30 anos de actividade da Guarda Costeira, que balanço é que faz destas três décadas?
A Guarda Costeira foi criada em 1993. Iniciámos com a embarcação ‘Espadarte’ que foi oferta dos Estados Unidos da América e também com um avião Dornier que, se não me engano, foi uma oferta da Alemanha. Na altura tínhamos apenas estas duas unidades e ao longo dos anos fomos crescendo. Depois tivemos o navio ‘Vigilante’, que foi um navio de patrulha oceânica, adquirido na Alemanha, e depois, em 1998, adquirimos mais de dois navios, através da cooperação chinesa, e neste momento temos um navio ‘Guardião’, que é um navio novo, adquirido em 2010, fabricado na Holanda, temos mais umas tantas embarcações e, como já foi noticiado, em 2024 teremos a nossa unidade aérea, que faz muita falta, tendo em conta as missões já adstritas à Guarda Costeira. Portanto, posso dizer que foi uma evolução bastante positiva, nós estamos esperançados que no curso de 2024, teremos a maior parte das nossas unidades navais operacionais, e com a vinda do avião, podemos ter uma capacidade maior de patrulhar as nossas águas que não são poucas. Nós temos uma Zona Económica Exclusiva de 734.265 km², temos uma linha de costa de cerca de mil quilómetros, temos uma região de busca e salvamento na ordem de 1.300.000 km², e ainda, devo dizer que com a expansão da plataforma continental a área sob nossa responsabilidade, onde os interesses da Cabo Verde devem ser preservados, aumentará. São desafios grandes. Nós julgamos que temos estado a fazer um trabalho extraordinário, sobretudo no que diz respeito à questão de busca e salvamento na nossa região. Neste momento, também devo dizer que a Guarda Costeira, no âmbito do plano de desenvolvimento estratégico em vigor de 2017 a 2027, tem um destacamento na Ilha do Sal, e mais um outro destacamento, há já praticamente um ano, na Ilha Brava. Este último, tem tido um papel fundamental no cumprimento das missões da Guarda Costeira na região de Fogo e Brava, e, como sabe, também tem tido um papel fundamental na evacuação dos residentes da Ilha Brava para o Hospital Regional da Ilha de Fogo. Então, como pode ver, temos razões suficientes para estarmos satisfeitos com a evolução da Guarda Costeira, sendo certo que, no próximo ano, julgo que estaremos praticamente em plena força para podermos, então, dar face aos desafios que temos pela frente.
Mas foram 30 anos, também, de bastantes desafios e dificuldades.
Exactamente. Temos desafios e dificuldades, tendo em conta as vicissitudes da actualidade e do país também que nós temos. É preciso ter em devida conta que Cabo Verde é um país que, por causa das suas características e a sua descontinuidade territorial, coloca grandes desafios às Forças Armadas, tendo em conta que, como se sabe, as Forças Armadas apenas têm militares nas ilhas de São Vicente, Sal e Santiago, e, agora, com o destacamento da Guarda Costeira na Ilha Brava. Para um país de território descontínuo é fundamental que tenhamos uma Guarda Costeira pujante, bem apetrechada, com meios capazes de projectar as nossas forças para as outras ilhas onde não temos militares residentes.
Dizia-me há pouco que os meios actualmente ao dispor da Guarda Costeira são o ‘Guardião’, e em breve um avião que deverá chegar durante o próximo ano. Não são meios insuficientes?
Os meios nunca serão suficientes. Mas só para corrigir em relação aos meios navais, nós temos o ‘Guardião’, temos duas unidades de menor porte, o ‘Djeu’ e o ‘Badejo’, temos a embarcação Rei, que é uma embarcação que tem tido um papel fundamental na evacuação de doentes de Santo Antão e São Nicolau para São Vicente. Temos duas embarcações de busca e salvamento projectadas especificamente para esse tipo de missões que podem, ao fim e ao cabo, aguentar o mar que é característico e prevalecente na nossa região e temos mais outras pequenas embarcações. Portanto, são mais ou menos esses meios navais que nós temos, sendo certo que o único navio com capacidade para fazer um patrulhamento na nossa zona económica exclusiva é o Guardião, que neste momento ainda também se encontra inoperacional.
E quando é que estará operacional?
Nós temos a planificação para que fique pronto no decurso do segundo semestre do próximo ano, tendo em conta a vontade e o custo que as reparações certamente requererão. Mas já está praticamente tudo equacionado e estou bastante positivo que no decurso do próximo ano teremos o nosso navio de patrulha oceânico, devidamente operacional. Como disse, de acordo com as informações, já tornadas públicas, o avião da Guarda Costeira deve chegar no próximo ano. As datas concretas não vou avançar, porque eu não tenho dados que me permitam fazer esse anúncio, mas quem de direito certamente fará o anúncio em relação às datas.
Acha que Cabo Verde precisa de mais navios como o ‘Guardião’? Ou este programa, se assim o pudemos chamar, de cooperação com outros países é suficiente para garantir a segurança das águas nacionais?
É certo que nós, de acordo com o plano estratégico de desenvolvimento da Guarda Costeira, prevemos mais unidades com características do ‹Guardião›. É certo que os meios que nós temos, como disse, não são suficientes. Nenhum país, por si só, tem certamente meios suficientes para fazer face às demandas que ocorrem nos mares sob jurisdição nacional, sobretudo no país, que é 99,3% mar. Mas é certo que também temos vindo a utilizar a presença coordenada de navios de países amigos, que nos têm ajudado bastante na cobertura da nossa extensa Zona Económica Exclusiva. Nós temos também que aumentar a capacidade de podermos ter a noção da nossa situação e, com isso, temos que aumentar as nossas capacidades que existem neste momento no Cosmar, sendo certo que também devemos enveredar para a aquisição de drones que nos permitirão fazer uma fiscalização aérea para podermos então racionalizar o emprego dos meios marítimos. Porque com essa capacidade de identificar os alvos que podem estar em actividade ilícita, podemos então maximizar a utilização dos nossos meios.
Há quem defenda que a Guarda Costeira deveria ser um ramo separado das Forças Armadas. O que é que acha dessa ideia? Mais uma força de policiamento do que uma força militar, por assim dizer.
Essa é uma questão de opções políticas. Cada país faz as suas opções, portanto é uma questão que cabe aos governos decidirem o que é que pensam em relação a esta questão e onde é que deve ficar alocada a Guarda Costeira. Eu julgo que onde está, está bem, pode-se alterar alguma legislação conferindo maior poder de fiscalização à Guarda Costeira, mas como lhe disse, são opções que cada país faz e essa vontade cabe a quem de direito responder.
Mas faz sentido ter uma Guarda Costeira e uma Polícia Marítima em simultâneo?
A Polícia Marítima tem as suas atribuições e a Guarda Costeira tem as suas e não se sobrepõem. É certo que para fazermos determinadas missões necessitamos da presença de polícias a bordo do navio, que é uma equipe de acções com responsabilidades partilhadas no domínio marítimo. Como deve perceber, os desafios no mar também são diversificados e exigentes. Então a responsabilidade é partilhada, razão para a qual, sempre ou muitas das vezes que nós nos fazemos ao mar para determinar as missões já devidamente planificadas, podemos sair com a presença de representantes de outras autoridades a bordo.
A nível da criminalidade marítima quais têm sido os grandes desafios de Cabo Verde?
A pesca ilegal é sempre uma questão que nos interpela a todos e temos estado sempre com essa preocupação em mente. Mas também temos a questão da poluição marítima, que também nos preocupa muito, tendo em conta também a passagem de navios de grande porte pelos nossos mares. O tráfico de droga é outra questão que nós acompanhamos sempre com grande apreensão tendo em conta a posição geográfica que Cabo Verde ocupa praticamente na rota que vem da América do Sul para a Europa ou para África. São essas as forma de criminalidade que nos geram maior preocupação. Mas devo dizer que a imigração clandestina tem sido uma preocupação, igualmente, tendo em conta o número de imigrantes clandestinos que temos recebido nos últimos tempos.
E ainda a questão da pirataria no Golfo da Guiné. Cabo Verde está aqui num ponto estratégico, não é?
Sim, sim. Tocou num ponto realmente interessante. É que muitas vezes nós pensamos que estamos distantes, mas não. Tanto é que Cabo Verde tem demonstrado a sua vontade em participar nas actividades relacionadas com a pirataria no Golfo da Guiné e vai albergar o centro da Zona G, que se enquadra dentro da arquitectura de Yaoundé que é para fazer face às demandas e aos desafios que essa região da África Ocidental enfrenta.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1141 de 11 de Outubro de 2023.