Governo alerta para impacto financeiro das reivindicações, pilotos contestam requisição civil

PorAndré Amaral*,26 mai 2025 10:35

​O Sindicato Nacional dos Pilotos da Aviação Civil (SNPAC) vai apresentar uma queixa formal junto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) contra o Governo, protestando contra a imposição da requisição civil durante a recente greve dos pilotos da companhia aérea. A decisão foi anunciada esta terça-feira, 27 de Maio, pelo presidente do sindicato, Edmilson Aguiar.

Segundo o SNPAC, a requisição civil decretada pelo Governo violou a legislação laboral vigente, bem como os normativos internos da própria TACV. Em particular, o sindicato denuncia que a alteração das escalas dos pilotos ocorreu sem o pré-aviso de 48 horas, conforme estipulado pelo artigo 18 do Decreto n.º 66, que regula a actividade dos pilotos e constitui, segundo o sindicalista, uma norma essencial de segurança operacional. Os pilotos em causa estariam de folga e, por lei, não teriam obrigação de atender a chamadas da empresa fora do horário de serviço.

A actuação do Conselho de Administração da TACV também é alvo de duras críticas por parte do SNPAC, que acusa a direcção da empresa de ter recorrido a “pressão psicológica” e à utilização de “informação pessoal sensível” para obrigar os pilotos a acatarem a requisição. Um dos episódios citados envolve uma tentativa de contacto directo com um piloto em luto, o que o sindicato considera “altamente impróprio e eticamente reprovável”. Por conta dessas alegações, Edmilson Aguiar promete ainda avançar com uma queixa-crime por coacção e aliciamento contra membros da administração da empresa e da Direcção de Recursos Humanos.

O sindicato justifica a recusa em negociar os serviços mínimos durante a greve com preocupações relacionadas com a segurança de voo e o bem-estar psicológico dos tripulantes. “Não se pode exigir desempenho operacional de qualidade quando as condições emocionais e físicas dos trabalhadores estão comprometidas”, frisou Aguiar.

Além disso, o SNPAC aponta falhas graves na gestão da companhia aérea, como o uso inadequado de aeronaves em rotas domésticas, o que estaria a aumentar os custos operacionais e a originar multas da autoridade aeronáutica por irregularidades. Também denuncia a inexistência de um programa eficaz de segurança e higiene no trabalho, a falta de acompanhamento médico regular aos pilotos e a ausência de cobertura de seguro adequada para operações no estrangeiro.

O sindicato critica ainda a suposta manipulação de informações por parte da empresa e do Governo, particularmente no que se refere a alegados aumentos salariais e ao cumprimento de acordos prévios. “Desde 2013 que entregámos um acordo de empresa e, até hoje, praticamente nada foi implementado. Temos sido tolerantes em nome da sustentabilidade da TACV, mas tudo tem um limite”, declarou Aguiar.

A classe de pilotos sente-se injustamente acusada de prejudicar a empresa, quando, segundo o sindicato, sempre esteve disponível para apoiar a TACV, inclusive durante a pandemia, período em que terão feito concessões salariais significativas. “A nossa luta é por melhores condições de trabalho e pela sustentabilidade da empresa. Não estamos contra a gestão, estamos contra a má gestão”, resumiu o presidente do SNPAC.

Violação da lei, diz o Governo

Do lado do Governo, a posição é clara: a greve dos pilotos e, sobretudo, a recusa em garantir os serviços mínimos legalmente exigidos constituíram uma violação grave da ordem legal. Perante a paralisação dos voos, especialmente os internacionais, com impacto directo no sector do turismo, o Governo aprovou, a 23 de Maio, uma Resolução declarando a necessidade de uma requisição civil, oficializada logo depois pela Portaria Conjunta n.º 20/2025.

O Executivo defende que a requisição teve como único objectivo assegurar o interesse público e proteger a imagem externa do país, face à impossibilidade de manter ligações aéreas cruciais durante o período da greve, que decorreu entre os dias 22 e 26 de Maio.

Ainda assim, vários pilotos recusaram cumprir a requisição, alegando motivos de saúde.

Para o Governo, essa atitude configura uma infracção grave e “desrespeitosa da autoridade do Estado”, sendo passível de responsabilidade criminal, civil e disciplinar. Em comunicado, o Executivo deixou claro que “vai agir com todos os meios legais disponíveis para apurar responsabilidades”.

Impacto financeiro

Outra questão levantada pelo Governo diz respeito ao impacto financeiro do pacote reivindicativo apresentado pelo SNPAC. Segundo os dados oficiais, as exigências dos pilotos representam um custo potencial anual de mais de 415 milhões de escudos – o equivalente a 415.372.824$82 –, num momento em que a TACV ainda enfrenta graves dificuldades financeiras.

A proposta de Acordo de Empresa entregue pelo sindicato inclui benefícios significativamente acima dos mínimos legais, tais como: licença parental de até 150 dias para ambos os progenitores (face aos 90 dias para a mãe e 10 para o pai previstos na lei); 32 dias úteis de férias (quando o regime geral prevê 22); 15 dias de licença por casamento (em vez dos actuais seis); 14 salários anuais; aumentos no salário-base e subsídios; além de facilidades de transporte exclusivas e a disponibilidade de uma ambulância equipada na base operacional.

Segundo o Governo, só este acordo representa 398.697.684$00, mais de 95% do custo total estimado. Os restantes encargos dizem respeito a progressões na carreira (4.859.638$20), consultas médicas facultativas (1.020.000$00), reactivação do seguro de vida e acidentes pessoais (4.609.822$00) e aumento do capital do seguro de perda de licença (6.185.680$62).

As autoridades admitem que algumas das reivindicações, como consultas médicas e suplementos, estão a ser revistas ou em fase de resolução. No entanto, consideram que o grosso das exigências continua insustentável para uma empresa ainda em processo de reestruturação.

*com Dulcina Mendes

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1226 de 28 de Maio de 2025.

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Autoria:André Amaral*,26 mai 2025 10:35

Editado porClaudia Sofia Mota  em  29 jul 2025 23:22

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