A Covid não teve incidência negativa nas aprendizagens

PorAntónio Monteiro,4 jul 2021 8:34

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O ano lectivo do ensino básico e secundário que ora finda decorreu completamente sob o signo da Covid-19 e obrigou ao desdobramento de algumas turmas nos maiores centros urbanos. Já nos concelhos mais rurais as aulas foram ministradas em regime normal. Entretanto, diz o ministro da Educação, esta situação não teve impacto negativo nas aprendizagens. “Portanto, podemos dizer que o ano lectivo, não obstante as dificuldades, todas advenientes da covid, e face às contingências, decorreu dentro de alguma normalidade”, considera Amadeu Cruz.

Que balanço faz do ano lectivo ora findo?

Aquilo que podemos constatar é que não obstante a incidência da Covid-19 e da crise social e económica daí adveniente é que o ano lectivo decorreu dentro de alguma normalidade. Em alguns concelhos mais rurais temos uma situação bastante estabilizada, em que as aulas decorreram dentro do regime normal, mas nas cidades tivemos que desdobrar algumas turmas e, portanto, temos, digamos assim, duas velocidades nas aprendizagens. Houve uma velocidade mais lenta nas cidades e uma velocidade normal no meio rural. De todo o modo, em São Vicente, as escolas funcionaram dentro de alguma normalidade. Não tivemos muitas incidências da covid, nem tivemos necessidade de encerrar nenhuma escola em São Vicente. Aqui na Praia, tivemos necessidade de encerrar duas escolas, a Escola Secundária Cesaltina Ramos e uma outra escola básica. Mas também na Praia, genericamente, as aulas decorreram dentro da normalidade. Estamos numa grande cidade e, portanto, aqui tivemos necessidade de adaptar, fazendo funcionar as turmas em regime de alternância. Tivemos também de reduzir a carga horária, mas na verdade, mesmo aqui na Cidade da Praia, temos uma situação relativamente estável, mesmo tendo encerrado duas escolas não houve incidências negativas nas aprendizagens. No Sal também as aulas decorreram dentro da normalidade. Para dar agora exemplos de concelhos rurais, na Ribeira Grande, em Santo Antão, nós praticamente não tivemos necessidade de encerrar escolas, aqui em Santiago, por exemplo, em São Lourenço dos Órgãos, também não tivemos necessidade de encerrar escolas. Ou seja, temos uma situação normal em termos daquilo que pode ser considerado normal nestas circunstâncias.

Qual é a avaliação dos resultados das aprendizagens?

Estamos neste momento a concluir o processo da avaliação e temos informação que nos concelhos a avaliação está a decorrer tranquilamente. Em São Vicente tivemos algumas reclamações e tentamos resolvê-las. Aqui na Praia as coisas decorreram dentro da absoluta normalidade. Portanto, grosso modo, podemos dizer que o ano lectivo, não obstante as dificuldades referidas, todas adveniente da covid, e face às contingências, decorreu dentro de alguma normalidade. Aproveito para saudar e felicitar os professores que são verdadeiros heróis nestas circunstâncias, saudar os pais e encarregados de educação que confiaram no mistério da Educação, confiaram nas escolas e colocaram os seus filhos nos estabelecimentos de ensino e temos que saudar e agradecer toda a disponibilidade e colaboração dos pais. Naturalmente todos os nossos alunos, os funcionários das escolas, pois todos tiveram comportamento exemplar, não obstante o registo de um ou outro caso de covid nas escolas. Para concluir esta parte, devo dizer que as escolas não são, de facto, locais de transmissão da covid. Quase todos os casos que tivemos nas escolas foram casos importados da comunidade e não propriamente de transmissão dentro da escola. E mesmo assim, o número global de casos que tivemos nas escolas desde o início da pandemia até agora andará à volta de 900 casos. E se estivermos a falar de uma comunidade educativa de cerca de 120 mil pessoas, entre crianças, alunos, professores e funcionários, então a incidência da covid nas escolas nem sequer chega a 1%, o que é extremamente baixo mesmo comparado com outros países.

Quais são as perspectivas para o próximo ano lectivo que inicia no mês de Setembro?

Estamos a organizar o próximo ano lectivo, há já algum tempo de estamos a trabalhar na planificação, aceleramos agora um pouco. Um dos prossupostos é a vacinação dos professores, porque entendemos que devemos regressar à normalidade, no sentido de termos os alunos nas escolas em regime de aulas presenciais e a tempo integral. Tempo integral quer dizer que todas as disciplinas devem ter carga horária normal e os intervalos dentro da normalidade. Este é o principal objectivo do ministério da Educação – o arranque do ano lectivo com regresso efectivo, dos estudantes, dos alunos e dos funcionários ao contexto do ambiente escolar. Este é o grande objectivo. Por isso desencadeamos a campanha de vacinação dos professores que está a decorrer dentro de alguma normalidade, com sucesso em algumas ilhas, nomeadamente no Sal, em Santo Antão, em São Vicente, no interior de Santiago, mesmo aqui na Praia. Há uma adesão muito grande dos professores e dos funcionários ao programa de vacinação. Aproveito para lançar um apelo aos professores que ainda não aderiram, para aderirem ao programa, pois a vacinação é um prossuposto importante para a estabilização do funcionamento do próximo ano lectivo.

Quantos professores já foram vacinados até agora?

Temos cerca de 4.500 professores e funcionários vacinados. Estamos a falar de cerca de metade dos professores a nível nacional, sendo que em alguns concelhos quase a totalidade dos professores estão vacinados, como é o caso do Sal, mesmo de São Vicente, Ribeira Grande de Santo Antão e outros concelhos que já têm uma taxa muito grande. Aqui na Praia a taxa é ainda um pouco mais baixa, mas estamos a fazer um esforço no sentido de termos uma máxima adesão dos professores ao programa de vacinação.

Além do programa de vacinação, a outra prioridade do ministério é a recuperação das aprendizagens. Primeiramente, por que houve esse atraso?

Bom, houve atrasos porque tivemos que reduzir os tempos lectivos, tivemos que desdobrar as turmas e, portanto, houve no ano lectivo transacto que está a chegar ao fim agora, uma diminuição da carga horária e também durante o terceiro trimestre do ano lectivo 2019/2020. Aliás 19/20 foi mais grave porque suspendemos efectivamente as aulas e só tivemos aulas nas plataformas e aí houve um problema de abrangência. Então, agora temos necessidade de recuperar as aprendizagens, os conteúdos não disponibilizados durante o ano lectivo transacto e por isso estamos a adoptar um calendário lectivo em que vamos antecipar o início das aulas que está previsto para o dia 13 de Setembro. Contrariamente aos anos anteriores, vamos ter mais quinze dias de aulas logo no início; depois vamos dilatar o último trimestre a mais quinze dias de aulas e com isto estaremos a recuperar 30 dias lectivos. As interrupções lectivas, nomeadamente as férias de Natal, de Páscoa e as que coincidem com o Carnaval, serão interrupções mais curtas para possibilitar igualmente alguma recuperação. Além disso, estamos a ponderar, nos concelhos onde o atraso é mais significativo, termos aulas aos sábados para possibilitar o reforço da recuperação. Ou seja, estamos a trabalhar no sentido de, por um lado, ter os alunos nas salas de aula em tempo lectivo normal, com carga horária normal e ao mesmo tempo alargar o período de aulas por sensivelmente mais sessenta dias lectivos.

O que implicará uma sobrecarga da carga horário dos professores.

Não, nós não vamos encurtar as férias dos professores. Isto não. Nem agora neste ano lectivo que está a chegar ao fim, nem no próximo ano lectivo. Os professores terão os seus direitos salvaguardados; terão as suas férias dentro do período que está estabelecido legalmente, mas na fase mais lectiva os professores têm a obrigação de disponibilizarem o seu serviço a bem dos alunos. Nós decidimos aproveitar esse tempo mais para recuperar as aprendizagens; não vamos prejudicar os professores, mas entendemos que será um esforço para o bem dos alunos. Como eu disse, os professores merecem a minha maior consideração e estima e, portanto, tenho que reconhecer todo o esforço que fizeram até agora e antecipadamente agradecer toda a compreensão que os professores vão ter. E também os sindicatos, porque precisamos ter a colaboração dos sindicatos na implementação das orientações para o funcionamento do ano lectivo 2021/2022.

Às vezes os sindicatos exageram nas suas reivindicações, sem ter em conta o momento que atravessamos.

A primeira coisa que eu devo dizer é que eu respeito a opinião dos sindicatos. O ministro da Educação reconhece que o papel dos sindicatos é a defesa intransigente dos seus sindicalizados, neste caso, os professores. Eu considero que as reivindicações dos sindicatos, grosso modo, são reivindicações justas e equilibradas. Resta saber se todos nós, os contribuintes, estamos em condições de atender a todas as reivindicações dos professores. O ministro da Educação é igualmente ministro dos professores. Faço o máximo para atender as reivindicações dos professores, feitas directamente ou através dos sindicatos. Em segundo lugar, temos um diálogo normal com os sindicatos. Os sindicatos não escolhem o ministro da Educação, assim como o ministro da Educação não escolhe os líderes dos sindicatos. Então, eu tenho que respeitar os lideres dos sindicatos: respeito mesmo, sem reservas. Eles fazem as reivindicações que acham que são reivindicações justas, e sendo justas, logo são razoáveis. É por isso que há um clima aberto de tolerância, de respeito mútuo e é por isso que até agora temos conseguido um diálogo com os sindicatos. Também é preciso salientar que temos estado a resolver as questões dos professores. Nós, até o final do mandato, resolvemos situações que herdamos do passado, situações graves relacionadas com a falta do desenvolvimento das carreiras, falta de atribuição de subsídios por não redução de carga horária, requalificação dos professores e beneficiamos mais de sete mil professores com essas medidas de correcção das distorções nas carreiras. E, portanto, é normal que haja este tipo de clima de tranquilidade no relacionamento com os sindicatos.

Os manuais para o próximo ano lectivo que inicia dentro de pouco mais de dois meses já estão prontos?

Estamos a trabalhar na produção dos manuais, cerca de 60% dos manuais já estão disponíveis nos concelhos, mas é necessário continuar a produzir. Aquilo que eu prespectivo é que até 31 de Agosto teremos a totalidade dos manuais do ensino básico, primeiro ciclo e segundo ciclo, nos concelhos. Temos aqui uma ressalva: os manuais de língua portuguesa e de matemática do oitavo ano ainda estão em processo de elaboração, depois podem ser revistos e pode haver aqui um ligeiro atraso nesses dois manuais, mas, de resto, os outros manuais estarão disponíveis. Depois temos os novos manuais do nono ano que vamos introduzir e que estão agora a ser produzidos. Primeiro os programas, depois a concepção e produção dos manuais. Neste aspecto, temos a assistência técnica e científica da Uni-CV na elaboração dos programas e temos um protocolo com a Porto Editora para a concepção e produção dos manuais. Esperamos ter os manuais do nono ano a partir de Janeiro de 2022. Portanto, vamos iniciar o ano lectivo sem esses manuais novos do nono ano. Depois, do décimo ano a décimo segundo vamos anualmente introduzi-los conforme formos avançando na reforma do ensino secundário.

Consigo não vai haver os erros e gralhas que se verificaram nos manuais de matemática?

Não posso garantir. O que posso dizer é que a equipa está a fazer um esforço extraordinário para evitar gralhas, mas não posso garantir que não venha a surgir uma ou outra gralha nos manuais. Seria insensato da minha parte. Vamos fazer o máximo possível para evitar. Dou esta garantia: temos aqui a equipa mobilizada para trabalhar neste sentido, mas temos que ter a noção que isto não acontece só em Cabo Verde, é em todos os países. Como disse, pode haver uma ou outra gralha, mas esperamos que não surjam gralhas gritantes. Portanto, iremos fazer de tudo para que não haja gralhas, nem erros grosseiros nos manuais, mas pode haver uma ou outra gralha.

Num livro recente o autor afirma que a história recente de Cabo Verde no manual de história e geografia do 6º ano de escolaridade está mal contada. É necessária uma revisão?

Eu não sou historiador, mas não posso dizer que a história esteja mal contada. O que eu posso dizer é que pode haver uma perspectiva por detrás dos manuais, pode não ser uma perspectiva que abrange toda a sociedade. Tenho de fazer aqui uma ressalva: os manuais do 5º e 6º anos de escolaridade não foram ainda distribuídos, mas este ano vão ser distribuídos, mesmo tendo esses pontos de não-convergência. Mas deve-se ter em conta que o conteúdo em si pode ser um conteúdo enviesado na perspectiva do historiador. Com isto não estou a querer dizer que o historiador não esteja a fazer o seu trabalho do ponto de vista técnico correcto, mas poderá estar a olvidar-se de algum aspecto particular da história. Por isso é que a nível dos manuais de história temos necessidade de ter eventualmente uma comissão para fazer uma leitura e para garantir a neutralidade ideológica dos manuais de história. Esta neutralidade é importante, porque a neutralidade é que promove a coesão nacional, porque se enviesarmos os manuais de história, estaremos a criar uma mentalidade enviesada na juventude cabo-verdiana. Por isso é que precisamos ter uma história neutra, ensinar a história como ela é, mas sem a carga edeológica, portanto, sem a nossa própria leitura ideológica dos factos históricos.

Tem afirmado que o governo da legislatura anterior cumprindo o compromisso assumido expandiu o ensino técnico. Facto é que continuamos com apenas quatro escolas técnicas num universo de quarenta e tal liceus. É necessário reforçar o ensino técnico dentro dos liceus ou criar mais escolas técnicas?

Na verdade, temos quatro escolas técnicas, tivemos uma expansão do ensino técnico aqui na Praia e em São Vicente, mas é preciso ver que as crianças e os adolescentes frequentam o ensino secundário na perspectiva do ingresso no ensino superior. O ensino técnico tem duas valências: dá saída para o ingresso no ensino superior, mas dá saída profissional, portanto para o ingresso no mercado do trabalho. E então temos que reforçar a capacidade de as escolas técnicas formarem para o mercado de trabalho. É por isso que no actual programa do governo estarmos a perspectivar uma maior autonomia das escolas técnicas para poderem desenhar planos de formação adequados às vocações das ilhas e em função das prioridades de desenvolvimento nacional. É isto que estaremos a fazer. Se constatarmos que há necessidade de incrementarmos ainda mais o ensino técnico estaremos disponíveis para trabalhar esta questão, sendo certo que temos os centros de formação tecno-profissional que não são escolas, que não ministram formação para o ingresso nas universidades, mas formam para o mercado de trabalho. Então é esta sintonização entre o sistema de formação profissional, por um lado, e o sistema do ensino técnico, por outro, é que estaremos a trabalhar para termos as escolas técnicas como factores de empregabilidade e de desenvolvimento socioeconómico das regiões.

Este semanário conversou com reitores das universidades públicas e privadas e mostraram-se satisfeitos com a sua transição para o novo executivo e que, portanto, não vai haver rupturas e com a indicação de uma secretária de Estado para o Ensino Superior. O que se deve esperar mais desta equipa?

Não haverá rupturas, haverá continuação das medidas de política de reestruturação e adaptação das universidades em função também das necessidades do país: capacitar o capital humano cabo-verdiano para servir o desígnio de desenvolvimento económico, social, cultural e científico do país. Estaremos focados nisso, o ministro da Educação é igualmente ministro do Ensino Superior e da Ciência, temos uma secretária de Estado que vem da universidade pública, eu próprio também vim de uma universidade privada, e ela traz a sua experiência para reforçar e vamos fazer aqui uma equipa para atender às necessidades do ensino superior e, já agora, para implementar também a investigação científica que, como já tinha dito numa outra entrevista a este semanário, é o pilar mais fraco do sistema do ensino superior cabo-verdiano. Estaremos agora a lançar um olhar mais profundo, mais crítico se quisermos, mais envolvente das universidades. Temos tido um relacionamento normal, de cordialidade com os senhores reitores e com os senhores presidentes das instituições do ensino superior e assim continuará a ser. Poderá haver um ou outro ponto de divergência, mas deste ministro a sociedade poderá ficar sossegada que teremos aqui um espaço de diálogo, diálogo com os sindicatos, diálogo com as confissões religiosas, com as organizações da sociedade civil e, como não poderia deixar de ser, com os reitores e com os professores universitários para juntos construirmos um sistema de ensino cabo-verdiano resiliente, um sistema com qualidade e um sistema que responda aos anseios de desenvolvimento do país. Do básico ao superior estaremos focados na qualificação do sistema de ensino. A Uni-CV, a maior universidade de Cabo Verde vai para instalações novas dentro de meses; seguramente no início do próximo ano lectivo a Uni-CV estará a funcionar nas novas instalações e terá condições para ser a locomotiva da inovação dentro do sistema do ensino superior e particularmente para fomentar e incrementar a investigação. Contamos com as universidades e podem estar seguros que daqui, deste ministro, não saíra nenhuma iniciativa de ruptura. Estamos convencidos de que também da parte dos reitores temos toda a compreensão e toda a colaboração. Eles têm sido os pilares do sistema e nós continuaremos a contar com as universidades.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1022 de 30 de Junho de 2021. 

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Autoria:António Monteiro,4 jul 2021 8:34

Editado porAntónio Monteiro  em  17 abr 2022 23:20

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