Ana Moreira é um exemplo de uma mãe que enfrenta o dilema da segurança dos filhos no trajecto casa-escola, escola-casa. O filho mais velho estuda o 7.º ano, enquanto o mais novo está no 3.º ano. Ambos estudam no Plateau.
As aulas do mais velho começam às 07h30, razão pela qual tem de ir à escola sozinho todas as manhãs. Uma vez que as aulas do mais novo começam às 08h00, Ana deixa-o na escola na maioria das vezes. Quando não pode, o pai é o responsável por deixar o menino na escola.
Mas, quando nenhum dos dois pode deixar o menor na porta da escola, recorrem ao táxi.
“Fico à beira da estrada, paro o táxi, negocio o preço, deixo pago, anoto a matrícula da viatura que o deixa na escola”, diz ao Expresso das Ilhas.
Ana diz que nunca cogitou outra opção de transporte a não ser os táxis porque não há outras alternativas na cidade.
“Assim como eu, há muitos pais que recorrem ao táxi para mandarem os filhos à escola, não só ao táxi mas também aos hiaces, outros colocam os filhos, sozinhos, no autocarro. Há muitas crianças que vão para a escola sozinhas, sem o acompanhamento dos pais”, diz.
Esta mãe diz que prefere sempre os táxis com licença, mas que nos dias de semana, às 08h00 fica difícil aparecer um disponível. No caso de não aparecer um que esteja disponível, admite que recorre aos táxis clandestinos.
Entretanto, Ana relata que no seu bairro, Achadinha, a maioria das crianças vão para a escola a pé, já que é um bairro perto de muitas escolas, quer na Fazenda, quer no Plateau.
Tolerância aos pais que deixam os filhos na escola
Ana acredita que a insegurança dos filhos não está no meio utilizado para chegar às escolas, mas sim à falta de segurança pública.
“A maior preocupação dos pais actualmente no trajecto casa-escola, escola-casa, não é tanto o meio utilizado que pode ser autocarro, quer de táxi, ou a pé, tem a ver com a falta de segurança. No caminho da escola, muita coisa pode acontecer”, menciona.
Como exemplo, cita um caso recente de uma criança, do Bairro Craveiro Lopes, violada no caminho da escola, arredores da sua casa.
Nesse sentido, defende a existência de uma lei que permite aos pais chegarem um pouco atrasados, já que têm de deixar as crianças na porta da escola.
“Muitos pais têm de picar o ponto para entrar no trabalho e mesmo que tiver tolerância, têm normalmente de deixar as crianças às 08h00 e os professores chegam nas escolas às 08h00, não há nenhuma escola com algum serviço que nos permite que a partir das 07h30, por exemplo, podemos deixar as crianças ao cuidado de alguém na escola”.
“Sendo assim, os pais preferem deixar os filhos na escola no horário que entram. Eu, desde pequena, fui à escola a pé, mas a preocupação que hoje tenho em mandar o meu filho à escola, os meus pais não tiveram. E eu percorria uma distância muito mais longa do que aquela que os meus filhos percorrem para ir à escola”, observa.
Outro desafio tem a ver com as deslocações para as aulas de apoio depois do horário normal das aulas. Ana refere que muitas crianças frequentam aulas de apoio precisamente porque os pais não têm disponibilidade de acompanhar os seus estudos durante a semana.
“Para aqueles que estudam à tarde essas aulas são de manhã e para os que estudam de manhã é a tarde logo após o almoço. A maioria dos pais trabalha nesses horários e a disponibilidade para ir buscar os filhos à escola, dar de almoçar e depois levar à explicação e voltar para buscar é quase impossível devido ao horário do trabalho”.
“Uma mãe que trabalha das 08h00 às 16h00 não consegue ir buscar o filho na escola às 12h30 para dar de almoçar e levar às aulas de apoio às 14h00 e depois ir buscá-lo às 16h30 ou 17h00. Mesmo quem trabalha dois períodos não consegue. Que professor é que vai esperar uma mãe ou um pai sair do trabalho às 18h00 quando a explicação é até às 17h00?”, questiona.
São um conjunto de situações que colocam os pais apreensivos, porque os filhos, no dia-a-dia, têm que lidar com situações precocemente devido às circunstâncias, conforme aponta.
“As nossas escolas não têm o pós, depois do horário normal das aulas, um ATL ou alguma actividade na escola que nos permite deixar os filhos enquanto trabalhamos ou alguma actividade antes das aulas que nos permite levá-los à escola meia hora antes e assim chegar ao trabalho no horário certo”, lamenta.
Ana afirma que a existência de transporte escolar dentro da cidade diminuiria a preocupação dos pais relativamente aos possíveis riscos no trajecto casa-escola e escola-casa e diminuiria a sobrecarga dos autocarros nas horas de ponta.
Taxistas oferecem serviço de transporte escolar na Praia
O transporte de crianças para escolas tornou-se um serviço comum entre taxistas na Praia, com pais que buscam segurança e confiança no trajecto diário dos filhos.
Carlos Ferreira, taxista com mais de 20 anos de experiência, é um desses profissionais que se dedica ao transporte escolar. O taxista faz o trajecto entre Palmarejo Grande e Achada Santo António para levar e buscar uma criança há cerca de quatro anos.
“Tenho, de momento, uma criança que levo e vou buscar à escola de segunda a sexta-feira. Vou buscá-la em Palmarejo Grande às 07h30 e deixo na escola em Achada Santo António. Chego na escola às 12h30,” descreve.
Segundo o condutor, o compromisso foi-se firmando ao longo do tempo, com base na confiança construída com o pai do aluno.
“Os pais contrataram-me para isso porque o pai sempre foi um cliente e fomos criando aquela amizade e confiança. Quando a criança entrou na escola, logo me contratou para esse tipo de serviço”, conta.
Carlos garante que realiza o serviço com total responsabilidade e estabelece algumas regras pessoais para garantir a segurança da criança que transporta.
“Quando tenho a criança no carro, chego à escola no horário e, enquanto ela está dentro da viatura, não levo nenhum outro cliente. Não que os pais tenham exigido isso, mas eu mesmo optei por não o fazer por segurança”, diz.
O taxista menciona que não assume novos compromissos com outras crianças, preferindo manter apenas esse serviço para não comprometer os horários. O serviço prestado é pago mensalmente e o valor pode variar conforme a distância.
No caso de Carlos, o trajecto entre Palmarejo Grande e Achada Santo António custa oito mil escudos por mês. Admite, porém, que o serviço não é muito lucrativo, considerando o compromisso e a pontualidade exigidos.
“Não é um serviço que compensa muito, mas há uma grande procura, pois os pais sempre procuram pessoas de confiança para transportar os filhos. Primeiro pelas complicações dos autocarros, depois porque não confiam em qualquer taxista,” declara.
Para Carlos Ferreira, a confiança estabelecida com a família da criança é essencial, e explica que, além de ser apresentado oficialmente à escola como responsável pelo transporte, segue regras específicas, como aguardar a abertura dos portões da escola para deixar a criança.
“Uma das exigências dos pais é que, se eu chegar à escola cedo, antes do portão abrir, tenho que esperar até o portão abrir para a criança entrar,” detalha.
Nos raros casos em que o taxista não pode cumprir o horário, notifica o pai da criança que vai buscar o filho pessoalmente, ajustando o valor da mensalidade conforme necessário.
O presidente da Associação dos Taxistas de Praia, Adriano Moreno, confirma que esse tipo de serviço é popular entre as famílias que preferem táxis para levar os seus filhos à escola.
“Há muitos táxis que prestam o serviço de levar as crianças para as escolas. Até há quem tenha contratos mensais para isso. Mas, para transportar as crianças, os pais preferem pessoas conhecidas, da sua confiança, com um veículo identificado, com documentação legal”, realça.
Adriano Moreno ressalva que mesmo agora, com os táxis clandestinos em maior número do que os táxis legais, a procura por esse tipo de serviço não diminuiu.
“Mas, futuramente, vai prejudicar, e as pessoas podem perder a confiança nesse serviço,” observa.
O representante dos taxistas da Praia aponta a falta de informação sobre a diferença entre táxis legais e clandestinos como um factor preocupante, já que algumas pessoas confundem veículos clandestinos com táxis oficiais.
“Há muitas pessoas que não conseguem destrinçar um táxi clandestino de um táxi legal, por falta de esclarecimento. Mas, acredito que há pessoas que contratam condutores clandestinos para esse serviço e, depois do caso da última semana, acredito que haverá mais cuidados”, comenta.
Atrasos dos alunos são frequentes
Na capital, as crianças que dependem do transporte público têm dificuldades em chegar pontualmente às aulas, de acordo com Celina Mendes, directora do Agrupamento Escolar 6.
Ao Expresso das Ilhas, Mendes reconhece que os atrasos “ocorrem com muita frequência” e que, geralmente, estudantes que utilizam o transporte público são os mais afectados, em comparação com aqueles que contam com transporte particular ou táxis, os quais têm maior controle sobre o horário de chegada.
Esta situação preocupa a comunidade escolar, pois, além do impacto no rendimento académico, a directora acrescenta que, até o momento, não há parcerias estabelecidas entre a escola e os serviços de transporte para assegurar a segurança dos alunos.
“Ainda não, mas a escola pretende recolher subsídios nesse sentido”, afirma, indicando que a instituição está ciente da importância de medidas de segurança para os estudantes.
Embora o agrupamento escolar esteja “trabalhando em questões de segurança para os alunos”, Mendes ressalta que ainda não existem informações completas para orientar os pais de maneira mais eficaz.
O agrupamento reconhece a urgência do tema e, segundo a directora, estuda formas de implementar práticas que garantam não apenas a pontualidade, mas também a segurança dos estudantes no trajecto entre suas casas e a escola.
“A escola está a trabalhar sobre questões ligadas à segurança dos alunos pelo que futuramente penso que estaremos com informações mais precisas acerca desse assunto”, assegura.
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Na semana passada, uma menina de seis anos foi dada como desaparecida num táxi clandestino vermelho pela mãe, que publicou no Facebook. A publicação foi amplamente partilhada, com muitas pessoas ajudando nas buscas pela criança.
Em entrevista à Record Cabo Verde, a mãe explicou que uma prima colocou a menina num veículo que realiza serviço de táxi clandestino, enquanto a mesma aguardava na porta da escola Capelinha, em Fazenda, já que estavam atrasadas. No entanto, a criança não chegou ao destino.
Após ser encontrada na casa do pai, a Polícia Nacional informou que encaminhará ao Ministério Público a ocorrência.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1198 de 13 de Novembro de 2024.