Entrevista a Eurico Monteiro - Ministro da Promoção de Investimentos e Fomento Empresarial e Ministro da Modernização do Estado e Administração Pública
Começando pela questão do emprego e da formação profissional: quais são, neste momento, as principais prioridades do Governo nestas áreas?
O nosso ecossistema está montado no sentido de responder às necessidades do mercado de trabalho. Todos os anos, com base nas necessidades apuradas junto das empresas, projectamos um plano de formação profissional, através da Direcção Geral do Emprego. Neste momento, os grandes desafios têm a ver com o aumento da qualidade, ou seja, com termos uma maior qualificação do sistema. É neste sentido que estamos a avançar com um projecto de modernização de infra-estruturas para a formação profissional. Estamos a modernizar infra-estruturas de formação: vamos duplicar a capacidade do CERMI, com mais oficinas e ateliers, temos um novo centro na Praia, e remodelações em Santa Cruz, Porto Novo e Fogo. Em São Vicente, estamos a montar um novo centro de formação profissional e vamos abrir um pólo da Escola de Hotelaria e Turismo. A nossa preocupação tem a ver com a modernização das infra-estruturas, mas também com as novas tecnologias, área para a qual existe uma grande apetência. E queremos também melhorar a qualificação dos formadores. Ou seja, pretende-se criar todo um ambiente para que a aprendizagem seja melhor e mais eficiente de modo a aumentarmos o padrão de qualidade da formação. Repare-se que, de forma geral, a taxa de empregabilidade é elevada, o que demonstra também a qualidade da formação. Uma outra prioridade é estimular a participação das pessoas no sistema de formação profissional. Para tal, temos acções de divulgação intensa, mas também vamos ao encontro das pessoas, das comunidades, com o programa “IEFP na Zona”. A massificação e a qualidade da formação são as nossas duas grandes prioridades.
Já existia gratuitidade para os níveis 1 e 2 do Cadastro Social Único (CSU), mas havia queixas, de algum desfasamento entre a realidade das famílias e o nível em que estavam enquadradas. Essa gratuitidade passa agora a abranger todos os níveis. O que motivou esta decisão? Essa linha de massificação do acesso?
Às vezes há, de facto, problemas na correspondência real entre a vida das pessoas e o CSU. Por outro lado, não queremos que qualquer tipo de constrangimento financeiro seja um obstáculo ao acesso ao sistema de formação profissional. Vivemos num mundo em que as pessoas aspiram ao ensino superior, mas o mercado precisa de maior diversidade: precisa de licenciados, sim, mas também de electricistas, soldadores, técnicos de montagem de painéis solares, entre outros. A economia precisa, e com a apetência que existe pela formação, qualquer constrangimento financeiro pode tornar-se um obstáculo. Procuramos também fazer uma melhor valorização da formação profissional e temos verificado que, apesar das dificuldades, existe hoje mais valorização do que no passado. Mas precisamos de trabalhar mais esse aspecto. Muitas vezes, as pessoas não têm informação suficiente, não só sobre as taxas de empregabilidade, mas também sobre a rendibilidade. Todos sabemos quanto custa um bom canalizador ou um bom pedreiro. São profissões que têm hoje uma remuneração relativamente boa, sobretudo quando são profissionais qualificados.
É o Fundo de Emprego e Formação Profissionalque vai suportar este apoio. Está garantida a sustentabilidade? Quais os montantes previstos?
Fizemos o estudo de impacto e o alargamento da gratuitidade, esta isenção de propinas, custará ao Estado cerca de 45 mil contos, não mais do que isso. Estamos também a estudar outras medidas, e o Governo está muito empenhado nesta questão, pois o problema não se resume às propinas. O transporte é uma dificuldade real. Existe já um subsídio de transporte, mas é limitado: só abrange deslocações longas. Por exemplo, não abrange a cidade da Praia, de uma ponta à outra. Quem vive em Achada Grande ou Achada São Filipe e precisa de chegar ao CERMI tem dificuldades. Portanto, estamos a avaliar a capacidade financeira para alargar esse apoio. Há também um subsídio de residência, destinado a quem vai viver em outras ilhas. O objectivo é garantir a equidade e a universalização do acesso. Talvez não possamos cobrir tudo, a 100%, mas estamos a analisar formas de reforçar as subvenções. Só anunciamos o que já está assegurado, como a gratuitidade, mas iremos concluir, nos próximos dias, os estudos sobre eventuais alargamentos que tenham um impacto financeiro suportável para o Fundo.
Quantas pessoas deverão beneficiar da isenção de propinas?
A nossa projecção, baseada no histórico, é de cerca de 4 mil formandos por ano. Os estudos de mercado em curso poderão ajustar esse número, mas sem grandes alterações. Abrange tanto centros públicos como privados.
Na semana passada foi lançado o portal Kre+. De que forma esta iniciativa pode articular melhor empresas, centros de formação e formandos?
Podemos, de facto, melhorar a articulação. Às vezes, as empresas queixam-se de que precisam de profissionais e não há oferta formativa suficiente, mas, em alguns casos, até pode existir. Depois da formação, precisamos de uma bolsa de emprego, mas não há o hábito de procura nessa bolsa. Mesmo quem está desempregado nem sempre se inscreve. Quer isto dizer que temos que melhorar essa articulação, que tem de ser permanente, tanto “a montante”, quando planeamos a formação, como “a jusante”, após a sua conclusão. Hoje, não se anda de porta em porta a oferecer emprego, nem se publicam anúncios em jornais. Temos de usar as plataformas digitais e, ao mesmo tempo, criar o hábito dos desempregados e das empresas de um melhor entrosamento com os centros de formação profissional. Pensamos que o Kre+ pode ser uma ferramenta importante. No fundo, trata-se de reunir todos os actores do ecossistema da formação profissional: juntar os diversos centros de formação, os empregadores, os formandos e todos os interessados na formação. É um portal único para a formação e empreendedorismo, onde se encontra toda a informação concentrada, e que vai integrar-se no portal único dos serviços digitais do Estado. Mas não é um canal apenas informativo; é também um canal de serviços. Permite inscrever-se, escolher formações, submeter candidaturas e acompanhar o processo. Do lado dos empregadores, é possível consultar as formações disponíveis, datas, e até sinalizar vagas disponíveis nas suas empresas. Ou seja, promove um verdadeiro entrosamento. Entretanto, vamos realizar um Fórum [a 4 de Junho] com todos os actores do ecossistema da formação profissional, universidades, técnicos, empresas e instituições empresariais, para debater estas questões e criar mecanismos de articulação mais eficazes.
E, em última instância, diminuir o desemprego jovem?
Temos um estudo ligado à Universidade de Santiago, para nos ajudar a compreender o que se passa.Designadamente, perceber por que temos uma taxa de desemprego jovem relativamente elevada, à volta de 23%, quando as empresas se queixam da falta de mão-de-obra e um sistema de formação profissional com vários atractivos. Além disso, por exemplo, entre a população imigrante, a taxa de desemprego é bastante mais baixa, na ordem dos 2%, no geral. Entre os jovens, essa taxa anda à volta de 8%, ou seja, quase três vezes inferior. É preciso um trabalho técnico e científico para analisar o fenómeno, que não resulta apenas da falta de articulação entre os diversos sectores. Há outros factores que precisam de ser estudados e debatidos para podermos encontrar respostas que sejam mais assertivas.
Dentro desse ecossistema da formação, que lugar têm as aspirações dos jovens?
Os jovens procuram emprego e muitas vezes não o encontram, o que também tem a ver com as expectativas elevadas. Creio que é um fenómeno global. Quando massificamos o sistema de ensino, quando se dá mais oportunidades - e hoje temos o ensino secundário gratuito -, as expectativas vão aumentando. Agora, temos de mostrar que a formação profissional não significa um abaixamento dessas expectativas. Temos vários níveis da formação profissional, inclusive a escola técnica, que tem vindo a ser socialmente valorizada e tem uma taxa de empregabilidade elevada e um retorno financeiro acima da média, por vezes até superior ao do funcionalismo público. Portanto, como disse, precisamos de valorizar mais a formação profissional, para criar maior apetência entre os jovens.
Entretanto, temos assistido ao aumento da emigração. A que atribui esta tendência?
Nunca houve tanta facilidade de emigração como hoje. Com o envelhecimento da população na Europa, mas também com as oportunidades de emprego criadas pelas empresas em vários pontos do mundo, há um movimento global. E este movimento também existe em Cabo Verde, nos dois sentidos: de quem sai para economias mais avançadas e dos imigrantes de vários países africanos que vêm para cá. Às vezes, ouvimos dizer que os jovens saem porque estão desesperados ou sem perspectivas, mas é importante perceber que este é um fenómeno global. Por exemplo, num inquérito em Portugal, 73% dos jovens disseram querer emigrar, obviamente para economias mais desenvolvidas. No passado, os cabo-verdianos procuravam países como Senegal, Guiné-Bissau ou Angola; hoje, há países africanos a procurar Cabo Verde. É preciso também ter isto em conta, não podemos olhar apenas para um lado. A resposta à emigração é conhecida: criar condições para reter os nossos jovens. Mas não é fácil. Mesmo que melhoremos muito, dificilmente atingiremos os níveis dos países mais desenvolvidos, que também continuam a evoluir. As economias mais avançadas estão constantemente à procura de mão-de-obra, e torna-se difícil competir. É como no futebol: um jogador pode ganhar milhões num clube, mas muda-se se encontrar melhores condições noutro. Em vez de tentar resolver o problema de forma global, geral, às vezes é mais factível criar programas e incentivos específicos para sectores específicos. Creio que Cabo Verde deve focar-se, então, em sectores específicos, como saúde, educação ou transição digital; criar incentivos específicos para esses sectores e garantir condições atractivas para manter esses profissionais. Esta abordagem pode não ser popular, mas ter programas muito gerais é extremamente complicado, dada a desigualdade que existe na distribuição da riqueza mundial, entre países.
Critica-se que Cabo Verde forma para a emigração. Por outro lado, também compete ao Estado dotar os seus cidadãos das melhores ferramentas possíveis. Da sua experiência, inclusive como embaixador em Portugal, os cabo-verdianos estão preparados para os desafios globais?
Em regra, os jovens cabo-verdianos em Portugal têm oportunidades e relativa facilidade em encontrar emprego. O maior problema que se coloca hoje a esses jovens tem a ver com o custo de vida, fundamentalmente por causa da habitação. É difícil encontrar um emprego que permita residir numa habitação com alguma dignidade. Mas, uma coisa é certa: não temos outra solução que não a de fazer formação e fazê-la de forma massificada. Não podemos prever quem vai emigrar, nem impor contratos que impeçam quem se forma de sair do país. Portanto, o nosso papel é oferecer o máximo de formação. Se as pessoas saem, pelo menos sabemos que têm melhores oportunidades lá fora. Ao mesmo tempo, vamos criando melhores condições para as pessoas em Cabo Verde, o que também depende muito dos empregadores. Eles sabem que hoje enfrentam uma concorrência global e têm que fazer um esforço para melhorar instalações, salários e ambiente de trabalho, para reter os seus quadros. Portanto, os empregadores têm de ser uma parte activa da solução. Trabalhadores satisfeitos são mais produtivos e há maior qualidade no trabalho.
Essas condições de trabalho não podem ser só regidas pelo mercado. Como o governo pode garantir melhores condições e salários para os trabalhadores, quando a oferta e procura não têm impulsionado um aumento significativo dos ordenados?
O governo tem agido com a cautela, porque sabe que o emprego é uma questão sensível. Há um quadro regulatório mínimo, com salário mínimo fixado por lei. E temos também o mecanismo de concertação social, que privilegiamos, e em cuja sede, em conjunto com as entidades empregadoras e sindicatos,procuramos compromissos para aumentos salariais. E fazemos isso por sectores. Por exemplo, no turismo, faz sentido um aumento significativo. Portanto, é preciso que, em sede de concertação social se chegue a um compromisso, em vez de recorrer à “força” da lei. Queremos o máximo de emprego possível, mas também não queremos empregos com salários de miséria. Queremos empresas capazes de pagar um salário digno.
Alguns que têm essa capacidade, não pagam porque não são obrigados.
Mas há o mercado internacional a começar a regular. Ou seja, este movimento global também tem um efeito positivo. Nestes últimos anos, em certos sectores, como o turismo, mas também a construção civil, os salários têm vindo a aumentar, no sentido da retenção dos trabalhadores. Mas, há outras questões além do salário, no que toca à emigração. Por exemplo, um canalizador que ganha 30 ou 40 contos por semana em Cabo Verde ainda quer emigrar para Portugal. Embarcar, emigrar, faz parte do nosso imaginário, da nossa condição de ilhéus.
Entretanto, que incentivos e estratégia para atrair investimento, em particular IDE?
Não temos a pretensão de fazer grandes transformações num curto espaço de tempo, mas, há algo simples que vai permitir melhorar a promoção de investimentos: informação de qualidade. Tornar a informação mais assertiva e densificada em termos do que realmente interessa aos empreendedores. Transmitimos uma imagem global, “macro”, do país, de que é bonito e estável, o que é de valor, mas já é conhecido. Agora, precisamos de segmentar essa informação para sectores específicos, destacando outros benefícios mais “micro” que podem ter um impacto muito importante na decisão de investimento. Temos um pacote fiscal atractivo para sectores estratégicos como turismo, indústria, transição energética e digital, temos iniciativas específicas, e também temos zonas especiais que precisam ser melhor divulgadas. Precisamos de fazer acções de formação mais direccionadas a segmentos específicos do mercado externo. O contexto mundial instável, como o actual, com as questões tarifárias e outras, pode ser uma oportunidade para Cabo Verde, que tem acordos de exportação com os Estados Unidos, África e Europa. Cabo Verde pode funcionar como uma plataforma para esses mercados, que são muito maiores do que o mercado interno, até mesmo o mercado turístico. Muitas empresas portuguesas não sabem, por exemplo, que produzindo em Cabo Verde podem exportar para o mercado europeu com condições preferenciais. Nesta lógica, lançámos recentemente o portal do Balcão Único de Investimento (BUI-CV), que integra todos os principais agentes no mesmo sistema. É também de observar que o importante, quando há manifestação de interesse, é a capacidade de resposta rápida. Promover investimento não adianta se demoramos meses a responder: o investidor segue para outro destino. Ora, a nossa capacidade de resposta, de facto, ainda está aquém do desejado e precisa de ser mais rápida e ágil. Isso depende de dois factores: qualificação técnica para fazer a análise e atitude para responder rapidamente. Podemos ter bons técnicos, com qualidade técnica, mas sem a atitude certa e a proatividade para responder com celeridade, não funciona.Este ecossistema digital facilita, porque não só permite o contacto do investidor com todos no sistema, como permite perceber quem está com o dossiê e há quanto tempo. Com papéis, documentos físicos, é difícil de controlar. Aqui, conseguimos controlar o fluxo e a responsabilidade. Além disso, queremos revisitar o quadro normativo, pois pequenas alterações podem fazer grande diferença e remover entraves desnecessários ao investimento. Eu quero que a minha agenda de trabalho sejam os vossos problemas, porque queremos investimento. Investimento sério, credível, e estamos disponíveis para analisar o nosso quadro institucional, incluindo o normativo, para perceber quais são os estrangulamentos, as dificuldades. Onde se pode agilizar? Que obstáculos podem ser removidos? Estamos a construir a construir essa página, ouvindo os parceiros, como as câmaras de comércio, a Câmara do Turismo, associações empresariais, entre outros. A ideia é perceber as reais dificuldades e, com base nisso, criar uma agenda de agilização. Não são mudanças profundas, mas são pequenas coisas que podem fazer uma grande diferença.
Na semana passada foi divulgado o Índice de Prestação de Serviços Públicos.
Estamos em 12ª posição em 54 países, o que parece muito bom, mas entre os 5 arquipelágicos, estamos a meio da tabela. Isto acontece também outros rankings. Como vê estas classificações?
As Maurícias e as Seychelles começaram este processo muito antes. Estamos a aprender um pouco com eles e com outros países. Nós temos a Unidade da Competitividade, um sistema que permite identificar os principais estrangulamentos no desempenho das empresas e dos serviços. Acredito, estou convencido, de que quando for publicado o novo ranking, que substitui o antigo Doing Business — agora chama-se Business Ready ou B-Ready —, Cabo Verde vai estar muito melhor posicionado. Porque estamos a fazer acções que, embora nem sempre muito visíveis, são importantes. Por exemplo, ver o tempo levado para fazer alterações no capital social no cartório notarial, ou para levantar a mercadoria da alfândega. Para reduzir essa demora, está a ser feita uma análise, começando pelo do quadro regulatório e identificando exigências legais que complicam os processos. Esta revisão examina cada pilar e dificuldade, incluindo o quadro institucional. Temos, pois, uma agenda de reforma, através da Unidade da Competitividade, com uma equipa muito forte e apoio do Banco Mundial, a trabalhar isto.
Para finalizar, há algum outro tema que esteja, no momento, no centro das atenções do Ministério?
A área de empreendedorismo é importante. Apesar das dificuldades e não obstante a necessidade de aceleração, os dados do Instituto Nacional de Estatística, no quadro do empreendedorismo, mostram que estamos no bom caminho. As coisas estão a andar. Em finais de 2023, existiam em Cabo Verde 18.191 empresas, das quais 82% são micro e pequenas empresas. Mas o mais relevante é ter havido um incremento de perto de 10% no número de empresas que passaram a ter contabilidade organizada. E tivemos uma taxa de crescimento das médias empresas, uma taxa de crescimento significativa das grandes empresas e uma diminuição ligeira das microempresas. Isto indica que, juntamente com uma maior formalização, com o aumento de empresas com contabilidade organizada, as empresas estão a evoluir de micro para pequenas, de pequenas para médias, e assim sucessivamente. É um dado muito positivo. E o número de pessoas ao serviço dessas empresas também aumentou consideravelmente. Quanto ao volume de negócios, temos em 2024 quase 381 milhões de contos, o que é também um aumento significativo se compararmos com 2020, quando foi de 251 milhões de contos. Portanto, esses dados mostram que a política de empreendedorismo está a funcionar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1227 de 4 de Junho de 2025.