Álcool sem lei

PorNuno Andrade Ferreira,19 abr 2025 6:57

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A Lei do Álcool foi aprovada e publicada em 2019. Seis anos depois, muito daquilo que determina continua a não ser levado a sério.

Consumo de álcool na via pública, publicidade nas redes sociais, esplanadas e fachadas de edifícios, patrocínio de actividades culturais e desportivas. Apenas algumas das dimensões da Lei do Álcool que continuam a ser ignoradas.

Publicada em Boletim Oficial a 18 de Abril de 2019, a lei foi apresentada como um instrumento de melhoria da saúde e bem-estar, com restrições para tentar travar o consumo excessivo de bebidas alcoólicas no país.

Anterior chefe da Casa Civil do Presidente Jorge Carlos Fonseca e actual presidente da Fundação Menos Álcool Mais Vida (FMAMV), Manuel Faustino foi um dos grandes defensores da lei. Continua a acreditar nos seus méritos, mas admite que muito daquilo que o diploma estabelece não está a ser cumprido.

“Por exemplo, a lei define que não se pode consumir álcool na via pública e isso nem sempre está a ser cumprido. A lei proíbe todo o tipo de publicidade, na rádio, na televisão, nas redes sociais, a chamada publicidade estática, dos outdoors e cartazes.

Há ganhos extremamente importantes nessa matéria, nomeadamente na rádio e na televisão e, de certa forma, a publicidade estática, mas ela não está a ser cumprida no que se refere às redes sociais”, assinala.

O presidente da FMAMV alerta que, sem fiscalização, a lei não produzirá os efeitos desejados.

“Na verdade, se não se afinar a questão central da fiscalização, grande parte da sua potencialidade fica comprometida, numa sociedade onde se bebe de forma abusiva, onde há problemas de saúde e de mortalidade relacionados com bebidas alcoólicas”, declara.

Trabalho difícil

Esplanadas com mesas e cadeiras exibindo logótipos de bebidas alcoólicas continuam ou regressaram às esplanadas. Nos últimos anos, também se tornou hábito pintar fachadas de bares e mercearias com alusões mais ou menos explícitas a marcas de cerveja.

A legislação estipula que, em supermercados, mercearias e estabelecimentos comerciais do género, os espaços dedicados a bebidas alcoólicas devem estar assinalados, o que raramente acontece, com arcas e prateleiras sem qualquer tipo de sinalética ou a misturarem todo o tipo de bebidas.

Paulo Monteiro, que lidera a Inspecção-Geral das Actividades Económicas, confirma que o órgão tem tido problemas com os operadores.

“Vem à baila a questão das pinturas que recorrentemente estamos a ver em casas, de Strela e Super Bock. Estamos a ter muitos problemas com os operadores económicos. É um trabalho que estamos a fazer diariamente, sempre que vamos às fiscalizações. Às vezes, podemos ter em conta que essas duas empresas custeiam mesas, cadeiras, frigoríficos, pinturas, remodelação das casas, então, cria-nos alguma dificuldade. Mas pronto, é a lei e nós temos de trabalhar nesta base”, explica.

A Lei do Álcool também proíbe a instalação de estabelecimentos comerciais de venda de bebidas alcoólicas a menos de 200 metros de estabelecimentos de ensino. Só no papel.

É proibida a venda e consumo de álcool em locais de trabalho, incluindo cantinas, cafetarias e refeitórios.

Por outro lado, está vedada a venda a retalho de qualquer bebida que não tenha comprovação sanitária. Sobre este ponto, a IGAE realça acções relacionadas com a produção de grogue. Quanto à importação, a chave é o momento do despacho aduaneiro.

“Tem de haver uma cadeia de intervenção e de fiscalização, porque ao entrar e espalhar-se cá dentro, cria-nos um grande problema. Se houver um controlo efectivo, que acredito estar a ser feito, o nosso [próprio] controlo é muito mais facilitado”, nota.

Redes sociais em roda livre

Se a proibição de publicidade nos órgãos de comunicação social é globalmente cumprida por estes, apesar da perda de receitas a que se sujeitaram, sem qualquer compensação, nas redes sociais o cenário é completamente diferente. Em roda livre, aos olhos de todos e à margem de qualquer regulação efectiva, por lá proliferam anúncios a todos os tipos de bebidas alcoólicas.

Essas plataformas escapam ao âmbito de acção da Agência Reguladora da Comunicação Social (ARC), que, porém, regula as agências publicitárias. Carina Andrade Ramos, do conselho regulador, confirma que já foram levantados processos contra agências envolvidas em campanhas publicitárias de bebidas alcoólicas.

“As agências publicitárias também são nossas reguladas e toda a actividade que divulgam está sujeita ao nosso crivo. Já houve situações e agências publicitárias que foram alvo de processos por causa dessa divulgação. Mas a maior parte, neste momento, já está informada, já sabe quais os limites e não tem feito esta divulgação”, acredita.

A Associação para a Defesa do Consumidor (ADECO) foi uma das entidades ouvidas durante a elaboração da Lei do Álcool. O actual presidente, Nelson Faria, não está surpreendido com alguns incumprimentos.

“Na questão da delimitação de perímetros de 200 metros de estabelecimentos de ensino e espaços educativos, sugerimos nessa altura que se deveria alargar o prazo para que estas empresas pudessem sair desses espaços, o que nunca veio a acontecer.

Também apelámos à questão da fiscalização, para que se pudesse observar o cumprimento integral da lei”, exemplifica.

Em estudo de 2024, a Organização Mundial de Saúde revela que, em 2019, 2,6 milhões de pessoas morreram em todo o mundo devido ao consumo de álcool, o que correspondeu a 4,7% das mortes nesse ano. Quase três quartos dos óbitos foram de homens.

*com Fretson Rocha (Rádio Morabeza)

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1220 de 16 de Abril de 2025.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,19 abr 2025 6:57

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  19 abr 2025 18:20

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