveram preços mais altos. Canetas, cadernos e outros materiais básicos têm tido boa saída, juntamente com as mochilas.

“Apesar do aumento na procura, tem havido reclamações de preços, especialmente em relação às mochilas, que geralmente são mais caras devido a marcas e materiais de melhor qualidade”, menciona.

Emília Andrade observa que várias associações em Cabo Verde e na diáspora, igrejas e pessoas individuais têm comprado materiais para doações, demonstrando a solidariedade da comunidade em apoiar crianças e jovens nas suas jornadas educacionais.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1138 de 20 de Setembro de 2023.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,23 set 2023 13:16

Editado porFretson Rocha  em  28 abr 2024 23:28

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