"O que estamos a fazer é uma espécie de vistos CPLP" - Augusto Santos Silva

PorJorge Montezinho,20 jul 2018 13:18

​Mobilidade foi a palavra-chave da XII conferência de chefes de Estado e de Governo da CPLP. Os cidadãos pedem-na, os empresários desesperam por ela e até já os políticos admitem que é fundamental. É claro que não acontecerá num passe de mágica, mas a presidência da CPLP por Cabo Verde poderá acelerar o processo, que será sempre faseado, como explicou ao Expresso das Ilhas o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal.

De que tipo de mobilidade estamos a falar? E para quem? Mais importante, talvez, quando será possível circular livremente pelos países da comunidade? O Expresso das Ilhas falou com Augusto Santos Silva, Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, para tentar encontrar respostas para estas questões. “Para começar”, diz o governante português, “é preciso distinguir duas coisas para perceber bem o que está em causa, uma coisa é o regime de viagens de curta duração, tipicamente, viagens turísticas. Essas viagens implicam visto para os países em relação aos quais a União Europeia exige visto, que é a generalidade dos países da CPLP. Neste caso, e os vistos que são concedidos são os chamados vistos Schengen, porque o acesso a Portugal significa o acesso aos países europeus que fazem parte do espaço Schengen e as regras que Portugal tem de utilizar são as regras de Schengen. E portanto os vistos são concedidos em função dos requisitos preenchidos pelas pessoas, isso é um caso”.

“Outro caso, completamente diferente, é o relativo às autorizações de residência. Nesse caso, são vistos de longa duração, são autorizações, que normalmente são feitas numa base anual e renovadas para as pessoas trabalharem, estudarem ou residirem, se forem, por exemplo, reformados, em Portugal”.

A proposta que Cabo Verde e Portugal apresentaram na CPLP diz respeito a estas autorizações de residência. Por exemplo, para entrar em Portugal as pessoas têm de ter um visto, mas depois em Portugal têm, ou não, a autorização de residência para poderem estudar, para poderem trabalhar, para poderem empreender, ou para poderem residir. “O que nós propomos”, explica Santos Siva, “é que neste caso as autorizações de residência sejam atribuídas automaticamente no universo da CPLP, e o único critério que é necessário preencher é o critério da nacionalidade. Se um moçambicano pedir uma autorização de residência em Portugal para estudar ela é-lhe concedida. Porquê? Porque ele é moçambicano. Se um guineense pedir uma autorização de residência no Brasil para estudar ela é concedida, porquê? Porque ele é guineense, e assim sucessivamente”.

À primeira vista, parece simples, mas para que este regime seja possível são precisas três condições: primeiro que as habilitações académicas dos países da CPLP sejam reconhecidas uns pelos outros. “Se eu tiver um visto para residir no Brasil para frequentar um ensino superior de arquitectura, mas não me for reconhecida a minha habilitação académica do 12º ano, não faz qualquer sentido”, resume o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal. A segunda condição é que as qualificações profissionais sejam também reconhecidas, “isto é que um engenheiro brasileiro possa trabalhar em Portugal, que um técnico de manutenção industrial português possa trabalhar em Angola, e assim sucessivamente”. E a terceira condição é a chamada portabilidade dos direitos sociais, “isto é, se eu trabalho durante dez anos em Cabo Verde, desconto para a segurança social em Cabo Verde, mas devo poder, quando me reformar em Portugal, que estes dez anos que descontei em Cabo Verde possa contar para a pensão em Portugal e reciprocamente”.

“A melhor maneira que tenho para explicar isto é por uma comparação”, diz Santos SIva. “Neste momento temos os chamados vistos Gold em Portugal, isto é, estrangeiros podem ter uma autorização para residir em Portugal durante um ano, renovável, com a possibilidade de agrupar a família, etc., se investirem mais de meio milhão de euros, em aquisição de imobiliário, em transferência de capitais, ou criando postos de trabalho. O que estamos a fazer é uma espécie de vistos CPLP. O critério deixa de ser a transferência de capital ou investimento, mas passa a ser a nacionalidade de países da CPLP. Esta é a proposta e é muito simples”.

E a grande dúvida, estes vistos CPLP serão para toda a gente? “A proposta portuguesa e cabo-verdiana é para toda a gente, agora há aqui duas ou três dificuldades”, sublinha o governante português. “A primeira é que por vezes se confunde esta mobilidade com a isenção de vistos para as viagens de turismo, isso não é possível, porque Portugal tem de aplicar as regras de Schengen e não pode ter regras próprias nos vistos até 90 dias. A segunda dificuldade é haver o receio que isto possa significar uma fuga de cérebros por exemplo de Moçambique para Portugal ou para o Brasil, do Brasil para Portugal, de São Tome e Príncipe para Angola, descapitalizando os países com níveis de desenvolvimento menos avançados em relação a outros. Compreendemos este receio, mas o nosso argumento é chamar atenção para a realidade empírica, isto é, os fluxos de migração, no médio prazo, tendem a compensar-se. Já houve uma altura em que os jovens portugueses demandavam o Brasil, agora há mais um percurso em sentido contrário, mas a médio prazo isto tende a equilibrar. A terceira dificuldade é de implementar isto de um dia para o outro, e dai que a proposta de Cabo Verde faz sentido: estamos de acordo que devemos avançar com maior liberdade de circulação no interior da CPLP, estamos de acordo que não é possível avançar já para toda a gente, por isso vamos avançar primeiro para estudantes e professores, para artistas e agentes culturais e para agentes económicos e empresariais. E vamos ver que dificuldades coloca antes de generalizar”, concluiu Augusto Santos Silva.

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Autoria:Jorge Montezinho,20 jul 2018 13:18

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  12 abr 2019 23:23

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