O governo quer alargar o mecanismo de reforma antecipada ao sector privado. O objectivo, esclarece o ministro da Família, Inclusão e Desenvolvimento Social, Fernando Elísio Freire, é permitir que os trabalhadores não afectos ao Estado também possam requerer a antecipação da sua reforma.
A medida deve constar de um pacote de alterações bem mais vasto que está a ser desenhado para o Código Laboral e sistema de segurança social.
“O que nos leva a fazer isso é exactamente dar maior liberdade para as pessoas trabalharem até ao momento que considerem adequado, tendo capacidade de analisar a sua situação e ver se podem ou não ir para a reforma. E isso abre a porta a que um conjunto de profissões possa ter acesso à reforma antecipada”, explica.
Ainda sem regras definidas, é já certo que o governo quer que a medida tenha o maior alcance possível, quanto a potenciais beneficiários. O acesso à reforma antecipada estará condicionado ao cumprimento de um conjunto de pré-requisitos de elegibilidade e terá consequências no cálculo do valor da pensão a receber.
“Se pede uma reforma antecipada, terá naturalmente mecanismos de cálculo de pensão completamente diferenciados. É uma opção. Uma pessoa vai para a reforma antecipadamente por opção. Ou então, fica até final da sua vida activa. Se optar por uma reforma antecipada, a lei irá prever determinados níveis de penalização”, confirma o governante.
Centrais concordam
As duas centrais sindicais aplaudem a iniciativa. A secretária-geral da União Nacional dos Trabalhadores – Central Sindical (UNTC-CS), Joaquina Almeida, fala mesmo de uma “mais-valia” para os trabalhadores.
“Isso é bem-vindo, penso que todos os trabalhadores aplaudem essa ideia. Essa é a parte boa que existe no Código Laboral, mas no Código Laboral existem muito mais partes menos boas”, refere.
A líder da UNTCS-CS considera que a medida tem ainda mais sentido para profissões de desgaste rápido, caso dos marítimos.
“Aliás, a Concertação Social deliberou a reforma antecipada dos marítimos e até hoje não se vislumbra absolutamente nada. O pessoal de bordo que trabalha em turnos, o pessoal do aeroporto, só para ver, são profissões em que há um desgaste. Os médicos, que também fazem turnos à noite. Nesse ponto, nós concordamos com essa proposta, porque existem profissões, como eu já fiz referência, em que os trabalhadores têm desgaste”, exemplifica.
O presidente da Confederação Cabo-verdiana dos Sindicatos Livres (CCSL), José Manuel Vaz, não tem dúvidas de que a medida é uma forma de acabar com a discriminação que existe entre público e privado.
“Todos são trabalhadores, todos estão a dar a sua contribuição para o processo de desenvolvimento de Cabo Verde e merecem tratamentos iguais. Daí a nossa total disponibilidade para dialogarmos”, frisa.
Patrões sem objecções
Desde que garantida a sustentabilidade da previdência social, os empresários também não se opõem à possibilidade de reforma antecipada para trabalhadores do privado. O presidente da Câmara de Comércio e Serviços de Sotavento, Marcos Rodrigues, comenta que a organização está a analisar os contornos das mudanças anunciadas.
“É preciso, antes de mais, a Segurança Social cumprir o seu papel, que é fazer um estudo profundo sobre a sustentabilidade da instituição. É isso que importa, acima de tudo. Havendo essa sustentabilidade, não vemos com maus olhos a aplicabilidade [da reforma antecipada]”, diz.
“Os empresários são os grandes contribuintes, ou seja, quem sustenta efectivamente em grande parte o INPS é a entidade empregadora e, nesta senda, nós temos sempre uma palavra a dizer, apesar da nossa discrição em determinados momentos, com questões muito sensíveis. Nunca estaremos ausentes da responsabilidade que nos compete, de opinar, verificar e dar o agreement, quando necessário, para que se façam as alterações”, acrescenta.
Marcos Rodrigues também destaca que a reforma antecipada pode abrir a porta à criação de novos postos de trabalho.
A igualdade de género no acesso à reforma, uma nova prestação para apoio às famílias no início do ano escolar e mexidas no abono de família também devem integrar as alterações na segurança social. O ministro da tutela estima a conclusão do processo até final deste ano, para entrada em vigor em 2025.
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“Retrocesso”, dizem marítimos
A possibilidade de o mecanismo de reforma antecipada para o sector privado ser a resposta política à reivindicação dos marítimos, que querem a diminuição da sua idade de reforma, não é bem recebida pelo sindicato do sector.
No dia 26 de Fevereiro, depois de uma reunião com o governo, o presidente do Sindicato de Metalomecânica, Transportes, Comunicações e Turismo (SIMETEC) não escondeu a sua insatisfação.
“Os sindicatos e os marítimos estão cansados deste processo que se arrasta há 30 anos. Para nós, há um retrocesso e nós não vamos aceitar isso, porque há uma deliberação do Conselho de Concertação Social, desde 1993, e há várias deliberações ao longo destes 30 anos, a dizer ao governo para implementar a idade de reforma dos marítimos. Não tendo sido feito até então, nós não vamos esperar pelo quadro legal de redução da idade de reforma no sector privado para ver essa implementação”, afirma.
“Mais uma vez, o processo vai ser adiado. A partir de agora nós vamos falar com os marítimos sobre a proposta e sugestão do governo e vamos aguardar um mês e meio para voltarmos a esta questão”, prometeu o sindicalista no final do encontro.
*com Fretson Rocha
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1162 de 6 de Março de 2024.