Numa noite ventosa, bem à moda de São Vicente, o pátio do CNAD foi esta segunda-feira palco da já tradicional entrevista colectiva anual com o Primeiro-Ministro, para assinalar mais doze meses de governo (três anos do segundo mandato, oito no total).
Expresso das Ilhas, Rádio Morabeza, Inforpress, Notícias do Norte, Mindelinsite, A Nação e RCV foram os meios representados e que, ao longo de hora e meia, tiveram oportunidade de questionar Ulisses Correia e Silva sobre as mais variadas áreas.
Os transportes marcaram a primeira meia hora da entrevista, com várias perguntas sobre o sector. O Primeiro-Ministro prometeu estabilizar as ligações áreas domésticas até final do ano, com a criação da já anunciada nova companhia área de capitais públicos, exclusivamente dedicada ao mercado interno. Uma frota adequada à realidade nacional – com aeronaves de menor capacidade para rotas de menor fluxo – e mecanismos de compensação de défices deverão ser parte da estratégia.
“Está-se a estudar a possibilidade de introdução de um aparelho mais ajustado às ilhas com um pequeno fluxo, como o caso São Nicolau, Boa Vista e Maio. Vamos introduzir o serviço público de concessão de operações, que serão devidamente compensadas para ilhas que têm pouco fluxo de passageiros, mas que têm de ter ligações. Esta arquitectura está a ser montada e estou ciente que, até final do ano, teremos a estabilização e o desenvolvimento dos nossos transportes aéreos inter-ilhas”, assegurou.
Nas ligações marítimas, Correia e Silva reconheceu que a resposta actual ainda não é a ideal.
“Por isso, há um processo de aquisição de mais embarcações, para aumentarmos o nível de oferta e podermos garantir também maior regularidade e evitar aquilo a que, de vez em quando, somos sujeitos”, disse, numa alusão à actual frota da concessionária.
“Temos de ganhar escala, dimensão, para podermos ganhar condições de tranquilidade e estabilidade nessas ligações, que são um aspecto, de facto, crítico das ilhas e crítico de Cabo Verde, porque mexe com a economia local, com a mobilidade e com o desejo natural das pessoas poderem circular a um bom preço”, afirma.
O chefe do Governo realçou que esta é uma área de soberania, onde não pode haver descontinuidade.
Segurança
O chefe de Governo também foi questionado sobre a segurança (ou falta dela), com referências a casos recentes de homicídio na cidade do Mindelo, mas também a episódios de violência em Santo Antão e Sal, com suspeitas de possíveis ligações ao narcotráfico.
“Nem todos os crimes são iguais. Há crimes mais complexos”, observou o PM, antes de defender que não se deve “dramatizar”.
“Eu sei que, ainda por cima, em meios pequenos, qualquer situação mais delicada ou de crime que sai fora daquilo que é o nosso padrão normal de hábitos e de comportamentos, choca. E deve chocar, para não sermos indiferentes a essas situações. Mas aquilo que eu posso dizer é que continuamos a ter a questão da segurança como prioridade”, garantiu.
Independentemente da complexidade de cada caso, todos devem ser resolvidos, acrescentou, antes de deixar uma crítica à forma como as forças policiais comunicam.
“Creio que a nossa polícia, de uma forma geral, não comunica muito bem. Sem pôr em causa casos concretos, que devem ser geridos, se nós compararmos, por exemplo, com aquilo que acontece nos Estados Unidos, onde sempre que há situações de criminalidade mais violenta ou que criam mais susceptibilidade nas pessoas, há sempre uma comunicação, não só para sossegar, mas para dizer que nós estamos atrás, estamos a acompanhar, estamos a tentar resolver”, afirmou.
Pescas
Uma semana depois da publicação no Jornal Oficial da União Europeia da nova derrogação do Acordo de Pesca com Cabo Verde, para vigorar até Dezembro de 2025, o Primeiro-Ministro também foi questionado sobre a forma como o governo planeia aproveitar o ano e meio que resta do regime de excepção às regras de origem para aumentar a capacidade de captura.
“Temos que aproveitar esta janela de oportunidade. Estamos a trabalhar com o apoio da União Europeia e tem de ser com os operadores, também, porque não será o Estado a ir comprar barcos industriais para podermos ter essa capacidade [de captura]”, elaborou.
“O Estado cria as condições de garantias financeiras, de benefícios, de incentivos, até de facilitação de crédito junto de entidades externas”, complementou.
Diplomacia
Na frente externa, o líder do executivo reiterou a condenação da invasão russa à Ucrânia e reafirmou as parcerias “muito fortes” do país com diferentes actores internacionais, nomeadamente com os dois principais aliados de Kiev. A relação com a União Europeia é “estruturante” e a ligação aos Estados Unidos é “muito forte”. “As nossas opções são claras, as nossas acções são consistentes”, resumiu.
As palavras de Correia e Silva assumem especial relevância por acontecerem dias depois de dois outros membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) terem estreitado laços com o Kremlin. São Tomé e Príncipe assinou um acordo de cooperação militar com Moscovo e o Presidente da Guiné-Bissau esteve na Praça Vermelha, para participar nas celebrações do Dia da Vitória. Umaro Sissoco Embaló, foi o único chefe de Estado africano a marcar presença no desfile militar e aproveitou a ocasião para garantir a Putin que a Guiné-Bissau é um “aliado permanente” da Rússia.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1172 de 15 de Maio de 2024.