Residente da África do Sul, Carlos Lopes tem acompanhado de perto a instabilidade que se vive em Moçambique após as eleições gerais realizadas naquele país.
O professor universitário defende que o que está a acontecer naquele país vai replicar-se por outros países africanos.
“Eu acho que a maior parte dos países africanos vão viver períodos de grande turbulência, porque temos uma população muito jovem que está impaciente para poder beneficiar do desenvolvimento, mas também dos processos políticos”, começou por declarar Carlos Lopes que, de seguida, explicou que “nós não podemos continuar, na maior parte dos países, a fazer a política da mesma maneira”.
“Esses jovens, da mesma maneira que ficam muito excitados com determinadas propostas, vemos isso, por exemplo, nos países sahelianos, também podem desmanchar esse apoio de uma forma muito rápida por causa dessa mesma impaciência. O que eu acho é que os sistemas políticos e a integridade eleitoral terá de ser modificada na forma como ela é encarada actualmente pelos líderes políticos, se eles quiserem sobreviver, porque senão vai haver muita contestação”.
Eleições nos EUA
Já a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais nos EUA não trará, no entender de Carlos Lopes, alterações relativamente à política externa relativamente à África.
“Nos Estados Unidos há uma continuidade das políticas externas em relação à África, que estão muito marcadas por duas grandes preocupações, uma é a luta contra o terrorismo e outra é a tensão que existe em relação à China”, defende Carlos Lopes.
Será no clima e no comércio que o continente africano poderá esperar alterações na relação com os EUA.
“A administração de Trump provavelmente vai transformar de forma bastante radical os debates sobre o clima e os debates sobre o comércio, vai haver implicações grandes para a África”.
Guiné-Bissau
Natural da Guiné-Bissau, Carlos Lopes comentou igualmente a decisão do Presidente da República daquele país, Umaro Sissoco Embaló, de adiar as eleições que havia marcado anteriormente sem ter, entretanto, escolhido uma nova data.
“Eu acho que a Guiné-Bissau já faz um tempo não segue os princípios constitucionais e a panóplia de diferentes desenvolvimentos estão completamente fora daquilo que prevê a Constituição e daquilo que são as obrigações constitucionais. Os actores políticos estão, digamos, numa sobrevida em relação aos aspectos legais que não vai ser muito fácil de resolver. E, portanto, estamos no risco muito forte de ter o conjunto das instituições legais da Guiné-Bissau em posição de ilegalidade”.
COP29
Em entrevista à RFI, Carlos Lopes abordou a edição da conferência do ambiente que decorre em Baku, capital do Azerbaijão.
Questionado sobre o que pode o continente africano esperar desta conferência, Carlos Lopes disse que há “grandes esperanças de que os posicionamentos da África possam demonstrar que temos uma crise de financiamento climático que precisa de ser resolvida a um outro nível que as promessas que são feitas COP após COP”.
Quanto ao financiamento climático e a forma como este deve ser feito, Carlos Lopes diz que apesar de o Acordo de Paris ser “bastante claro”, tem havido “tentativas de reinterpretação do Acordo que são rechaçadas pelos países em desenvolvimento. Por exemplo, no que diz respeito às promessas de financiamento e os tais 100 mil milhões de dólares de contribuições anuais para a questão climática, segundo a OCDE, teriam já sido atingidos a partir do ano passado, depois de vários anos de déficit em relação a essa promessa. Acontece que esses 100 mil milhões têm de ser contabilizados como ajuda ao desenvolvimento”.
Sobre as alterações climáticas, na mesma entrevista, Carlos Lopes defendeu que a África merece uma maior atenção.
“A questão da justiça climática é uma questão que preocupa muitos africanos, que estão no centro do furacão, já com consequências drásticas. As pessoas todas viram imagens do que se passou em Valência, Espanha, mas viram muito poucas imagens das 5 milhões de pessoas que foram deslocadas por causa de cheias, só na Nigéria. Temos essa situação praticamente em todo o Sahel e é apenas uma manifestação das várias que o continente tem vindo a registar, que são dramáticas e que levam a essa situação de grande desespero”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1198 de 13 de Novembro de 2024.