ADECO quer “consciencializar a sociedade de que a causa do consumidor é de todos”

Nelson Faria, Presidente da Associação para Defesa do Consumidor (ADECO)
Nelson Faria, Presidente da Associação para Defesa do Consumidor (ADECO)

Eleito em Junho novo presidente da Associação para Defesa do Consumidor (ADECO), Nelson Faria assume a ambição de conseguir aumentar a rede nacional da organização, a par da melhoria da cultura de consumo no país, com maior noção de direitos e deveres. Na forja está a proposta para uma Lei do Consumidor mais moderna e adequada às actuais condições de mercado.

Foi eleito presidente em Junho, mas esta é uma casa que conhece bem. Como encara este novo desafio?

Eu fazia parte do conselho directivo anterior e as direcções anteriores tiveram, todas elas, muito boas prestações, desde o Sr. António Pedro Silva ao Marco Cruz, à Eva, foram prestações que levaram a ADECO a crescer, a nível de notoriedade e associados. Entretanto, a associação ainda tem um conjunto de desafios.

A ADECO tem três vertentes, onde actua. A causa do consumidor é a mais evidente, mas também estão nos estatutos acções ligadas à sociedade civil e ao ambiente. Portanto, este desafio é mais numa perspectiva de dar continuidade ao bom legado recebido dos meus antecessores e acrescentar o que puder, juntamente com a equipa de trabalho.

Chegando ao fim do mandato, são objectivos conseguir aumentar o número de associados, conseguir mais parcerias, elevar a notoriedade da associação e elevar a consciência cidadã sobre a causa do consumidor.

Como é que encara a forma como a sociedade olha para a ADECO?

A ADECO tem crescido em número de associados, mas não no ritmo desejado. Creio que temos um conjunto de causas culturais que levam a que o associativismo ainda seja incipiente ou tenha um prazo de validade sobre determinadas causas. A ADECO, felizmente, tem sobrevivido. Foi criada em 1998. Desde 2008, com o Sr. António Pedro Silva, teve uma extensão e um crescimento. A nossa sociedade age por impulsos e por necessidades individuais e as causas colectivas ainda são secundarizadas. É esse o nosso apelo, é esta a nossa missão: consciencializar a sociedade civil, os cidadãos, de que a causa do consumidor é de todos, porque todos somos consumidores, do amanhecer ao anoitecer, do nascer ao morrer. Muitas vezes somos procurados para uma reclamação, quando há necessidade, mas é naquele momento esporádico. Nós queremos que a causa do consumidor seja contínua. A nossa sociedade está mais voltada para reivindicar, para procurar direitos, mas nunca para tentar perceber quais é que são os seus deveres. Isto, no que tem a ver com a ADECO, está relacionado com o facto de fazer a inscrição, fazer o pagamento das quotas. As pessoas acham que isto já é pedir um pouco mais do que aquilo que devem dar.

Como é que pretende trabalhar para mudar essa mentalidade?

Bom, continuará a ser um grande desafio, mas a nossa actuação será no sentido de fazer perceber às pessoas que os direitos e os benefícios serão sempre maiores do que os deveres, a nível da participação na associação. Uma quota de 100 escudos mensal não é algo de significativo. A inscrição é facultar os dados pessoais, para que a pessoa tenha um conjunto de direitos, nomeadamente a protecção jurídica, o acompanhamento de reclamações, a prestação de informações oportunas e pertinentes. Vamos continuar a bater na tecla de que os benefícios são sempre maiores.

Temos notado o trabalho da ADECO para o seu crescimento para lá de São Vicente. O que pretende fazer, a médio prazo?

A Lei do Consumidor, de 1998, diz que os municípios e o próprio Estado devem participar e apoiar a causa da defesa do consumidor e associações de âmbito nacional, como é o caso da ADECO. Infelizmente, não temos tido apoio de todos os municípios do país e, neste momento, estamos na Praia, Sal, Boa Vista e temos um protocolo com a Câmara do Porto Novo. São esses os municípios que têm feito parte. Mas nós queremos, até final do mandato, ter pelo menos 50% dos municípios com representação da ADECO. Também já tivemos uma parceria com a Câmara Municipal de São Vicente, o que neste momento não acontece por decisão unilateral. Aliás, o nascimento da ADECO tem muito do apoio do antigo presidente, Onésimo Silveira, teve um apoio extraordinário da Dra. Isaura Gomes, mas infelizmente o último autarca não tem sido o parceiro que a ADECO desejaria. Pretendemos retomar essa parceria, porque é importante e vital para a ADECO, tendo em conta que a nossa sede está em São Vicente.

Anteriores direcções levantaram a questão da necessidade de se actualizar a Lei do Consumidor…

A Lei do Consumidor é de 1998, portanto, totalmente desadequada e desajustada a este tempo. Estamos a trabalhar numa proposta que levaremos ao governo. Mais do que dizer que a lei está desadequada e desajustada, pretendemos levar uma proposta concreta, naturalmente sujeita aos ajustes que o Governo e os outros parceiros considerarem. Mas é preciso dizer que, além da Lei do Consumidor, outras leis conexas também carecem de ajustes, nomeadamente a Lei sobre o Livro de Reclamações, que é da 2009 e previa apenas o formato em papel. Neste sentido, também já temos um protocolo para elaborar uma proposta de lei, para que a Lei do Livro de Reclamações seja adequada ao livro de reclamações digital, pela facilidade que dá ao consumidor.

Além de alterações na lei, que outras medidas são necessárias?

A massificação da informação, a massificação do contacto directo com os consumidores e a sua consciencialização. Como já disse, temos questões culturais a ser debeladas. A educação, a pedagogia, a comunicação, o estar perto. Fazer chegar a informação às escolas. Já começámos esse papel. Recentemente, tivemos dois programas que implicavam um contacto directo com o ensino primário e a nossa pretensão é continuar a fazê-lo.

Os hábitos de consumo mudaram. Temos uma crescente preponderância do comércio online, mas parece existir pouca literacia sobre esta nova realidade.

Há uma lei recente sobre o comercio electrónico, mas mais a nível de fiscalidade. Necessariamente, temos de nos adaptar à dinâmica do mundo e a questão digital faz parte. O mundo não espera que estejamos preparados para que as mudanças aconteçam. Vamos ter de analisar todo o panorama legislativo, relativamente ao consumo electrónico, para perceber o que podemos propor na actualização da lei do consumidor. Agora, não podemos fugir do paradigma de consumo por via digital, porque faz parte deste tempo.

Que papel deve ter a ADECO?

Além de fortalecer a confiança com o digital, garantir que todo o prestador de venda de serviços ou bens online esteja devidamente certificado, porque esta certificação é o que dá maior conforto aos consumidores e vai possibilitar a confiança no produto que lhe é oferecido. Relativamente ao consumidor, ainda há muitos que estão desatentos. O dever de informação é dever do consumidor. Para consumir este bem ou serviço, tenho de procurar a informação, se o bem se adequa à minha necessidade, quais são as suas características, se realmente o prazo de entrega e as expectativas de satisfação estão acauteladas. Ainda temos consumidores muito emocionais, no sentido de “vou comprar porque quero”.

Um outro tema. Parece que as pessoas ainda têm medo de reclamar…

Aqui temos a questão cultural, a mentalidade de “eu tenho receio de reclamar”, o não querer prejudicar fulano ou beltrano. Mas a reclamação é feita para melhorar o serviço ou o bem a que eu não tive acesso, de acordo com as expectativas. Independentemente da natureza das organizações, o consumidor deve estar ciente de que é ele o primeiro e principal interessado em que o serviço melhore a sua qualidade. A ADECO tem feito esse papel de pedagogia, junto dos consumidores, mas ainda temos um défice cultural, no sentido de “é melhor deixar quieto”, ou é melhor “mandar boca”.

Nem tudo se resolve pelo Facebook.

Não. O Facebook não foi feito para isso. Tem os seus méritos, mas há muitas questões que se não forem devidamente formalizadas, não têm respaldo legal. Se se quer que algo seja tratado como deve ser, deve-se sustentar a reclamação com dados e informações válidas, com enquadramento legal e depois esperar que a reclamação seja atendida correctamente.

No início da nossa conversa definiu algumas metas de médio prazo. Quais são os objectivos para alcançar no imediato?

A curto prazo, queremos fortalecer a delegação na Praia, que é o maior centro de consumo do país e onde a nossa representatividade ainda está aquém do desejado. É um objectivo de curto prazo. Internamente, queremos fortalecer o grupo de técnicos fantásticos que temos ao serviço, porque são pessoas com uma disponibilidade e uma entrega à causa do consumidor pouco vista hoje em dia, com uma disponibilidade e competência técnica de muito alto nível. Queremos que a nossa organização tenha os meios necessários para que possam prestar um serviço de qualidade.

Quanto à sustentabilidade financeira?

A nível da sustentabilidade financeira, passa muito por angariarmos mais pessoas [sócios], também pelo cumprimento da lei por parte dos municípios, do próprio Estado e pela nossa capacidade de conseguir parceiros que nos permitam ter meios financeiros que garantam essa sustentabilidade.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1184 de 7 de Agosto de 2024.

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Autoria:Lourdes Fortes, Nuno Andrade Ferreira,11 ago 2024 7:45

Editado pormaria Fortes  em  10 set 2024 12:20

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