A decisão foi tomada no dia seguinte, 14, pelo primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, permitindo accionar o Fundo Nacional de Emergência, destinado, sobretudo, ao apoio às pessoas directamente afectadas.
O chefe do Governo deslocou-se aos municípios mais atingidos para uma avaliação “in loco” dos danos. Numa das vistas, em Santa Cruz, reforçou que o apoio será definido caso a caso, dada a diversidade de situações. Serão accionados diversos instrumentos de protecção aos agricultores e criadores com maiores perdas, subvenções destinadas a compensar quebras de rendimento e incentivos para a retoma imediata das actividades.
Também em missão ao norte da ilha, o Presidente da República, José Maria Neves, defendeu durante visita realizada esta terça-feira, 18, a necessidade de se ter políticas públicas municipais e nacionais urgentes e robustas, voltadas para a correção torrencial e o combate à erosão, face aos fenómenos climáticos extremos.
“É importante prestar atenção naquilo que os agricultores estão a alertar que é a continuidade do trabalho de correção torrencial e de combate à erosão”, afirmou, especificando que este trabalho deve incluir a construção de diques, a plantação de árvores, para que as bacias hidrográficas estejam mais preparadas.
Em Tarrafal, entende que o orçamento da câmara é limitado e que, para responder com urgência a situações deste tipo, é necessário que o Governo apoie rapidamente a reabilitação de algumas infra-estruturas urbanas e equipamentos económicos.
A visita do Presidente da República, que se estende por três dias, iniciou-se no Tarrafal com uma reunião com o presidente da câmara, seguida de rondas pelos principais pontos afectados, como a praia do Tarrafal, Ponta Lagoa e Fundo Fonton.
São Miguel
No município de São Miguel, interior de Santiago, os maiores estragos causados pelas precipitações concentram-se nas zonas rurais, onde bacias hidrográficas de São Miguel de Flamengo, Ribeireta, Ribeira-São Miguel, Canto Grande e a bacia de Ribeira Principal ficaram “totalmente desconfiguradas”.
Agricultores e criadores de gado perderam parte considerável dos seus cultivos e animais, arrastados pelas águas. Infraestruturas hidráulicas, diques, socalcos, reservatórios, muros de contenção, também ficaram prejudicados.
Somam-se a esses estragos as perdas consideráveis de terrenos produção agrícola, perdas de animais, rupturas nos sistemas de abastecimento de água e energia, bloqueio e encravamentos de comunidades, danos em infra-estruturas de ensino e em habitações de mais de quatro dezenas de famílias.
Uma situação, extremamente delicada para o povo de São Miguel, nas palavras do Presidente da Câmara Municipal de São Miguel, Herminio Fernandes, ao Expresso das Ilhas. Estima-se em 10 dias a ligação a todas as comunidades encravadas, sendo que até o momento foi restabelecido o acesso a 75% delas.

Não fala em um ano agrícola perdido, considerando ser prematuro esta análise, mas admite que os estragos são enormes. Cita, por outro lado, ganhos em matéria de reforço de aquíferos e de lençóis freáticos, que poderão beneficiar a disponibilidade hídrica futura.
“São Miguel está num estado de calamidade total, sobretudo a nível das zonas do interior, onde houve deslizamento de terras em todas as comunidades e bacias. A escola de Ribeira Principal foi duramente afectada”, lamenta o autarca.
Herminio Fernandes avalia que, nos próximos meses, a economia municipal estará condicionada. Daí que apela à solidariedade da comunidade internacional, do Governo e de todos os parceiros a fim de apoiar e dar o suporte necessário para a retoma da economia e do dinamismo do sector agropecuário.
Santa Cruz
Os danos são consideráveis, a nível do município de Santa Cruz, atingindo todas as oito ribeiras agrícolas. Três delas - Cumba, Ribeirão Almaço e Cabeça Horta - registam estragos “gravíssimos”, com Cumba a sofrer 90% de destruição. Estes são dados relevados pelo Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, à Rádio de Cabo Verde (RCV).
De acordo com Carlos Silva, vários poços de água de rega ficaram assoreados, com perda de 12 a 13 motores de bombagem, além de danos significativos em tubagens e reservatórios.
As fortes enxurradas provocaram perdas totais e parciais de habitações, sobretudo na zona de Ribeira dos Picos, o que representa uma grande preocupação à autarquia.
Outro grande problema tem a ver com zonas gravemente encravadas, como é o caso de Rebelo, Ribeirão, Almaço, Matinho, Boa Ventura. “Vamos aproveitar a situação de calamidade para ver até que ponto podemos, junto do Governo, encontrar uma solução definitiva para estas localidades”, sublinhou.
Até ao momento, já foi restabelecido o acesso nas estradas ao norte, em direção à Calheta de São Miguel, mas as equipas continuam no terreno a melhorar acessos nas restantes localidades afectadas.
Carlos Silva considera Santa Cruz como um dos concelhos mais prejudicados do ponto de vista económico, no que tange à agricultura e pecuária. Enquanto “celeiro de Santiago”, fica a preocupação da possibilidade de uma crise de alimentos e prejuízo na segurança alimentar nacional, já que abastece também mercados de outras ilhas.

Agora, com olhos postos na recuperação, dá a garantia de que Câmara vai apoiar a população naquilo que puder, nomeadamente na manutenção de poços, reservatórios e dos apoios com o Fundo de Inclusão Financeira. Espera, neste contexto, um apoio muito rápido do Governo e dos parceiros.
Tarrafal
O município do Tarrafal contabiliza uma vítima mortal, e danos materiais significativos, num impacto descrito como “nunca antes registado”.
Em declarações a Inforpress, José dos Reis, presidente da Câmara Municipal do Tarrafal, revelou, que as enxurradas afectaram habitações, estradas e zonas de produção agropecuária, entre as quais Fundo de Fontom, um dos mais importantes polos produtivos do concelho.
Nesta localidade, as famílias perderam criações, hortas, animais e registam-se ainda danos nas infra-estruturas hidráulicas que estavam em construção com financiamento de parceiros, sobretudo de Espanha.
Com as chuvas, embarcações foram arrastadas para o mar, mas "felizmente foi possível recuperá-las, com o apoio dos homens do mar”. Troços das estradas nacionais foram danificados e algumas famílias ficaram em situação de risco devido ao estado de degradação das suas habitações.
Da avaliação feita pela empresa Águas de Santiago, identificaram-se várias rupturas, perdas de água, fugas e danos em diferentes troços da rede, além de estragos em infra-estruturas físicas como abrigos de furos e casas de manobras. Problemas que exigem intervenção urgente.
Mas o maior lamento é a perda de António Horta Varela, conhecido por “Bercídio”, de 62 anos, que foi arrastado para o mar pela forte corrente das chuvas, em Porto Formoso, enquanto se deslocava numa viatura acompanhado por mais duas pessoas. Berícidio natural do município de Santa Catarina, residente na Holanda, encontrava-se em Cabo Verde a gozar as férias com a família.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1251 de 19 de Novembro de 2025.
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