Estamos a terminar mais um ano parlamentar, mais uma sessão legislativa. Que balanço é que faz deste ano?
Globalmente, penso que foi um bom ano, é mais um ano de exercício parlamentar e nós, enquanto Partido da Oposição, creio que fizemos a nossa parte. Em primeiro lugar, cumprindo o calendário que é estabelecido no Parlamento e que decorre do Regimento da Assembleia Nacional, que implica a realização de dois debates debates mensais e perguntas ao Governo, uma vez por mês, mas afora isso, aproveitamos para introduzir outras matérias ao abrigo de outros estatutos regimentais, nomeadamente interpelações, debates sobre questões de política interna e externa. Também concluímos uma CPI relativamente à TACV, que vinha de trás, cujo relatório foi concluído neste ano parlamentar e fizemos o debate. A conclusão foi no sentido de se reencaminhar todo o dossiê relativamente à privatização dos TACV à Procuradoria-Geral da República, o que representa um avanço relativamente ao historial do Parlamento porque normalmente as comissões de inquérito acabam por morrer na praia, ou seja, os relatórios são debatidos e fica-se por aí, o que vem fragilizando grandemente este Instituto de Inquéritos Parlamentares, que está a banalizar-se entre nós, porque não há um seguimento das conclusões dos relatórios, nomeadamente da perspectiva de as autoridades judiciais e administrativas, agirem.
Os grupos parlamentares têm como função também fazer uma avaliação da actuação do Governo e fiscalizar a acção governativa. Como é que avalia o trabalho do governo durante este ano?
Eu penso que Cabo Verde tem um governo que está esgotado. Um governo que, oito anos depois, já se mostra claramente esgotado e cristalizado. Um Governo que não consegue dar respostas aos vários problemas que o país enfrenta neste momento, mas também um Governo que não faz nada para alterar o status quo. Desde logo, nós estamos há oito anos com a mesma equipa governativa. Ou seja, mesmo diante do clamor dos problemas da sociedade, nós temos um Primeiro-Ministro que é incapaz de alterar o seu próprio governo, que é o que se faz normalmente em todo o lado. Nós temos claramente um problema em Cabo Verde, que é um governo esgotado, um governo cristalizado, um primeiro-ministro incapaz de alterar a sua própria equipa para introduzir novas dinâmicas.
E quanto a sectores como a Saúde, Educação, Transportes e Segurança?
Nós podemos ver a situação que o país está a viver neste momento no sector da saúde. O Primeiro-Ministro fez um conjunto de promessas, saúde sem lista de espera, melhores meios de diagnóstico, melhores recursos humanos, prometeu mundos e fundos. A verdade é temos hoje um sector cheio de problemas e, inclusivamente, com ameaças de greve, que foram paralisadas no passado com negociações, que depois a classe médica veio dizer que os documentos foram alterados nos gabinetes. A verdade é que nós temos problemas com recursos humanos, temos problemas de listas de espera que são enormes, temos problemas de diagnósticos que não são realizados, temos o problema das evacuações, que é uma espera sem fim. O sector da saúde em Cabo Verde está muito aquém daquilo que o Governo prometeu. É evidente que aqui nós devemos registar que houve alterações. Pelo menos é um sector onde o Primeiro-Ministro tem uma nova ministra à frente, fez esta alteração, mas a situação mantém-se. A nível da segurança é incrível. Temos os mesmos rostos há oito anos o mesmo ministro da Administração Interna e a mesma Direcção Nacional da Polícia Nacional. Não é uma questão pessoal, como muitas pessoas dizem, é uma questão objectiva. Nunca em Cabo Verde um ministro esteve tanto tempo à frente numa pasta tão sensível como a segurança. Na década de 90, o MPD, teve três ministros [da Administração Interna]. No governo do PAICV tivemos Cristina Fontes, Júlio Correia, Livio Lopes e Marisa Moraes. Quatro mudanças para tentar dar resposta ao problema de segurança em Cabo Verde. Nos últimos oito anos, nós temos a mesma equipa à frente. Quais são os resultados? A criminalidade vem aumentando sistematicamente. Em 2021, tivemos um aumento de 31% a nível da criminalidade. E os últimos dados que nós temos do INE dizem que em Cabo Verde, 31% da população considera que existe um risco muito elevado de ser vítima de um crime. Ou seja, a sensação e a percepção de insegurança nas pessoas é extremamente elevada.
Na educação também tem sido um ano de alguma agitação.
A educação em Cabo Verde é um ponto extremamente crítico, porque há o problema dos recursos humanos, há essa agitação com greves permanentes, com sindicatos, com falta de diálogo com o governo, portanto, não conseguem encontrar um ponto de equilíbrio para um sector importante. Mas o reflexo é pior. Tem a ver com a perda sistemática na qualidade do ensino cabo-verdiano. Na verdade, numa dimensão que é fundamental para o futuro do país, que é ter quadros preparados, formados para dar seguimento ao desenvolvimento do país, mas desenvolvimento com qualidade. Porque estamos a falar de formar engenheiros, arquitectos, médicos, profissionais de justiça. Falando da justiça, há dias no Parlamento, a senhora ministra disse que, a propósito do número de juízes em Cabo Verde que vem diminuindo sistematicamente, o governo lançou um concurso para recrutar 300 e que apenas sete tiveram uma avaliação positiva. Apenas sete. Este é o país que nós estamos a construir. E agora Portugal acabou por introduzir o semestre zero. Mas há sempre desculpa para tudo. Mas esquecem-se que os relatórios são produzidos em Portugal e dizem que desde 2018 estão a estudar a situação prevalecente. Estão claramente a ver que os alunos cabo-verdianos também estão a estudar com cada vez menos qualidade, razão pela qual introduziram o semestre zero. E nós estamos a achar que isto tem uma vantagem. Como é que pode ser uma vantagem? Como é que pode ser uma vantagem se nós no passado íamos para as universidades normalmente e fazíamos o curso com mais ou menos sucesso, mas fazíamos. O cabo-verdiano era sempre visto como um aluno empenhado, um aluno de destaque, um aluno que com mais ou menos dificuldade fazia a sua formação, conseguia superar as suas dificuldades.
O Ministério Público fez investigações em algumas câmaras municipais. Que ilação é que tira isto?
Em primeiro lugar, é um processo natural, é normal. Está a parecer entre nós anormal porque, na verdade, não tem sido prática. Infelizmente, alguma coisa estava muito errada. Ou estava tudo bem, ou então havia simplesmente uma inacção da parte do Ministério Público. Não é a primeira vez, já houve uma vez. Em 2011 ou 2012 aconteceram buscas na Câmara Municipal de São Vicente. Mas de 2012 a esta parte é a primeira vez que se avança com acções desta natureza em grande escala. Portanto, significa que deve ser um sinal de alerta. Nós perguntamos, afinal, que gestão estamos a fazer? Como vão as coisas verdadeiramente? Para mim, é claramente um sinal de alerta, porque eu já ouvi muitas reacções, de pessoas a dizerem que é normal, que tudo bem, mas não há nenhum gestor que seguramente que goste de ter o Ministério Público invadindo os seus serviços em operações de busca, em processos de investigação de crime. Eu, pelo menos, não gostaria que isso acontecesse.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1182 de 24 de Julho de 2024.