Uma destas condições, como afirma José Luís Santos nesta entrevista, é a construção de um hospital adequado à dimensão da ilha não só para diminuir o número de evacuações inter-ilhas, como também para permitir que os operadores possam se sentir mais seguros quando fazem um investimento. A questão dos assentamentos informais e as medidas que a câmara municipal em parceria com o governo vem tomando para a reabilitação desses assentamentos é outro tópico desta entrevista. A pouco mais de um ano do término do mandato o edil boa-vistense anuncia que gostaria de contar com o apoio do seu partido para a sua recandidatura, “mas caso eu não poder contar com esse apoio, vou assumir mais uma candidatura independente”, adverte.
Como decorrem as actividades celebrativas do Dia do Município?
As festividades do Dia do Município e de Santa Isabel decorrem desde os primeiros dias de Maio com um vasto programa municipal que vai desde a cultura, desporto, urbanismo, saneamento e ambiente até várias inaugurações. Não propriamente lançamentos de primeira pedra, mas do arranque de várias obras estruturantes na ilha da Boa Vista. Por isso nós acreditamos que – aliás, essa é a opinião unânime da população – que as festas têm decorrido muito bem. Irão culminar amanhã [a entrevista foi realizada esta segunda-feira] com variadíssimas actividades.
A perspectiva é que em 2021 Cabo Verde possa atingir um milhão de turistas. Boa Vista está preparada para esse aumento significativo de visitantes?
Boa Vista não está preparada. Temos estado a trabalhar para preparar a ilha para receber esse forte aumento do número de visitantes. Naturalmente que a ilha não está preparada, porque nós herdamos uma situação muito difícil, pois os vários hotéis que foram construídos trouxeram grandes desafios à ilha – desde logo o desafio da habitação, do saneamento, da saúde, da educação, da requalificação e da formação profissional dos jovens. Ou seja, um conjunto de desafios para as quais a ilha não estava nem está ainda preparada. Mas estamos a trabalhar em parceria com o governo para criar as condições para minimizar os efeitos do crescimento turístico. Queríamos aqui particularizar alguns. Por exemplo, a habitação. Como se sabe, fruto da negociação com o governo, passaram para a Câmara Municipal cerca de 394 apartamentos Classe A do programa Casa para Todos e dentro de dias vamos alojar nesses apartamentos o mesmo número de famílias do bairro de Boa Esperança que vivem em situações precárias para, imediatamente, demolirmos as barracas. No espaço onde elas se encontram vamos lotear os terrenos para vender, propiciando desta forma o surgimento de habitações condignas. Também, em parceria com o governo, está já em fase adiantada a infraestruturação de um lote de 8,5 hectares para a construção de um novo assentamento. A primeira fase já foi concluída. Porque era uma salina, consistiu na elevação da quota do solo em 60 centímetro e estamos agora no segundo lote já em fase muito avançada. Estamos a infraestruturá-lo com água, esgotos, energia e arruamentos para, pela primeira vez na história da Boa Vista, passarmos a disponibilizar terrenos completamente infraestruturados para que as pessoas beneficiárias possam, logo após a construção de suas casas, terem todas as infraestruturas para não ficarem como na situação actual: muita gente já construiu, mas ainda não puderam habitar porque não têm água, não têm esgotos, não têm absolutamente nada. Ainda nesta questão da habitação, devo dizer que recentemente o governo e a câmara municipal assinaram um contrato de empreitada para a construção de habitações, onde vamos, daqui a algum tempo, disponibilizar cerca de 300 apartamentos para também continuarmos a dar uma contribuição muito importante para a erradicação dos assentamentos informais na Boa Vista. Mas só isso não chega. Nós temos que trabalhar juntamente com o governo para anteciparmos os problemas e não ficarmos sempre a fazer o papel de bombeiros. Isto é, estar a correr atrás da resolução dos problemas dos assentamentos informais. Para isso é importante a colaboração da população, porque sem essa colaboração é impossível estancar esse mal. Mas estamos a trabalhar, felizmente com o governo, para deixarmos a nossa marca na governação boa-vistense.
Há um ano li uma notícia com este título: “Boa Vista: servir no luxo, viver no lixo”. O cenário ainda persiste.
Não sei quem escreveu essa peça, mas compreendo. O jornalista queria dizer que há muitos cabo-verdianos, nomeadamente na Boa Vista, que trabalham em hotéis de luxo e no final do dia regressam para as barracas. É um facto. Por isso é que estamos a trabalhar no combate aos assentamentos informais. Na questão anterior que me colocou poderia referir-me também à requalificação de cerca de 60% do bairro de Boa Esperança. É uma obra muito importante, financiada pelo Fundo do Turismo com a contribuição do governo e da câmara municipal. Já requalificamos uma parte do bairro com água, esgoto, energia e arruamentos e hoje quem vier para Boa Vista poderá constatar uma situação completamente diferente à herdada no bairro de Boa Esperança.
Afirmou que os grandes investidores resistem em pagar impostos e querem enriquecer deixando o mínimo possível na ilha. Porque é que a câmara municipal não acciona os mecanismos legais da sua competência?
É uma situação muito complicada. Infelizmente, da parte de alguns operadores temos assistido a alguma resistência em pagar impostos. Temos aqui hotéis que resistem inclusive a pagar a taxa da recolha do lixo. Nós entendemos que as empresas lutam para ganhar o máximo possível, mas nós queremos na Boa Vista investidores que também colaborem pagando as suas obrigações para que efectivamente a ilha possa se desenvolver e possamos trabalhar para melhorar a questão das acessibilidades, melhorar a questão do saneamento, dos arruamentos e que a ilha também ganhe com o desenvolvimento do turismo. Portanto, nós queremos que os operadores ganhem, mas queremos também que a ilha ganhe com o desenvolvimento do turismo. É claro que a legislação cabo-verdiana cria um conjunto de incentivos para que os operadores possam investir em Cabo Verde. Acho muito bem que se crie esses incentivos. Agora, a lei não permite que os operadores criem estratégias para fugir às suas obrigações, portanto ao pagamento de impostos. Portanto, aí a fiscalização deve ser cada vez mais cerrada para evitar que estratégias deste tipo façam escola na Boa Vista e em Cabo Verde, prejudicando claramente a ilha da Boa Vista e o país.
Portanto a fiscalização está a falhar.
Naturalmente. Aliás, um dos grandes problemas que temos em Cabo Verdetem a ver com a nossa capacidade de fiscalização e inspecção. Ou seja, as leis cabo-verdianas em muitas áreas são muito boas, mas depois não temos a capacidade de fiscalizar o cumprimento dessas mesmas leis. Portanto, temos de cada vez mais criarmos melhores condições de fiscalização e de acompanhamento da aplicação da legislação cabo-verdiana, neste caso para os operadores turísticos.
Qual tem sido o impacto da Lei do Álcool e a Lei do Grogue numa ilha turística como Boa Vista?
Ainda não sentimos o impacto das duas leis aqui na Boa Vista, mas seguramente vai ter um impacto positivo. Eu não tenho dúvidas nenhumas em fazer esta afirmação. Não se conhece o impacto ainda, porque a lei está nos primórdios da sua aplicação, mas seguramente vai ter um impacto positivo. Aliás, em termos per capita, Boa Vista é a ilha que mais álcool consome em Cabo Verde. Espero que esta legislação seja efectivamente aplicada para diminuir o consumo de álcool porque uma ilha ou um país cujos jovens consomem muitas bebidas alcoólicas é um país ou uma ilha sem futuro. Daí esperarmos que essa legislação venha a contribuir para diminuir consideravelmente o consumo do álcool para o bem dos jovens da Boa Vista.
Tem afirmado recorrentemente que Boa Vista precisa de um hospital. Quando pensa que será concretizada esta reivindicação?
Continuo a afirmar que Boa Vista precisa efectivamente de um hospital. Um hospital à sua dimensão, com equipamentos de diagnóstico suficientes para ajudar a ilha a trilhar o seu percurso de desenvolvimento. Como sabe, Boa Vista é a ilha que faz mais evacuações inter-ilhas, para a Praia e São Vicente. Mais, o turismo só poderá afirmar-se na Boa Vista se forem criadas melhores condições no sector da saúde. Portanto, nós reclamamos e entendemos que o governo deve envidar todos os esforços para não só ampliar o actual Centro de Saúde e elevá-lo à categoria de hospital, mas também dotá-lo de recursos materiais e humanos suficientes para, desta forma, diminuir consideravelmente as evacuações e, por outro lado, permitir que os operadores possam se sentir seguros quando fazem o seu investimento. Só para citar um exemplo: há tempos eu recebi um investidor nórdico que me disse ‘eu já adquiri um lote de terreno, penso construir um hotel de luxo da Boa Vista, mas só farei isso quando tiverem um hospital com um mínimo de equipamentos de diagnóstico e médicos especialistas. Enquanto isso não acontecer não vou investir na Boa Vista, porque os nórdicos, neste particular, são muito exigentes e não investem o seu capital onde a questão da segurança do ponto de vista da saúde não estiver garantida. Esta é uma questão muito importante que o governo deve quanto antes trabalhar no sentido da ultrapassá-la.
O que tem o governo perspectivado?
Eu sei que neste momento decorrem obras de ampliação do Centro de Saúde. O governo tem-se mostrado disponível para fazer este tipo de upgrate nas infraestruturas da ilha da Boa Vista, mas neste momento ainda não se sente esta medida. Vontade há e por isso nós continuamos a reivindicar melhores condições de saúde para a ilha da Boa Vista. Como eu disse há pouco, refiro-me a condições de infraestruturas, mas também de meios de diagnóstico e recursos humanos qualificados para que esta ilha não se sinta cerceada no seu percurso de desenvolvimento. Há um elevado potencial de desenvolvimento turístico na ilha da Boa Vista, mas se não forem criadas essas condições, ficaremos de certa forma constrangidos e condicionados neste particular.
O seu mandato está a chegar ao fim. No caso de se recandidatar irá contar com o apoio do MpD?
Eu não sei se eu irei contar com o apoio do MpD. Eu sei que gostaria de contar com o apoio do meu partido. Eu tive um percurso assinalável como militante e dirigente do meu partido e o país sabe porque é que assumi o desafio de uma candidatura independente. Portanto, eu estou disponível a conversar com o meu partido, porque nunca deixei de ser militante, continuo a pagar religiosamente as minhas quotas. Sou um democrata convicto e gostaria muito de poder contar com este apoio do meu partido. Mas caso eu não poder contar com esse apoio, vou assumir mais uma candidatura independente. Desde sempre eu disse que pretendo fazer dois mandatos. Estou a trabalhar para cumprir com esse desiderato e materializar o meu projecto autárquico. É que o meu projecto autárquico não se materializa num só mandato. Como sabe, o primeiro mandato é mais para tomar o pulso à ilha e para tomar o pulso ao município. É um mandato de aquecimento. Já aquecemo-nos, já estamos a jogar e vamos querer continuar a jogar no próximo mandato para materializar o nosso projecto autárquico.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 918 de 3 de Julho de 2019.