Para Gomes, um jovem de 30 anos, o ano de 2023, não correu muito bem. Nesse sentido, destaca “persistentes” desafios sociais, especialmente entre a juventude.
“Ainda podemos constatar muita desigualdade social, principalmente na camada jovem. Ainda há muitos jovens desempregados, muitos, inclusive, com formação e muitos à procura do primeiro emprego, mas com poucas oportunidades”, lamenta.
Gomes aponta para a disparidade salarial como um factor crítico e refere a existência de “salários exorbitantes” na administração pública, enquanto outros enfrentam atrasos e incertezas quanto ao recebimento de salários.
“A desigualdade começa quando na administração pública há salários exorbitantes e outros têm salários em atraso e sem dia de receber. Nesse aspecto, é complicado”, ressalta, acrescentando que essa disparidade salarial cria um cenário desafiador para muitos jovens que buscam oportunidades de emprego e estabilidade financeira.
Apesar dos obstáculos enfrentados em 2023, o jovem mostra-se optimista relativamente ao novo ano.
“Espero mudanças em 2024, mais oportunidades para os jovens que são o motor de desenvolvimento e crescimento da economia. É bom que se comece a investir mais nos jovens”, sustenta.
Assim sendo, enfatiza a importância de criar políticas e iniciativas que promovam a igualdade de oportunidades, incentivando o desenvolvimento profissional e a empregabilidade entre os jovens cabo-verdianos.
Apelo por oportunidades de emprego
Sandy Tavares, 21 anos, diz-se satisfeita com os resultados obtidos em 2023, frisando que conseguiu atingir muitos dos seus objectivos pessoais. No entanto, a jornada não foi isenta de obstáculos, evidenciando que encontrou diversos desafios ao longo do caminho.
“Tinha muitos objectivos a alcançar e alcancei, encontrei vários obstáculos. 2023 foi, contudo, bom”, afirma Sandy na sua declaração ao Expresso das Ilhas.
Diferenciando-se de vários jovens que optaram pela emigração em busca de melhores oportunidades, Sandy Tavares realça que não tem planos de deixar o país. Actualmente, é formanda no Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial (CERMI).
“Sou formanda no CERMI, por isso, não tenho planos de emigrar como aconteceu com vários jovens este ano”, declara.
Apesar das realizações pessoais, Sandy Tavares reconhece os desafios enfrentados pelos jovens cabo-verdianos no que diz respeito ao emprego. Por isso, observa que o país ainda não oferece um ambiente amigável o suficiente para a juventude, com a escassez de oportunidades de emprego sendo uma preocupação central.
“O país não é tão amigo dos jovens, não há emprego para os jovens. Espero que em 2024 haja emprego para os jovens porque precisamos”, apela.
Fortalecer os valores e princípios na sociedade
Com um olhar crítico sobre a realidade actual de Cabo Verde, José Vítor Semedo, um jovem de 26 anos, acredita ser urgente abordar questões como a delinquência juvenil, falta de oportunidades para os jovens e a importância de fortalecer os valores e princípios na sociedade.
“2023 foi razoável e espero que 2024 seja melhor no sentido de ter mais paz na sociedade que tem sofrido muito com a delinquência juvenil, com a falta de oportunidades para os jovens também, o que acaba por dificultar as coisas”, ressalta.
Este cenário, diz, impacta directamente a vida dos jovens, tornando-se um desafio significativo para o desenvolvimento individual e colectivo.
Semedo espera que o novo ano traga melhorias na forma como as pessoas convivem na sociedade e melhorias especialmente na educação, não apenas no sentido académico, mas também na promoção de valores e princípios.
O jovem também lamenta a “perda da união familiar e da solidariedade entre vizinhos”. “Antigamente os vizinhos cuidavam das crianças e ajudavam para que as mesmas se tornassem uma pessoa boa na sociedade. Actualmente, cada um vive por si”, observa, destacando a importância de resgatar a boa vizinhança para construir uma comunidade mais forte e coesa.
Quanto a oportunidades para os jovens, Semedo diz-se preocupado com a falta de perspectivas na sua terra natal.
“Na nossa terra há falta de oportunidades para os jovens”, afirma. “Mas, se tiver algo para fazer, prefiro fazer no meu país, porque emigrar não significa necessariamente ter melhores condições”, argumenta.
Por fim, José Vítor Semedo abordou a questão da saúde mental, destacando os desafios enfrentados por muitos jovens actualmente.
“Há muitos jovens que sofrem de depressão, sofrem de anomia devido às expectativas que os familiares depositam neles e que não conseguem corresponder”, comenta.
“Toda a gente deve unir-se para termos um 2024 próspero, com mais paz, mais amor e uma sociedade melhor. Não é preciso ter apenas uma boa condição financeira, também é preciso amor, respeito para com o outro para termos uma sociedade melhor”, finaliza.
Burocracia e falta de acesso à saúde pública
Cileidy Miranda, 28 anos, relembra a sua experiência em 2021, quando retornou a Cabo Verde após anos de estudo no exterior. Ao procurar atendimento num Centro de Saúde, a jovem enfrentou uma “burocracia exaustiva” para agendar consultas ou realizar exames, um problema que persistiu em 2023, no seu ponto de vista.
Conforme refere, essa burocracia, por vezes, leva as pessoas a desistirem do sistema público em favor do sector privado. Por isso, ressalta a necessidade urgente de melhorias na saúde.
“A pessoa pode não ter dinheiro para o privado, pode ter dinheiro e não ter condições para consultas específicas, sendo obrigada a procurar tratamento no exterior, o que implica mais gastos”, profere.
Ainda sobre a saúde, Miranda diz que há falta de oportunidades para os jovens na área, apesar do aumento de profissionais qualificados. Razão pela qual entende que a emigração de jovens se tornou uma tendência em 2023, atribuída à falta de oportunidades, sensação de falta de segurança e a necessidade de buscar melhores condições fora do país.
“A impressão que fica é que o Governo deixou de se importar. Isso deixa as pessoas frustradas, porque eu, enquanto jovem, quero tentar algo no meu país, quero ser útil aqui, mas muitas vezes nos sentimos sem poder fazer nada”, desabafa.
No que tange ainda a oportunidades, Cileidy Miranda defende a necessidade de mais oportunidades de emprego, especialmente por meio de concursos públicos. À vista disso, critica a falta de transparência nesse processo, onde “os participantes muitas vezes são deixados sem informações sobre o andamento do concurso”.
“Os concursos públicos têm sido um disfarce. A pessoa participa, no meio do processo não há mais nenhuma informação, se for desqualificada recebe uma mensagem que não especifica o motivo, ou simplesmente não tem nenhuma informação sem saber o que se passou e depois aparece alguém ocupando o cargo”, salienta.
Para este ano, Cileidy deseja mudanças significativas. Espera ver melhorias na saúde pública, com acesso mais fácil e menos burocracia, reformas nos concursos públicos, visando transparência e justiça no processo de selecção.
“Para mim é preciso melhorar, sobretudo, na saúde e oportunidades para os jovens. Espero ver essa melhoria no novo ano”, conclui.
E o que dizem os jovens emigrantes de férias em Cabo Verde?
O Expresso das Ihas também ouviu a voz de três jovens emigrantes que regressam temporariamente a Cabo Verde, trazendo consigo não apenas saudades, mas também uma perspectiva crítica sobre as realidades que moldam a terra que um dia chamaram lar.
Gilson da Silva, de 33 anos, emigrou em Novembro de 2009, inicialmente para estudar e perseguir a sua paixão pelo futebol.
“Emigrar foi uma decisão difícil, mas necessária para buscar oportunidades de estudo e carreira no exterior, especialmente no campo do futebol. Nos primeiros cinco anos, não consegui retornar devido à situação económica e à falta de apoio financeiro familiar. A vida académica também não era simples, e a perspectiva de encontrar emprego no retorno era incerta”, narra.
Da Silva explica que, ao longo dos anos, a sua percepção sobre o desenvolvimento de Cabo Verde mudou.
“Durante o ano de 2023, notei avanços positivos no país. No entanto, acredito que ainda é necessário um maior desenvolvimento nos sectores da saúde e educação, fundamentais para qualquer nação.”
O jovem acredita ser importante a criação de mais oportunidades de emprego para os jovens, argumentando que a falta de perspectivas muitas vezes impede os emigrantes de retornarem.
“Cabo Verde possui um grande potencial na juventude, com muitos jovens qualificados, mas eles têm a percepção de que o país não oferece oportunidades suficientes”, especifica.
Sobre a saúde, Gilson da Silva enfatiza a necessidade de investir na formação de profissionais. “A saúde em Cabo Verde é precária, e precisamos formar mais jovens em medicina, enfermagem e outras especialidades. Olhando para o exemplo do Senegal, que investiu significativamente na saúde, podemos aprender e seguir o mesmo caminho”, sugere.
“Quero ver o meu país com uma educação e saúde de nível superior. Senegal enviou jovens para estudar no exterior e, quando retornaram, estavam capacitados para cuidar do seu povo. Isso é algo que eu desejo para Cabo Verde, um futuro com educação e saúde de alta qualidade”, almeja.
Já Cláudia Teixeira, de 31 anos, emigrou aos 11 anos e, embora tenha visitado Cabo Verde várias vezes desde então, mostra-se preocupada com os desafios persistentes no país. Nas suas declarações, a jovem destaca a necessidade urgente de melhorias na saúde e um olhar mais atento para os menos favorecidos.
“É preciso melhorar muita coisa na saúde e é preciso olhar mais para os menos desfavorecidos. Segurança é outra preocupação. Somos um país muito pequeno para tanta delinquência, o que é triste e lamentável”, lamenta.
A emigrante destaca a importância de uma abordagem mais rigorosa com os jovens, especialmente os menores envolvidos em actividades delituosas. Também lamenta a presença constante de “rapazinhos nas ruas” que afectam a tranquilidade dos residentes.
Cláudia conta que em 2023, a queixa que mais ouviu dos seus familiares foi sobre esses casos de delinquência juvenil, algo que ela espera ver mudanças em 2024.
A jovem considera a possibilidade de retorno definitivo a Cabo Verde, mas ressalta que mudanças significativas na situação de violência seriam necessárias.
“Com uma lei que fizesse com que a violência abrandasse e me deixasse mais tranquila na minha terra, dentro da minha casa, poderia cogitar voltar, assim como melhorias na saúde. Espero que em 2024 possamos notar essas melhorias e a longo prazo espero que aumentem as condições salariais, sobretudo do salário mínimo”, almeja.
Por seu turno, Ana Paiva, 31 anos, emigrou no início de 2020 devido à “escassez de trabalho, exploração e falta de oportunidades em Cabo Verde”.
Ao retornar para visitar a família, partilha as suas experiências relativamente à onda de violência e insegurança que afecta a decisão de muitos jovens de deixar o país.
“A questão de insegurança deixou um pouco de receio na minha decisão de vir de férias, mas a vontade de estar com a minha família foi maior. Entretanto, estando cá, tenho recebido conselhos para evitar certas áreas, especialmente à noite, devido à presença de “thugs””, relata.
Nas suas declarações, Ana destaca a importância de medidas mais robustas relativamente à segurança em 2024. Também refere que os mais jovens enfrentam desafios significativos na busca por oportunidades de emprego.
“Os mais velhos, que ocupam os seus cargos, continuam nos seus cargos e para os mais jovens praticamente nada está a ser feito”, considera.
“Em 2024, quero que se tome mais medidas nessa questão de insegurança e que se criem oportunidades para os jovens”, conclui Ana Paiva.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1153 de 3 de Janeiro de 2024.