"É possível pôr Cabo Verde no mapa dos investimentos americanos" - John Jefferson Daigle

PorJorge Montezinho,1 fev 2020 9:25

John Jefferson Daigle
John Jefferson Daigle

Com um sentido de humor desarmante e de gargalhada fácil, John Jefferson Daigle, o embaixador dos Estados Unidos da América em Cabo Verde confirma as palavras do antecessor: “Vocês vão mesmo gostar dele – vale a pena a espera”, como escreveu Donald L. Heflin, em Junho do ano passado. Há quase sete meses no arquipélago, Jeff Daigle recebeu o Expresso das Ilhas no seu gabinete para a primeira grande entrevista desde que chegou ao país.

Os Estados Unidos estabeleceram relações diplomáticas com a República de Cabo Verde logo após a independência, a 5 de Julho de 1975 e a Embaixada existe na Cidade da Praia desde 1978.

Um embaixador tem uma voz na escolha do seu destino? Se sim, porquê Cabo Verde?

Normalmente não temos poder de escolha, pelo menos os embaixadores americanos, geralmente, não têm uma escolha. O Departamento de Estado e a Casa Branca trabalham em conjunto para identificar os candidatos para os diferentes postos, mas se tivesse opção de escolha, Cabo Verde estaria no topo da lista. Estou a gostar muito do tempo que tenho passado aqui, tenho ficado impressionado pela maneira calorosa como fui recebido, e essa forma calorosa tem sido uma honra para mim. Claro que Cabo Verde e os Estados Unidos têm muito em comum, temos uma longa história juntos e partilhamos valores comuns. Estou deliciado com o facto de ser o embaixador dos Estados Unidos na República de Cabo Verde!

O que mais o surpreendeu até agora?

(Silêncio) É uma boa questão (sorriso). Eu fiz muita pesquisa sobre Cabo Verde, tive a oportunidade de ter muitas consultas com várias agências norte-americanas e estive com o embaixador Veiga em Washington, acho que sabia bastante sobre Cabo Verde antes de chegar. Por isso, surpresa… Acho que uma das coisas que mais me surpreendeu foi a diversidade entre as diferentes ilhas, cada ilha é tão única, tem a sua própria cultura, topografia, geografia, tão diferentes de ilha para ilha, inclusive falam um crioulo diferente em cada ilha, penso que isso foi o que mais me surpreendeu, a diversidade do país.

Uma vez que é um construtor de pontes entre os dois países, o que tem dito nos Estados Unidos sobre Cabo Verde?

(Risos) Muitas das coisas que disse no início desta conversa, que Cabo Verde e os Estados Unidos partilham uma longa história e valores comuns. Os Estados Unidos apoiam muito os esforços cabo-verdianos de crescimento económico através do mercado e do desenvolvimento do sector privado. Claro que isso se alinha perfeitamente com as políticas para África da administração actual e queremos ver como podemos dar um impulso a estes esforços de Cabo Verde. Claro que temos também a cooperação para a segurança e estamos a ver como a podemos fortalecer, porque temos uma boa história de cooperação nessa área, Cabo Verde tem um bom histórico em termos de segurança na região e essa é uma das questões que continuamente abordo com os meus colegas em Washington, para que eles percebam o quão valiosa é esta relação bilateral para ambos os países.

Que programas tem planeado para Cabo Verde?

Os dois em que estamos mais empenhados, os que são mais importantes para nós num contexto bilateral são a promoção do crescimento económico e a cooperação para a segurança. De longe, são os mais importantes. De um ponto de vista pessoal, estou muito interessado em promover a língua inglesa. Fui professor de inglês e percebo o poder que as habilitações na língua dão às pessoas.

Qual espera que seja a sua maior realização enquanto embaixador dos Estados Unidos em Cabo Verde?

(Risos). Penso que as coisas que mais espero ver acontecer são aquelas sobre as quais não posso falar neste momento (risos). Por isso, veremos daqui a dois ou três anos se algumas das grandes ideias que tenho se convertem em realidade. Tudo o que puder fazer para ajudar a reforçar a cooperação na área da segurança entre os nossos dois países, tudo o que puder fazer para ajudar a cooperação económica, tudo o que podermos fazer à volta disso deixar-me-á muito feliz.

Então, em dois ou três anos veremos o impacto que espera deixar no país?

(Sorriso) Talvez até mais cedo possamos ter boas novidades e grandes coisas.

Não me quer dizer nada sobre isso?

Não (risos), detesto subir as expectativas, mas posso dizer que, actualmente, Washington está muito ciente das oportunidades que existem nas relações bilaterais. Tivemos bons encontros no Departamento de Estado, na Casa Branca, com o Departamento de Comércio, onde analisámos todas as possibilidades de cooperação conjunta entre os dois países. Estou muito satisfeito com o entusiasmo actual em Washington à volta das relações bilaterais. É claro que gostava de ter todo o crédito (sorriso), mas Cabo Verde teve um representante maravilhoso em Washington, o embaixador Carlos Veiga, que fez um trabalho fantástico ao representar o país junto do governo americano. Penso que, juntos, construímos uma boa estrada de entendimento e criámos um entusiasmo em Washington para as relações bilaterais.

Na página da embaixada, as viagens que fez em Cabo Verde para conhecer o país e contactar com as pessoas. Esta proximidade, na sua opinião, é a maneira como a política deve ser feita?

Não vou tocar no assunto da política (risos), mas posso dizer que, do ponto de vista bilateral, as embaixadas dos Estados Unidos têm o foco no contacto entre pessoas. Em certos aspectos, é ainda mais importante do que as relações com os governos. Os governos vão e vêm, mudam, as pessoas não. Penso que isso é algo de que o governo norte-americano se apercebeu ao longo dos anos, que é importante ter relações próximas com as pessoas dos países que nos recebem. Estou muito orgulhoso do que estamos a fazer neste contacto directo com os cabo-verdianos.

Qual é o estado actual das relações económicas entre Cabo Verde e os Estados Unidos?

Penso que poderiam ser mais fortes e, novamente, é algo que me daria muita satisfação fortalecer essa relação. Penso que as empresas e os empreendedores norte-americanos não conhecem muito sobre as oportunidades que existem em Cabo Verde. O Fórum de Investimento que o governo teve em Boston, no Outono passado, foi um grande passo para mostrar aos empresários norte-americanos porque devem começar a olhar para Cabo Verde como parceiro comercial. Estou a procurar maneiras para impulsionar a imagem de Cabo Verde junto da comunidade de negócios americana. Um dos projectos em que o governo cabo-verdiano quer muito o investimento norte-americano é no cabo submarino Amílcar Cabral e estamos a procurar encontrar, através do programa chamado linha directa, uma forma de juntar à mesma mesa o governo de Cabo Verde, os técnicos, a embaixada dos EUA e, do lado norte-americano, termos o Departamento de Comércio e empresários norte-americanos, para falarmos dessa oportunidade em particular. Pensamos usar esse programa para outras questões económicas, incluindo os projectos actuais de concessão dos portos, de privatização da companhia eléctrica, da empresa de medicamentos. Há tantas iniciativas por parte do governo e precisamos de despertar os empresários norte-americanos para estas oportunidades.

Acredita que é possível pôr Cabo Verde no mapa dos investimentos norte-americanos?

Absolutamente. O fórum de Boston foi muito importante e estamos a construir sobre essa iniciativa. Aliás, logo após o fórum o secretário de estado Gilberto Barros teve várias reuniões de seguimento do fórum, em Washington, que estimularam o interesse do Departamento de Comércio e dos parceiros comerciais. Eu regressei em Dezembro, durante a inauguração da nova rota da Cabo Verde Airlines, e estou muito optimista porque estamos a chamar a atenção dos empresários norte-americanos em Cabo Verde.

Há planos para trazer empresários norte-americanos ao arquipélago?

Claro, adoramos receber empresários americanos. De facto, têm havido já algumas delegações comerciais, uma de Boston esteve cá nos inícios de 2019 e penso que correu tudo muito bem, há planos para a vinda de outras. Esperamos uma de Atlanta em Fevereiro/Março. Tivemos outro pequeno grupo cá há apenas duas semanas à procura de oportunidades de investimento. É algo que encorajamos, que os empresários norte-americanos venham, que vejam como são as coisas no terreno, e nós podemos arranjar maneira de se encontrarem com os seus homólogos cabo-verdianos, com o governo, para que possam explorar as oportunidades.

Cabo Verde é praticamente um vizinho do outro lado do oceano. Em termos turísticos, haverá a possibilidade de pôr o país no radar norte-americano?

Penso que isso é algo em que o governo cabo-verdiano está muito empenhado. Mas terá de haver uma mudança na maneira como o sector do turismo cabo-verdiano publicita o destino para o mercado norte-americano. Terá de ser muito diferente do marketing para o mercado europeu. Os americanos viajam de forma muito diferente dos europeus, e já falei disso com o Ministro do Turismo sobre a necessidade de marketing digital direccionado para os turistas americanos. Quando os turistas americanos fazem um plano de viagem vão à Internet, muito raramente usam agências de viagem, muito raramente viajam em grupos, por isso quando alguém vai à Internet e procura por “resorts de praia” ou “viagens para praias” precisam de ter acesso a informação sobre Cabo Verde, informação sobre o Sal, o top das praias mundiais, etc., por isso penso que precisam de ter um marketing digital mais forte para o público americano. E também adaptado ao gosto americano, as expectativas em relação aos hotéis, às excursões, são diferentes. Estou disponível para dar conselhos aos actores do sector do turismo. Tudo precisa do seu tempo, mas consigo ver isto a acontecer, é como a história da galinha e do ovo, o que vem primeiro? Neste caso, alguma coisa terá de vir primeiro e penso que os voos directos são um grande primeiro passo.

Em relação à comunidade cabo-verdiana que vive nos Estados Unidos, pensa que é importante que essa comunidade saiba o que quer para o seu futuro? Que tenha a noção, por exemplo, do seu peso político, social e económico nos EUA?

Não gostaria de falar em nome da diáspora cabo-verdiana. Penso que têm representantes muito fortes e o meu papel é representar os EUA em Cabo Verde, por isso não seria apropriado falar sobre política americana ou o papel da diáspora cabo-verdiana na política americana. Dito isto, há duas associações cabo-verdianas muito fortes no Massachusetts, uma sediada em Boston e outra em Brockton, quando estive em Boston encontrei-me com representantes dos dois grupos e tivemos uma óptima troca de ideias. Fiquei muito impressionado com o dinamismo na diáspora. Se deviam ser ainda mais dinâmicos ou fazer mais, deixo isso para que seja você a perguntar-lhes (risos).

Como vê a diplomacia, como algo uno, ou mais como a visão que tem surgido nos últimos tempos e que a divide em diplomacia económica, di­plomacia cultural, diplo­macia científica, etc.? No fundo, há uma só diplomacia ou várias diplomacias?

Sim! (risos) Claro que temos nichos de diplomacia porque precisamos de especialização. Eu sou um diplomata especializado em diplomacia pública e é por isso que sou um apoiante entusiasta da diplomacia para as pessoas e espero que as pessoas me vejam como alguém altamente habilitado nessa área (sorrisos). Mas se formos para a diplomacia científica, é uma diplomacia ainda mais especializada. A diplomacia económica, o mesmo. Mas todas têm de trabalhar em conjunto e enquanto embaixador é meu trabalho fazer com que todas estas diplomacias trabalhem juntas. Por isso, ambos. É preciso a especialização, mas temos de ter a certeza que todas trabalham em conjunto.

Os Estados Unidos estão a considerar reduzir a presença militar na África Ocidental. Isto pode significar uma desistência no combate ao terrorismo na sub-região?

Neste ponto, não acho que seja totalmente correcto usar a palavra “considerar”, tem havido notícias sobre o que pode acontecer, mas tanto quanto sei não há uma decisão final e neste momento há um debate nos Estados Unidos sobre onde devemos ter as nossas forças militares e infra-estruturas. Até haver um anúncio oficial, não diria que há algo em “consideração”. Vamos ver o que acontece, penso que haverá uma tomada de posição ainda esta semana.

Jeff Daigle, diplomata de carreira do Serviço Sénior de Relações Exteriores dos EUA, pertencente à classe de Ministro-Conselheiro, apresentou credenciais ao Presidente da República de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, como Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário dos EUA na República de Cabo Verde, em 28 de Junhode 2019.  O embaixador Daigle ingressou no Departamento de Estado em 1999 e, mais recentemente, trabalhou como DirectorExecutivo Interino da Comissão Consultiva na Diplomacia Pública dos EUA. Esta Comissão avalia as actividadesdo governo dos EUA com o objectivode compreender e informar o público estrangeiro, e comunicar as suas conclusões e recomendações ao Presidente, ao Secretário de Estado e ao Congresso. De Dezembrode 2016 a Julhode 2018, Daigle trabalhou como Directorde Gabinete do Subsecretário de Estado para a Diplomacia Pública e Assuntos Públicos, apoiando na supervisão estratégica das operações globais no valor de 1,2 biliõesde dólares, para a Diplomacia Pública e Assuntos Públicos do Departamento de Estado.  Daigle trabalhou previamente como Assessor Sénior no Escritório de Políticas, Planeamento e Recursos (2016); Coordenador Adjunto de Produtos, Bureau de Programas Internacionais de Informação (2014-2016); Vice-chefe de missão / Ministro-Conselheiro, na Embaixada dos EUA em Phnom Penh, Camboja (2011-2014); Responsável de Política e Coordenação de Diplomacia Pública, Escritório de Assuntos do Leste Asiático e Pacífico (2009-2011); Responsável de Diplomacia Pública, Equipa de Reconstrução Provincial de Babil, Iraque (2008-2009); Adido para a Área de Relações Públicas, Embaixada dos EUA em Phnom Penh, Camboja (2005-2008); Cônsul, Embaixada dos EUA em Paris, França(2002-2004); Responsável por Relatórios, Missão dos EUA nas Nações Unidas, Nova York (2001); e Assistente de Assuntos Públicos, Embaixada dos EUA em Abuja, Nigéria (1999-2001).  Antes de ingressar no Serviço de Relações Exteriores,o Embaixador Daigle ocupou vários cargos no sectorprivado e em organizações sem fins lucrativos. Foi DirectorExecutivo da Rede de AcçãoAmbiental da Louisiana em Baton Rouge, Louisiana (1988-1989); intérprete e facilitador de programas de desenvolvimento profissional na Walt Disney World em Orlando, Flórida(1989-1996); professor de inglês na província de Chiba, Japão (1996-1997); e instrutor corporativo regional para o Hibernia National Bank em Baton Rouge(1998-1999).  O embaixador Daigle possui um bacharelato em ciências políticas pela Universidade de Louisiana. Estudou francês, khmer e português e recebeu vários prémios de mérito e de honra superior por parte do Departamento de Estado.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 948 de 29 de Janeiro de 2020.

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Autoria:Jorge Montezinho,1 fev 2020 9:25

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  26 out 2020 23:21

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