Março, mês da Mulher - Helena Semedo: olhar para lá do horizonte

PorSara Almeida,16 mar 2025 14:43

Gerada e nascida no Planalto Leste, Santo Antão, Helena Semedo não conhece amarras de género nem as limitações de nenhum horizonte. Economista de formação, foi membro fundador do Movimento para a Democracia (MpD), criado a 14 de Março de 1990, de cujo primeiro governo foi membro: a segunda mulher ministra de Cabo Verde. Do arquipélago e seu horizonte marítimo, partiu para o encravado Níger, onde iniciou a sua carreira na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Um percurso de mais de 20 anos, cerca de metade dos quais como Directora Geral-Adjunta, que lhe deu um olhar amplo sobre o mundo. E tudo o que fez – governação, projectos, liderança e forma de estar -, fê-lo em tom feminino, com a certeza da força diferente e transformadora da mulher.

Os caminhos de Helena Semedo levaram-na por muitos locais. Mas tudo começou em Santo Antão, onde nasceu, na zona Planalto Leste. Quando Helena chegou à idade escolar, a família mudou-se para Coculi, e ela foi estudar para Figueiral. Um ano depois, uma nova mudança. Pensando no futuro, os pais foram para Santiago onde havia melhores oportunidades. O primeiro local foi São Domingos, devido às funções do pai. Depois, a Praia, onde a família fixou casa e raízes até hoje.

Tinha 17 anos quando rumou para Portugal para se formar em Economia no então Instituto Superior de Economia de Lisboa. “Gostava de números e de planificação. Nunca pus hipótese de ir para outro curso, desde sempre disse que queria fazer Economia”, conta. E assim, formou-se em Economia do Desenvolvimento, área de Planeamento económico.

Em 1984 regressou a Cabo Verde, onde ingressou no Ministério do Planeamento e da Cooperação, trabalhando na planificação estratégica do desenvolvimento, nos sectores das pescas e turismo. “Aí começou o meu gosto pelas pescas”, recorda.

Um convite levou-a, em 86, ao Banco de Cabo Verde, “que na altura era um banco único: era Banco Central, Comercial e de Investimentos”.

Era nessa função que se encontrava em 1990, ano em que, a 14 de Março, na sequência da “queda” do Artigo 4.º da então Constituição da República que permitia uma tímida abertura política, um grupo de cidadãos elaborou uma Declaração Política, que o formalizava como organização política. Nascia assim, há 35 anos, o Movimento para a Democracia, do qual Helena Semedo foi um dos principais rostos, no feminino.

Política e MpD

O interesse de Helena por política vem de trás. Quando foi para Portugal, em 1977, ainda se vivia o espírito do 25 de Abril, e as universidades, como sempre, eram um polo do calor político.

Entre os cabo-verdianos, “já discutíamos muito a situação em Cabo Verde e a necessidade de abertura política”, conta.

Durante esse período, vários nomes que fariam parte da política nacional frequentavam os mesmos meios e as mesmas discussões. Nomes como Carlos Veiga, Jorge Carlos Fonseca, Eurico Monteiro, Alfredo Teixeira, Jacinto Santos, António Espírito Santo, José Tomás Veiga, Gualberto do Rosário, entre outros. “Era preciso mudar”, consideravam.

De regresso ao país, toda essa geração formada em Portugal, mas também outros cabo-verdianos nas ilhas, continuaram os debates sobre a situação política.

A 19 de Fevereiro, deu-se a frincha que levaria à abertura. E o núcleo duro fundou o Movimento para a Democracia, através da referida Declaração Política de 14 de Março de 1990.

Apesar de ter aderido às discussões e movimentações para a formação do MpD desde o início, por desencontros da vida, a assinatura de Helena não se encontra na Declaração.

Na altura, Helena estava em Portugal, num estágio. “Lembro-me que o Alfredo Teixeira, que estava de passagem, contactou-me. Mas, desencontramo-nos, ele ia viajar e eu trabalhava, e não consegui assinar. O meu nome não está, mas não porque não quisesse. Apoiei-a 100%”, explica.

De regresso, ingressou então no MpD e integrou a primeira comissão política.

Em Novembro, o partido é formalizado e quando começa a campanha para as eleições de 13 de Janeiro, Helena participa activamente. É então que, durante um comício, destaca o facto de não ter havido nenhuma mulher no governo nos 15 anos de governação do PAICV. E declara que o MpD se comprometia a ter mulheres no executivo.

O MpD vence as eleições com maioria qualificada e o seu líder, Carlos Veiga diz-lhe: ‘agora é tua responsabilidade procurar mulheres para o governo’.

Procurou, mas não encontrou. Apenas Ondina Ferreira, que seria a primeira mulher ministra em Cabo Verde, já se havia mostrado disponível. Mais nenhuma.

Com falta de mulheres interessadas em dar a cara, insistiram que Helena fizesse parte do governo. Tinha apenas 30 anos e argumentou que não se sentia preparada para tal.

Assim, ficou fora do governo de transição. Meses depois, em Abril, a convite de Gualberto do Rosário, Ministro da Agricultura e Pescas, integrou o primeiro governo constitucional como Secretária de Estado das Pescas.

Em 1993, foi nomeada Ministra do Desenvolvimento Rural e das Pescas e em 1995, com a criação do Ministério do Mar assumiu esta pasta. Em 1998, passa a tutelar Turismo, Transportes e Mar.

Uma mulher no governo

Helena Semedo, segunda ministra de Cabo Verde, reconhece que mesmo dentro do partido, o facto de haver mulheres no governo, não era visto de igual forma por todos. Alguns consideravam que eram fachada, “para dizer que havia mulheres”. Mas com o tempo, os resultados falaram por si. E com o tempo vieram também mais mulheres.

Como mulher, houve, entretanto, momentos chocantes com que teve de aprender a lidar. Como o de ver o seu nome associado a palavras e imagens ofensivas pichadas na rampa do Plateau.

“Não havia redes sociais, então era nas paredes ou panfletos anónimos. Não era a única. Mesmo colegas do PAICV, como a Cristina Fontes e outras, passaram pela mesma situação”, conta, ilustrando como o ataque a mulheres políticas é transversal.

Mas aprendeu a não se incomodar demasiado e a colocar o foco no seu objectivo político.

Uma vez, recorda ainda, numa visita enquanto ministra das Pescas à ilha Brava, estranhou a demora da comitiva em sair para o local previsto. Contaram-lhe que havia no percurso uma parede com “coisas muito feias” sobre ela. Então, estavam a pintar a parede para Helena não ver.

“Eu disse: ‘não, deixa estar. Vamos! Aprendi a conviver com isso”, lembra.

A FAO e a fome

Quando em 2001, o MpD perde as eleições, começa um novo período político e Helena é eleita deputada. Mas a experiência no parlamento não a cativou.

Decidiu “fazer outra coisa”. Ir para fora por um tempo. Já antes tivera convites para “integrar algumas organizações internacionais”, entre elas a FAO, cuja missão admirava.

Além isso, a anterior experiência como ministra coordenadora do Comité Permanente Inter-Estados de Luta contra a Seca no Sahel, onde cumpriu dois inéditos mandatos, davam-lhe bagagem na questão da segurança alimentar e mudanças climáticas.

Ingressou na FAO, e em 2003 partiu, com um contrato de dois anos, para o Níger.

Hoje diz: “foi a melhor escolha que eu fiz na minha vida porque foi aí que eu vi o que é fome”. E o que viu deu-lhe um grande propósito de vida.

No ano em que terminaria o seu mandato no Níger, 2005, houve uma seca muito grande.

“Vi pessoas a morrerem, crianças subnutridas. Vi famílias inteiras a terem que deixar o Níger porque não tinham o que comer”, conta.

Ainda hoje se emociona e mal consegue conter as lágrimas ao lembrar episódios que a impactaram para a vida. Um, em específico: “Durante essa seca, fui visitar um grupo de mulheres que já não tinham mais nada para dar aos seus filhos e que estavam a ferver uma árvore que era venenosa. Ferviam durante três dias, tiravam o veneno, mudavam a água e faziam um tipo de papa que davam às crianças”.

Ao ver o deplorável cenário, Helena pensou que tinha de trabalhar para as mulheres e fazer o possível para que tal situação não voltasse a acontecer.

“Se já tinha essa vontade de trabalhar para a FAO, daí veio ainda mais energia para trabalhar na organização.”

Acabou por ficar 5 anos no Níger. A próxima etapa, em 2008, levou-a ao Gana, onde assumiu funções de Coordenadora para a África Ocidental, Directora-Regional Adjunta e Representante da FAO no país. Um ano depois, é nomeada Directora Regional e Assistente do Director Geral para a África.

Em 2013, e até Julho do ano passado, quando se reformou, ocupou as funções de Directora-geral adjunta, posto que tem sede em Roma.

“São 21 anos de uma carreira internacional na FAO”, contabiliza, onde trabalhou com três Directores-Gerais.

Hoje aposentada, mas activa, continua a dar o seu contributo para o empoderamento da mulher, recorrendo à sua experiência e ao network que foi construindo a nível mundial, para lá de todos os horizontes.

Da política às Organizações multilaterais, ocupou sempre altos cargos. Como é que é ser mulher nesses postos?

Todos os cargos que ocupei na FAO foram postos a que tive que concorrer. Numa dessas selecções, concorri com cerca de 200 candidatos, quase todos homens. Sempre procurei a excelência e dei o meu melhor. Além disso, vinda de um país pequeno como Cabo Verde, frequentemente me perguntavam onde ficava. Muitas vezes, só ao mencionar Cesária Évora conseguiam situá-lo. Depois vinha a pergunta: ‘Como é que chegaste aqui?’ Mas penso, como disse, que foi por essa procura da excelência, dedicação, transparência, honestidade e a capacidade de criar confiança e respeito nas pessoas à minha volta.

E se fosse homem, era diferente?

Se fosse homem, talvez não fosse diferente na procura da excelência, mas nos métodos possivelmente teria sido. Em todos os postos em que estive, fui conhecida como uma pessoa que estabelece pontes, que busca consensos, que ouve, que integra. E isso penso que esses foram os meus pontos fortes. Há muita gente que pensa que nós, mulheres, para podermos ser bem sucedidas, temos que confrontar. Mas, se eu for confrontar, vou fazer a mesma coisa que eles estão a fazer. Onde está a minha diferença? Então, sempre mostrei o que é que eu, como mulher, faço de forma diferente e como posso dar a minha contribuição, trazer a voz das mulheres. Foi o que tentei fazer no governo e acho que isso tem pautado toda a minha trajectória.

Falando da política em concreto. Como vê hoje, já com a Lei da Paridade em vigor, a participação da mulher cabo-verdiana na política?

Quando estava no governo e no MpD, tivemos várias discussões sobre a questão da Lei da Paridade. Sempre achei que tinha chegado onde cheguei por mérito próprio e que as mulheres tinham capacidade de alcançar posições de liderança sem necessidade de uma lei da Paridade. Com a idade e, talvez, com a maturidade, mudei de ideias. No entanto, o que vejo é que se aplica a lei da paridade, mas não se põe as mulheres nos lugares onde devem estar. Ainda não chegamos a 40% no Parlamento e há apenas uma mulher presidente da Câmara. Temos mais mulheres nas Assembleias Municipais, para ter um maior equilíbrio e talvez porque a assembleia tem um papel importante, mas não é considerado tão importante como o de presidente da Câmara.

O próprio governo, do MpD, tem sido alvo de críticas por, na última remodelação ter ficado ainda com menos mulheres do que tinha…

É uma pena termos perdido tantas mulheres e não ter havido mais mulheres no governo. Como o primeiro-ministro explicou, às vezes, há momentos históricos em que queremos um governo com uma certa função. Talvez o primeiro-ministro não tenha encontrado mulheres para o que procurava, ou estas não tinham disponibilidade. Seja como for, penso que é preciso ter mais mulheres. O MpD tem uma responsabilidade histórica de ter mais mulheres no governo e na Assembleia. Espero que, nos próximos embates eleitorais, realmente haja. A desculpa que ouço sempre é que as mulheres não querem. Então, espero que haja mulheres disponíveis para enfrentar este desafio, porque mulheres com capacidade e qualidade temos. Às vezes é mesmo a questão da disponibilidade. Uma coisa que reparei na FAO, é que a mentalidade das mulheres mudou um pouco depois da COVID. Agora, mais que uma evolução na carreira, as mulheres preferem estabilidade, o que não se verificava antes. Há, penso, um voltar para o núcleo familiar. Não sei se terá acontecido o mesmo em Cabo Verde, mas talvez as mulheres queiram estar em situações mais estáveis, porque sabemos que a política exige muito. Exige dedicação, compromisso e traz visibilidade. Quando temos visibilidade estamos mais sujeitas à crítica e as mulheres não querem expor-se, não querem ver a sua vida privada nas redes sociais. Acho que isso também faz parte, mas penso que é um processo de aprendizagem e de consolidação. E o que digo é que todo esse esforço vale a pena.

Esteve em outros postos de visibilidade. Acha que a política continua a ser a área mais difícil para as mulheres?

Qualquer área em que a mulher esteja exposta tende a ser mais complexa e exigente. Mas vejo que na política é onde estamos mais expostas, porque temos toda uma sociedade a julgar, a comentar. É preciso ter uma endurance que nos permita saber que estamos ali por uma causa maior.

Entretanto, quando decidiu deixar a política activa optou por uma carreira na FAO e, como vimos, começou Níger. Como foi a sua experiência, como mulher, ali?

Não é fácil. Estamos a falar de um país que não tem a mesma cultura e religião que as minhas. E depois, ser mulher. É um país 99% muçulmano e estamos a falar de há 20 anos. As mulheres praticamente não tinham poder, não eram respeitadas contrariamente a Cabo Verde. Quando cheguei, tentava sempre ter as mulheres como beneficiárias dos projectos. Quando ia ao terreno ver o resultado, perguntava-lhes como correra e o que fizeram com os rendimentos. Em Cabo Verde, normalmente, quando a mulher tem mais dinheiro, investe na família, na educação dos filhos. No Níger, davam o dinheiro ao marido, que se casava novamente, porque segundo a lei do Corão, podiam ter até quatro mulheres. Quando se casassem, esta nova mulher engravidava, e as outras também porque havia uma concorrência entre as mulheres. Assim, o benefício que geravam os projectos não melhorava a vida das mulheres, nem a condição familiar, porque havia mais bocas para alimentar. Tive que mudar completamente a estratégia que teria em Cabo Verde e trabalhar mais com o ego das mulheres. Dizer: ‘tens que investir em ti mesma, ser mais bonita’. Era uma cultura que não tinha nada a ver com a minha e tive de me ir adaptando sempre e aprendendo em novas estratégias.

É uma mostra de que as ideias não podem ser importadas de um país para o outro.

Aí é que eu aprendi que, quando se fala no one size fits all, realmente é assim. Não podemos importar. Numa nova cultura, a primeira coisa é entender e estudar essa cultura, porque não vais conseguir mudá-la. São culturas ancestrais e podes contribuir onde puderes, mas tens que aprender e saber. Aprendi que temos que primeiro conhecer o país, as organizações culturais, sociais, económicas, antes de começar a agir ou a fazer qualquer coisa, mesmo declarações. Isso também me moldou em toda a minha vida: saber lidar num ambiente multicultural. Na verdade, é isso as Nações Unidas.

Depois do Níger, o Gana deve ter parecido bastante diferente?

O Gana já era muito mais próximo da nossa cultura. Mas, no Gana, tinha também uma cobertura regional, de todos os países da África subsaariana, o que permitiu ver a diversidade da África. Os desafios não são os mesmos em todos os países. Penso que a minha experiência me ajudou a poder entender essas diferenças e olhá-las em termos de políticas e estratégias e aprender a lidar com os nossos dirigentes africanos. Consegui ter uma visão mais ampla e clara do continente e aprender como Cabo Verde pode contribuir, porque temos uma cultura humanista, aberta ao mundo, que também nos dá flexibilidade para entender e poder estar em todas as situações e ocasiões.

E vendo essas culturas diferentes, o que é que as mulheres africanas têm de comum?

É essa força de lutar, de querer melhorar a família, a comunidade e de aprender umas com as outras. Quando sai do Níger, fui despedir-me de uma comunidade e uma mulher disse-me: ‘graças a ti eu pude mandar os meus filhos à escola’. Isto, porque, não só gerou rendimentos, mas viu-me como modelo de uma mulher que conseguiu progredir. Ela queria que as filhas seguissem o meu exemplo. E eu penso que é isso que acontece um pouco em toda a África. As mulheres servem de exemplo umas às outras. E eu aprendi também com elas a lutar na adversidade, a construir com pouco, a nunca desanimar. Depois, claro, cada uma é moldada na sua cultura, na estrutura da sua comunidade.

Depois, como directora-geral adjunta, vai para Itália.

É um outro mundo. Trabalhei com mulheres formadas, que estão nas Nações Unidas, que têm a mesma causa de lutar para a erradicação da fome, a melhoria da segurança alimentar, a gestão sustentável dos recursos naturais, a eliminação da pobreza. Era um trabalho, essencialmente de reflexão estratégica. Aí, consegui ter uma visão mais global, porque se antes me ocupava da África, agora ocupava-me de todo o mundo o que me permitiu aprender com diversas experiências, ver histórias de sucesso que podem ser replicadas, mas, como dizíamos, mesmo replicando, a contextualização é importante. Nenhuma sociedade é igual à outra, nenhuma mulher é igual à outra. Em 2019, tivemos um novo director-geral que criou o Comité das Mulheres, do qual fui a primeira presidente.

O que fez nesse comité?

Tentei empoderar as mulheres na organização. Falamos de igualdade de géneros, mas quando olhamos a constituição da organização, quanto mais subimos nos escalões, menos mulheres temos. Portanto, fazer mentorship com as mulheres, ajudá-las, primeiro a terem confiança. Vêm em nós modelos, e pensam que a nossa vida foi de ascensão contínua. É importante que vejam que também temos momentos altos e baixos, que tivemos momentos em que perdemos, mas depois avançamos. Durante a pandemia, nesse Comité de Mulheres, organizei um chá virtual semanal com todas as mulheres da FAO, em todo o mundo. Era um safe space onde podiam desabafar e falar entre nós, mulheres, e que fomentou a entreajuda e a partilha de experiências. Trouxe várias convidadas, para mostrar como é que nós, as mulheres, podemos chegar aos lugares cimeiros, mas também como isso foi fruto de uma construção, de uma batalha. Isso ajudou muitas jovens e ainda hoje recebo mensagens e cartas de mulheres que agradecem esse apoio. Um dos aspectos mais bem sucedidos é a mentoria. Ajudar. por exemplo, as mulheres a saber como se apresentarem numa entrevista, porque nós, as mulheres, não sabemos “vender-nos”. Agora que estou reformada gostaria de continuar este trabalho.

Hoje é quase impossível não falar nas mudanças climáticas, e sabemos que quem mais sofre são as mulheres. Que políticas para responder melhor a este desafio?

É um desafio mundial, porque as mudanças climáticas afectam a todos, mas as mulheres, muitas vezes, são menos resilientes porque não têm os instrumentos que lhes permitem fazer face às mesmas. Estamos a falar da desertificação, de migração, de perda de rendimentos. Mas além das mulheres que estão na frente dos efeitos das MC, quando vamos discutir as políticas, as mulheres não estão presentes. Só para dar um exemplo, nas COPs, apenas 29% do tempo de intervenção nas plenárias é usado por mulheres e apenas 20% das delegações são chefiadas por mulheres. Portanto, as mulheres não participam directamente no processo decisório. Isso deriva da escolha e prioridade dada pelos governos às mulheres nesse processo. O problema é que quando as mulheres não fazem parte desse processo, não se trazem as questões que dizem respeito às mulheres, aquilo que as afecta. As decisões podem não ter em conta aquilo que as beneficia e aquilo que elas pensam poderem ser as soluções para os problemas.

Ainda há muito a fazer em questão de género. Mas, os sinais são positivos?

A minha mãe, que tem 88 anos, diz que todos os dias 8 de Março se fala sobre a esperança para as mulheres, mas que não vê grandes mudanças. É verdade, mas temos que manter a esperança. Porém, penso que nós mulheres temos que fazer muito mais, estar activas, saber que nada vem de graça. Temos de lutar pelo espaço que merecemos, que não é nenhum favor, e temos de juntar-nos, ser mais solidárias e falar de a só voz. Não é que as mulheres não possam competir entre si. Estamos num mundo de competição, mas temos que competir com ética, com transparência e mostrar que realmente a nossa diferença está em sermos mulheres. A nossa diferença não está em tentar fazer aquilo que os homens fazem, em ser igual, porque nós não somos homens. O nosso valor não está aí. Em Cabo Verde, as mulheres sempre estiveram à frente, demonstrando que podem fazer a diferença e alcançar a excelência, mas é preciso mais. Talvez mudar de escala, para termos uma frente de mulheres, e podermos fazer a diferença. Não apenas um caso de piloto aqui, outro ali. Se realmente não mudarmos de escala, de intervenção, de voz, de solidariedade, ainda estaremos longe da mudança.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1215 de 12 de Março de 2025.

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Autoria:Sara Almeida,16 mar 2025 14:43

Editado porSheilla Ribeiro  em  17 mar 2025 9:19

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