Depois do 12.º ano, onde e como continuar os estudos?

PorSheilla Ribeiro,31 ago 2025 14:33

Terminado o 12.º. ano, muitas famílias reflectem sobre os próximos passos dos filhos, no que diz respeito aos estudos. Nesse cenário o Brasil volta a surgir como uma opção atractiva, não apenas pelas oportunidades de bolsa, mas também pelo custo de vida mais baixo, quando comparado com Portugal. Aqueles que não conseguem arcar com os encargos do exterior, optam por Santiago ou São Vicente, sobretudo quando há apoio familiar.

Sheila Gonçalves vive na ilha do Maio. É mãe de cinco filhos e está a preparar-se, financeiramente, para mandar a filha mais velha para São Vicente, onde vai estudar Contabilidade.

Ao Expresso das Ilhas, Sheila confidencia que a escolha da ilha para o ensino superior foi essencialmente familiar e económica.

“Estudar fora de Cabo Verde nunca foi uma opção, não temos condições”, afirma a mulher, que trabalha como peixeira. Entre a capital e São Vicente, a escolha acabou por recair sobre esta última, onde reside o pai da jovem. “Ela escolheu São Vicente mais porque o pai dela está lá, onde trabalha. Não vou ter gastos com renda e alimentação”, reconhece.

Apesar de algumas facilidades, como a partilha de encargos com o pai da estudante, o esforço financeiro permanece significativo para a família.

“A mensalidade da propina custa 15 mil escudos mensais, e vamos dividir metade cada um. Eu vou ter que desembolsar todos os meses 7500 escudos, mais algum troco porque ela vai precisar de dinheiro para outras coisas”, reflecte.

Com quatro filhos ainda a seu cuidado, Sheila já começou a reorganizar as finanças domésticas. “Já comecei a fazer alguns cortes aqui em casa para começar a reajustar-me de modo a ter disponível essa quantia. Vamos ter que apertar o cinto”.

A jovem terminou o secundário com uma média de 15 valores e vai tentar uma bolsa de estudos, o que, segundo a mãe, poderá fazer toda a diferença.

“Já estamos conversadas e ela vai tentar uma bolsa porque é o que vai ajudar, e muito. Ao invés de mandar 12 mil escudos por mês, por exemplo, seria um alívio”, admite.

Peso no bolso

No caso de Helena Carvalho, dona de casa, mãe de três filhos, educação é um investimento que envolve organização, sacrifícios e, acima de tudo, escolhas conscientes. A filha mais nova terminou este ano o 12.º ano e quer seguir o curso de Odontologia, uma formação que não está disponível no país.

A jovem candidata-se a vagas no Brasil e em Portugal, mas a mãe prefere que a filha estude no primeiro, por considerar uma opção mais viável.

“Aconselhei a não procurar vaga para Portugal porque é um país que, sem bolsa, não vou mandar para estudar e é difícil conseguir bolsa. Para que ela estudasse, sem trabalhar, eu teria de mandar pelo menos 70 mil escudos mensais. Esse valor fica pesado de suportar”, reconhece.

Por isso, Helena pediu à filha que se focasse no Brasil, onde pode gastar uma média de uns 30 ou 40 mil escudos mensais. “Ainda assim, vai pesar no bolso”, constata.

Helena já tem experiência neste campo. O filho mais velho estudou na China com uma bolsa parcial e, mais tarde, deu aulas para ajudar nas despesas. A filha do meio, por sua vez, frequentou a Universidade Jean Piaget, em Cabo Verde.

Agora, é a vez da mais nova. “Ela é a última, só falta ela para estudar, os outros dois já estão formados, então ainda queremos custear”, diz.

Apesar dos encargos financeiros, a família tem conseguido equilibrar as contas, graças a alguma preparação prévia.

“Formar um filho não tem como não pesar no bolso. Mas temos casa própria, o que ajuda e muito. Não vou dizer que não vamos nos sentir sufocados, mas é menos um custo. Eu não vou mandar a minha filha para Portugal só para poder dizer que ela estudou fora de Cabo Verde. Não temos essa ilusão. Estudar aqui ou lá fora não tem nada a ver. Ela vai mesmo porque não temos aqui esse curso”, sustenta.

A experiência acumulada leva Helena a aconselhar outros pais a prepararem-se.

“Custear o ensino superior dos filhos é sempre um sacrifício. Não é porque não contamos com aquela despesa, mas sempre pesa nas outras despesas e outras coisas. É preciso organizar”, salienta.

Custo de vida em Portugal obriga estudantes a conciliar trabalho e estudos

Apesar das propinas reduzidas ao abrigo de acordos de cooperação, estudar em Portugal continua a ser um desafio para muitos jovens cabo-verdianos.

O elevado custo de vida, em particular o preço do alojamento, leva grande parte dos estudantes a procurar trabalho para conseguir manter-se no país. A realidade, segundo Áurea Borges, consultora na área da imigração, tem levado alguns a desistirem da formação ou nem sequer a iniciá-la.

Áurea Borges conhece bem essa realidade. Chegou a Portugal em 2018 para estudar em Aveiro e, pouco tempo depois, começou a prestar apoio a outros estudantes cabo-verdianos que, como ela, se deparavam com um sistema que nem sempre era fácil de compreender.

Hoje trabalha com estudantes espalhados por todo o país e presta orientação sobre documentação para vistos, integração académica, apoio na chegada e informações práticas sobre a vida em Portugal.

“O meu percurso começou em Aveiro, porque era a cidade onde vivia e estudava. Na altura, partilhava informações mais ligadas à Universidade de Aveiro, mas com o tempo fui a conhecer outras realidades e hoje trabalho com estudantes de todo o país”, explica.

Com o aumento da imigração nos últimos anos, e especialmente durante e após a pandemia, Áurea sentiu que havia uma lacuna na comunicação com os recém-chegados.

“Havia pouca informação disponível ou então estava escrita numa linguagem demasiado formal, difícil de compreender. Foi aí que surgiu a vontade de fazer um trabalho mais próximo das pessoas. Presto o tipo de apoio que gostava de ter tido quando cheguei cá”, sublinha.

Embora os estudantes oriundos de Cabo Verde beneficiem, geralmente, de propinas mais baixas devido ao acordo de cooperação entre os dois países, Áurea ressalta que esses valores continuam a ser elevados face ao contexto económico cabo-verdiano.

“Mesmo com propinas reduzidas, a maioria dos estudantes precisa de trabalhar. O apoio das famílias em Cabo Verde raramente é suficiente para cobrir todas as despesas”, aponta.

O custo da habitação é um dos principais entraves. “Arrendar um quarto em Portugal tornou-se cada vez mais caro. Muitos estudantes chegam sem ter um alojamento garantido e, às vezes, nem sequer confiam em arrendar à distância, por medo de serem enganados. Já acolhi colegas no meu alojamento por não terem onde ficar quando chegaram”, narra.

A falta de preparação prévia também pesa. “Há estudantes que nem chegam a iniciar a formação porque não se informaram bem sobre a cidade onde iam viver, sobre os custos ou a distância da universidade. Outros acabam por desistir porque não conseguem conciliar a vida académica com as exigências de um emprego, sobretudo quando não têm um apoio forte à chegada”, avalia.

Além do apoio aos estudantes, Áurea também é procurada por pais em Cabo Verde que procuram alguém de confiança para ajudar os filhos na chegada.

“Já tratei de matrículas em universidades, fui buscar alunos à estação, ajudei a pagar propinas, a encontrar alojamento. Já tive casos em que só conheci os estudantes dias depois de já ter tratado de tudo por eles”.

image

Apesar de hoje em dia muitos estudantes terem familiares ou amigos em Portugal, o apoio especializado continua a ser procurado.

Apoios institucionais ainda insuficientes

Nos últimos anos, o governo português passou a disponibilizar alguns serviços gratuitos para estudantes do ensino superior, como apoio psicológico e nutricional.

Para Áurea, essas iniciativas são importantes, mas não resolvem os desafios mais urgentes. “São apoios válidos, claro, mas não substituem as necessidades básicas, um quarto para dormir, dinheiro para comer, para o transporte, para o material escolar. E a realidade em Cabo Verde é muito diferente”, argumenta.

Alguns estudantes beneficiam de bolsas atribuídas pelo governo cabo-verdiano, mas, segundo Áurea, “essas bolsas também já não chegam para cobrir o custo de vida em Portugal”.

Para muitos, a única solução acaba por ser dividir o tempo entre as aulas e o trabalho. “Quem não tem uma rede de apoio sólida, precisa mesmo de trabalhar. E isso acaba por afectar o rendimento académico. Há quem leve mais anos para concluir o curso por causa disso”, reforça.

Brasil continua atrativo, mas carece de voos diretos

A presidente da Associação de Estudantes Cabo-verdianos na Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), no Ceará, apela aos jovens para considerarem o Brasil como destino de estudo e pede atenção das autoridades à necessidade de retomar a ligação aérea entre os dois países.

Embora o Brasil oferecer ensino superior gratuito, bolsas de apoio e um ambiente académico multicultural, muitos estudantes cabo-verdianos continuam a preferir Portugal como destino de estudos.

Para Kátia Silva, presidente da Associação de Estudantes Cabo-verdianos na Unilab, essa escolha nem sempre se justifica, sobretudo tendo em conta o custo de vida elevado em Portugal.

“O Brasil é uma excelente oportunidade para quem quer realmente estudar. Existem políticas públicas, apoios, bolsas de investigação e uma universidade como a Unilab que acolhe estudantes da lusofonia”, defende a jovem estudante residente em Redenção, no estado do Ceará.

Comparando com Portugal, Kátia sublinha que estudar no Brasil pode ser mais viável economicamente. “Aqui, há estudantes que sobrevivem com 500 a 1.000 reais (cerca de 17 mil escudos) por mês, dividindo casa com colegas. Eu, por exemplo, recebo uma ajuda de custo de 530 reais e complemento com uma bolsa de pesquisa. Em Portugal, o custo de vida é muito mais alto”, compara.

A presidente lamenta, no entanto, que o preconceito e a desinformação ainda afastem muitos jovens cabo-verdianos do Brasil.

“Quando se fala em estudar no Brasil, há sempre quem torça o nariz. Muitos têm uma imagem errada do país. Mas posso garantir que a qualidade do ensino é excelente e as universidades brasileiras estão muito à frente em termos de conteúdo”, reforça.

Um dos principais obstáculos à mobilidade académica entre Cabo Verde e Brasil é a falta de voos directos. Desde que a ligação aérea foi suspensa, as viagens tornaram-se mais longas, caras e difíceis.

“Estou há três anos no Brasil e ainda não consegui voltar a Cabo Verde porque a passagem está caríssima. Conheço vários estudantes que conseguiram vaga na universidade, mas não têm como vir”, associa.

Kátia apela, por isso, à retoma da ligação aérea entre os dois países. “É essencial que haja um voo directo. Isso facilitaria muito a vida dos estudantes e fortaleceria os laços entre Cabo Verde e o Brasil, não só a nível académico, mas também cultural e institucional”, salienta.

A jovem acredita ainda que os estudantes no Brasil são frequentemente esquecidos pelas autoridades cabo-verdianas, sobretudo quando comparados com os que estão em Portugal.

“Há uma dependência excessiva de Portugal. Tudo gira à volta de Portugal. E os que estão no Brasil ficam esquecidos, mesmo quando há visitas oficiais do governo ou do embaixador. Não somos tidos nem achados”, critica.

Apesar disso, a comunidade cabo-verdiana na Unilab vai-se mantendo activa e solidária. A associação presta apoio aos recém-chegados, desde o processo de candidatura até à integração no país.

__________________________________________________

Neste momento, o Programa de Bolsas de Estudos beneficia 3.560 estudantes, segundo os dados divulgados pelo Ministério da Educação.

O referido Programa beneficia actualmente 3.560 estudantes do Ensino Superior, tanto em universidades nacionais como no exterior, principalmente em Portugal e no Brasil.

Dos 3.560, 3.029 são bolseiros em Cabo Verde, 257 em Portugal, 135 no Brasil, 63, diáspora e 76 outros países/ subsídio.

No ano lectivo 2024/25 foram atribuídas 30 bolsas para o Brasil, 1300 bolsas do Governo nas Instituições de ensino Superior Nacionais, 26 bolsas do Governo-diáspora, 60 Portugal.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1239 de 27 de Agosto de 2025.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Sheilla Ribeiro,31 ago 2025 14:33

Editado porSheilla Ribeiro  em  31 ago 2025 23:22

pub.
pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.