São Vicente recebe apoios de todo o lado

PorSheilla Ribeiro,24 ago 2025 17:09

A tragédia provocada pelas chuvas de 11 de Agosto em São Vicente desencadeou uma onda de solidariedade sem precedentes. De todas as ilhas do arquipélago à diáspora espalhada pelo mundo, passando por empresas, artistas e cidadãos anónimos, multiplicam-se gestos de apoio para ajudar a ilha a recuperar dos estragos.

Na ilha de Santiago, jovens organizados através da campanha “Nu Djunta Mon pa São Vicente”, coordenada por Sidneia Gonçalves, estão a recolher donativos em vários municípios para apoiar as famílias afectadas.

“Temos jovens nos diferentes concelhos da ilha de Santiago, como Praia, São Domingos, Assomada e Calheta. Publicámos nas redes sociais os nomes e os contactos das pessoas de cada local que vão receber as doações, seja em dinheiro, em géneros alimentares, roupas, sapatos ou cobertores”, explica Sidneia Gonçalves ao Expresso das Ilhas.

A mobilização teve resposta imediata. “Já recebemos várias doações, sobretudo de jovens. Temos também a ideia de realizar um evento com vários artistas, sendo que o preço do ingresso será a doação de géneros alimentares. Estamos à espera do apoio de mais artistas antes da realização do evento e, enquanto isso, procuramos um espaço”, acrescenta.

Segundo a responsável, parte do material recolhido já foi enviado. “Na quinta-feira levámos donativos para o ISCEE (Instituto Superior de Ciências Económicas e Empresariais) e, no sábado, alguns seguiram também para o ISCEE e outros foram directamente para São Vicente, onde temos contacto com uma associação. Conseguimos arrecadar roupas, cobertores, loiças, comida, um pouco de tudo”, diz.

A iniciativa conseguiu encher pelo menos quatro viaturas com caixas de doações, sendo um Hiace, dois Hilux e um Galucho, provenientes de toda a ilha de Santiago.

“Mas ainda estamos a fazer recolhas”, refere Sidneia Gonçalves.

Empresários também aderem

O movimento solidário tem contado também com o suporte de empresários que, a título individual, se associaram à causa.

“Temos feito várias acções de solidariedade. Tenho financiado tanto iniciativas privadas minhas, como grupos de pessoas que querem recolher as ajudas em diferentes localidades da ilha de Santiago e que não têm possibilidade de pagar, por exemplo, o transporte para fazer a recolha. Financio esses grupos que têm andado por toda a ilha de Santiago, Sal, São Vicente, Santo Antão e Boa Vista. Tenho uma agência de viagens em todas essas ilhas e temos viaturas nessas ilhas também disponíveis para a recolha”, afirma Admirson Garcia, empresário.

O apoio, sublinha, é extensível a qualquer iniciativa que lhe chegue com pedido de ajuda.

“Ajudo todas as iniciativas que têm chegado até mim com pedido de suporte financeiro. Já recolhemos muitos galuchos cheios de donativos, o que me deixa um pouco surpreendido com os badius, porque têm ajudado incrivelmente. As pessoas têm doado desde roupas, alimentos, água. E o que mais me toca é ver quando as pessoas mandam água. Também fiz uma doação pessoal junto do ICCA (Instituto Cabo-verdiano da Criança e do Adolescente)”, acrescenta.

A única preocupação do empresário é se as ajudas vão realmente chegar a quem precisa, quando doadas a instituições ou a pessoas que começaram a fazer recolha agora.

Movimento cultural

Também o sector cultural tem dado o seu contributo. O cantor SOS Mucci explica que, através do seu manager e de outros parceiros, nasceu o movimento “Sol pa São Vicente”, constituído por artistas, agentes e representantes da cultura cabo-verdiana.

“Criámos o movimento Sol pa São Vicente, um movimento 100% de agentes, de artistas e de representantes da cultura de Cabo Verde para fazermos a nossa parte. Nos últimos dias estivemos na angariação de tudo o que é não perecível, desde alimentos, roupas e tudo o que pudemos recolher para ajudar São Vicente. Estivemos na Praça Alexandre Albuquerque a angariar. É a nossa forma de colaborar, de demonstrar que estamos todos juntos, que somos um povo, uma nação e que juntos somos mais fortes”, afirma.

O cantor salienta que há muita contribuição da população, desde o Tarrafal e várias localidades da ilha de Santiago, bem como de empresas.

“Criámos uma conta solidária em nome da Diocese de Mindelo, onde as pessoas têm contribuído. Não temos uma data de fim para esta campanha, porque sabemos que as coisas continuam a acontecer e vai ficar aberta até sentirmos que o que poderíamos fazer está feito”, revela.

Sobre a possibilidade de organizar um espectáculo solidário, SOS Mucci considera que o momento exige sensibilidade.

“Falar agora de um show beneficente é um pouco sensível porque, mesmo sendo artistas, devemos entender que não é o momento de festejar. Apesar de ser uma boa causa, neste momento devemos ajudar sem pensar em receber nada, apenas usar a nossa imagem para incentivar as pessoas a contribuir”, sublinha.

As doações recolhidas em Santiago são enviadas directamente para a Diocese de Mindelo.

“Quisemos trabalhar directamente com entidades credíveis, porque o tema de dinheiro e ajuda é sensível e não queremos que passem para outras mãos”, afirma.

Diáspora e plataformas online

A diáspora, na internet, tem promovido várias campanhas solidárias, como, por exemplo, a Associação Maense em Portugal. Já na plataforma GoFundMe, existem mais de 15 campanhas activas, incluindo “Amor Pá Soncent Nu Djunta Mon”, lançada no dia 11 de Agosto, que já ultrapassou os 170 mil dólares de uma meta inicial de 22 mil, com a previsão de chegar a 190 mil.

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Entre os projectos que têm liderado esforços fora do território nacional está o Zé Luís Solidário, liderado por Zé Luís Martins, que tem conseguido mobilizar doações em diversos continentes.

“Nesse momento, nos EUA, temos 13.585 dólares arrecadados; em Cabo Verde, na conta do nosso projecto, temos 155 contos doados, e na Europa recebemos 1.556 euros. Quanto aos bens, nos EUA já temos quase 48 tambores cheios com alimentos, roupas e artigos de higiene pessoal, e 18 caixas grandes com roupa, comida, roupa de cama, toalhas de mesa, toalhas de banho e lençóis”, indica.

Em Cabo Verde, o projecto conseguiu recolher doações em todos os concelhos, de roupas e comida.

“As doações que fizemos em Cabo Verde já começaram a chegar a São Vicente e ainda estamos a receber ajuda”, prossegue.

O mentor do projecto sublinhou que, apesar de estarem sediados nos EUA, conseguiram expandir a campanha para a Europa e para Cabo Verde em apenas uma semana após as chuvas.

“Mesmo sem representantes na Europa, conseguimos mobilizar as pessoas. Como temos muitos tambores e caixas, se pagássemos por unidade para enviar para Cabo Verde, ficaria muito oneroso. Estamos a estudar a possibilidade de alugar um contentor, que sai mais em conta”, explica.

O projecto opera directamente em São Vicente, sem parceiros locais, e conta com voluntários para a organização e distribuição das doações.

“Temos três pessoas que nos concederam os seus armazéns e garagens em São Vicente, onde colocamos as doações, que depois são distribuídas. Temos os nossos membros do projecto na ilha e, em São Vicente, contamos com oito membros. Também há muitos jovens que se voluntariaram. Já começaram a ir a algumas zonas mais afectadas e iniciaram a distribuição”, detalha.

Zé Luís Martins alerta para a necessidade de organização na entrega da ajuda.

“O projecto reuniu-se com a Polícia e a Protecção Civil para obter a lista das pessoas que perderam tudo. Há quem tenha perdido tudo, outros perderam metade ou apenas alguns bens. A duplicação de ajuda é algo que me preocupa. Nesse sentido, defendo a criação de um gabinete onde todas as ajudas para São Vicente pudessem entrar.”

“Assim, teríamos registo de quem recebeu ou não, das doações recebidas e distribuídas, evitando a duplicação. Já tentámos trabalhar com a área social da autarquia local, mas é impossível, não conseguimos contacto. Ainda assim, estamos disponíveis para colaborar”, diz.

Sobre prioridades, Zé Luís Martins recorda a experiência do projecto em construção social.

“Nos últimos cinco anos, o Projecto Zé Luís Solidário construiu 15 casas, mas 13 mil dólares não dão para uma casa social. Quem deve preocupar-se com isso são as autoridades; nós, que estamos a ajudar, focamos noutras necessidades. Por isso, se todos nos juntássemos e definíssemos quem foca em quê, evitaríamos desorganização. Nas redes sociais há muitas ajudas, mas a questão é: estará a ajuda a chegar às famílias?”, questiona.

“Esse é o nosso medo. Já estamos há cinco anos no terreno; outros há 30 ou 20 anos, mas há pessoas que só agora começaram a ajudar. Se algo correr mal, todos seremos prejudicados. Precisamos de nos organizar”, defende.

A solidariedade chega também da diáspora na Suíça

Elsie Ramos, da UniCap, uma associação cabo-verdiana sem fins lucrativos, explicou que o grupo, criado em Setembro de 2024, trabalha para realizar cirurgias em Cabo Verde com uma equipa médica suíça, além de outras especialidades médicas.

“Para São Vicente lançámos uma campanha para angariar roupas, produtos de higiene, um pouco de remédio como paracetamol, baseámo-nos numa lista que vimos nas redes sociais. Também angariámos materiais escolares, entre outros itens. A nossa campanha abrangeu muitas zonas da Suíça. Mas não é apenas a UniCap, fizemos isso em parceria com outras associações cabo-verdianas na Suíça e com a Federação, associações que trabalham outras áreas que não a saúde”, explica.

A mobilização envolveu ainda figuras públicas e espaços de grande visibilidade naquele país.

“Todos os donativos vão ficar ao encargo da Federação, mais uma pessoa que arranjou um contentor para enviar para Cabo Verde. Já temos, portanto, um contentor na Federação e outro fora da Federação. Tivemos muito sucesso na arrecadação. Há muita coisa e, por isso, vamos primeiro enviar um contentor para avaliar se vamos continuar com a campanha e só depois enviar o outro”, explana.

A associação prevê acompanhamento directo em São Vicente. “Há uma pessoa da Associação na Suíça que vai para lá, e esperamos que o contentor chegue quando ainda lá estiver. Entretanto, estamos a tentar parcerias com alguma associação local, caso o contentor chegue depois de nós”, sustenta.

Além da recolha de bens, a UniCap lançou também uma campanha de financiamento online.

“Fizemos um GoFundMe com o objectivo de ajudar na construção de casas. Há uma empresa suíça que vai para Cabo Verde para apoiar a construção, já que há muita necessidade. O nosso GoFundMe destina-se a entregar a essa empresa suíça e, se não for possível fazer tudo, o dinheiro será repassado a empresas locais”, enfatiza.

Todos por São Vicente

A Cabo Verde Airports redireccionou fundos do Festival da Baía das Gatas para acções de solidariedade, e colaboradores doaram parte dos salários; a TUI Care Foundation anunciou a criação de um fundo de emergência de 100 mil euros; a CVTelecom garantiu apoio financeiro e pacotes de comunicação; o Grupo Ímpar e o BCN disponibilizaram 10 mil contos e abriram uma conta solidária; e o BCA doou 5 mil contos, canalizados através da Câmara Municipal.

De Santo Antão, a Aliança dos Produtores Agrícolas assegurou entre 8 e 16 toneladas de frutas e hortaliças por mês e mais de uma centena de voluntários partiu para São Vicente para apoiar na limpeza.

A comunidade cabo-verdiana em Paris enviou centenas de quilos de bens essenciais pela TACV, enquanto a população da ilha do Sal remeteu três contentores de ajuda.

Apoios internacionais chegaram com donativos dos EUA, transporte pela Guarda Nacional de New Hampshire, o navio NRP Sines da Marinha Portuguesa e a promessa de cooperação do Luxemburgo. O Sport Lisboa e Benfica, através da sua Fundação, anunciou uma acção humanitária para doar medicamentos e equipamentos hospitalares.

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A Associação 12 Horas de Alto São Nicolau, em São Vicente, é uma das entidades que tem recebido donativos vindos de várias partes para depois distribuir. Com uma rede de contactos alargada, a associação mobiliza apoios, faz triagem e organização dos kits com bens de primeira necessidade e entrega-os a outras associações locais que conhecem melhor o terreno. Ao Expresso das Ilhas, a Associação revela que já actuou em mais de 18 zonas da ilha e mantém um sistema ágil de armazenamento e distribuição, garantindo que as ajudas chegam rapidamente às famílias mais carenciadas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1238 de 20 de Agosto de 2025.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,24 ago 2025 17:09

Editado pormaria Fortes  em  26 ago 2025 6:19

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