Uma exposição de Péricles Barros: Lendo com as Acácias

PorAntónio Monteiro,8 ago 2025 15:41

Decorre, de 5 a 14 deste mês, no Instituto Internacional de Língua Portuguesa (IILP), na Praia, a exposição Lendo com as Acácias do artista Péricles Barros. A exposição reúne luminárias, pintura, escultura em ferro e madeira, peças de pedra e outras formas de expressão artística. Péricles Barros revelou que o título provém do seu labor profissional como engenheiro hidrólogo. “Passei 40 anos da minha vida a correr atrás da água e para mim esta planta tem uma particularidade muito especial, e que tem a ver com a disponibilidade de agua no geral. É uma planta dotada de robustez e resiliência extraordinárias, ela pode passar 3 a 4 anos sem água e sobreviver sem problemas. Tem um papel muito importante na mecânica de solos, mas, por outro lado, tem uma característica algo negativa pois é extremamente invasiva, vai buscar a água onde estiver, prejudicando a agricultura”. Entretanto, ressalta, é uma planta que tem uma tendência para contorcer e mostrar-nos algumas formas caprichosas, portanto uma verdadeira artista.

Como exemplo da sua asserção, Péricles Barros contou ao Expresso das Ilhas que nas suas idas a uma padaria onde guardavam lenha para combustível descobriu uma peça que faz jus à sua visão da natureza como uma artista maior. “É uma peça extraordinária, que creio não passaria pela cabeça de um escultor fazer uma coisa daquelas”. O artefacto encontra-se patente na exposição com a legenda Matcho e fémia . “Éuma peça na qual não mexi muito e de repente qualquer pessoa que olha para a peça vê um corpo de homem e um de mulher, mas perfeitamente equilibrado e uma coisa única. A partir daí eu comecei a estudar as formas da madeira e eu comecei a cortar algumas peças, levando para o meu ateliê e daí surgiu a ideia de fazer algumas luminárias, candeeiros”, conta.

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“Comecei pela pintura”

Com formação de base em engenharia hidrológica, Péricles Barros desde muito cedo fez da arte o seu hobby preferido. “Aprendi com a minha mãe a dar os primeiros passos. Comecei pela pintura. Já fiz várias exposições individuais e coletivas. Eu posso dizer que desta feita posso considerar que é a primeira vez que entrei a fundo na área da escultura com vários materiais, e o foco dessa exposição, pelo nome, Lendo com as Acácias pode-se ver mais ou menos do que se trata”, revela.

O engenheiro considera a arte como um bom escape para as agruras e pressões inerentes à sua profissão. Entretanto, confessa que não trabalha todos os dias, mas só quando lhe der na telha. Diz que prefere trabalhar no silêncio da noite, longe das distrações do mundo e das pessoas.

“Evidentemente que as esculturas não são feitas à noite, porque implica a utilização de ferramentas. Mas, particularmente na pintura, eu pinto à noite, e eu pinto quando me der na gana”, diz o artista.

Peças de arte não têm preço, têm valor

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A exposição-venda decorre até o dia 14, após o qual as pessoas que adquirirem as suas peças poderão levantá-las. O preço das peças varia entre os 10 mil e os 35 mil escudos. “Como se sabe, as peças de arte não têm preço, têm valor. E pôr um preço numa peça é uma coisa muito complicada. Não é como fazer uma peça de mobiliário,que leva tempo, leva material, e a gente tem que contabilizar aspetos bastante objectivos. Uma obra de arte é uma coisa diferente”, considera.

Quem é Péricles Barros?

Bom, eu sou natural da Boa Vista, cabo-verdiano como é natural. A minha formação de base é da área de engenharia hidrólica, sou engenheiro hidrólico, e faço arte desde muito cedo como hobby. Aprendi com a minha mãe a dar os primeiros passos. Eu comecei pela pintura. Já fiz várias exposições individuais e colectivas. Já fiz umas três exposições, fiz uma colectiva em Portugal também. Eu fui-me aventurando em várias áreas. Posso dizer que desta feita é a primeira vez que eu entrei a fundo na área da escultura com vários materiais e o foco dessa exposição, aliás, pelo nome, pode-se ver mais ou menos do que se trata: é Lendo com as Acácias. É uma história um bocado comprida, mas vou ser sucinto. Há de alguns tempos esta parte, como eu estou na área da fotografia também, eu sou um homem do mar, eu gosto da natureza, eu cheguei ao entendimento pessoal de que, como eu costumo dizer, o artista maior é a natureza. Eu tenho essa experiência de vários ângulos, inclusivamente da fotografia, por exemplo. Eu vejo um determinado panorama, eu faço uma fotografia, quando revelo a fotografia vou ver que não chega nem à metade daquilo que a gente vê. Querendo dizer que, é a minha opinião, há gente que pode não corroborar com esta opinião, mas eu entendo que a natureza é a artista maior. E porquê acácias? Eu como hidrólogo, passei 40 anos da minha vida a correr atrás da água e esta planta tem uma particularidade muito especial. É uma planta com uma robustez enorme, que pode passar 3 a 4 anos sem água e sobreviver sem problemas nenhuns. Tem um papel muito importante na mecânica de solos, mas, por outro lado, tem um aspecto negativo porque é uma planta extremamente invasiva e consome muito, vai buscar a água onde não está e às vezes prejudica a agricultura. Uma terceira valência desta planta é, digamos, as formas que adota. É uma planta que tem uma tendência para contorcer e mostrar-nos algumas formas caprichosas. E eu comecei por visitar uma padaria onde tinham lenha para combustível e descobri uma peça que, para mim, é uma peça extraordinária, que não creio que passaria pela cabeça de um escultor fazer uma coisa daquelas. Chama-se Homi e Mudjer, acho que é isso que eu tenho na exposição, uma peça na qual não mexi tanto e de repente qualquer pessoa que olha para a peça vê um corpo de mulher e um corpo de homem, mas perfeitamente equilibrado e uma coisa única. A partir daí, eu comecei a estudar as formas da madeira e comecei a cortar algumas peças, levando para o meu ateliê e daí surgiu a ideia de fazer algumas luminárias, candeeiros. Mas os candeeiros também têm que ter luz, naturalmente, e têm que ter uma protecção da lâmpada, que eu fiz com garrafas de vinho recicladas. E daí descobri, pronto, eu tenho uma acácia, tenho uma peça de madeira caprichosa, tenho luz, a luz tem alguma coisa a ver com visão, com leitura, e eu concebi um pequeno elemento, eu tenho que ser honesto comigo mesmo, não foi uma concepção completa minha, mas inspirei-me em outros artigos de outros artistas, eu fiz uma pequena forma metálica de um leitor estilizado, absurdo a ler, e eu conjuguei as duas peças e daí veio o nome, Lendo com as Acácias. Como pode ver pela brochura, é uma escultura em ferro e uma escultura em madeira com um acabamento com um vidro, por vezes os vidros das garrafas de vinho têm uma cor bonita, e eu consegui acoplar essas três ideias e saiu aquilo que eu chamei Lendo com as Acácias. É evidente que a exposição não é somente uma exposição de escultura tenho esculturas de vária natureza, não somente candeeiros ou luminárias. Eu tenho uma exposição também de fotografias, cerca de 20 fotografias que eu tenho acumulado ao longo dos anos. Algumas são de peças privadas, outras não. Portanto, a exposição tem duas vertentes: uma vertente de pintura e uma vertente de escultura. Portanto, é mais ou menos isso. Como eu disse, é a minha terceira ou quarta exposição. Eu faço isso por prazer e entendo que é, digamos, um bom escape para as agruras da profissão. A minha profissão sempre muito puxada em termos físicos. Nos últimos anos, eu tenho sido gestor de grandes projectos, mas na realidade o que eu gosto de fazer é tocar música e fazer arte. E esta foi, digamos, a minha última inspiração.

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Como um bom cabrer!

Como um bom cabreiro que eu sou, da Boa Vista, e é isso um pouco da minha história.

Quantas peças estão patentes na exposição?

São cerca de 40 peças. Eu tenho umas 20 peças de escultura soltas e eu tenho quase 20 pinturas de várias dimensões. Portanto, são 40 peças que eu estou acumulando nos últimos 3, 4 anos. Para dizer a verdade, cada peça, cada luminária leva-me talvez três ou quatro vezes mais tempo do que fazer uma tela. Uma tela faz-se numa noite, uma peça de escultura leva às vezes meses até se encontrar o equilíbrio e a harmonia entre o material e o conjunto em si, porquanto são peças muito preciosas para mim, porque cada uma delas consumiu-me imenso tempo até encontrar aquele ponto de equilíbrio.

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Trabalha todos os dias?

Nem todos os dias. Eu vou dizer-lhe, eu trabalho quando me der na telha. Agora, há uma coisa, eu tenho uma tendência para trabalhar à noite, quando há  silêncio. Evidentemente que as esculturas não são feitas à noite, porque implica a utilização de ferramentas, mas particularmente na pintura eu pinto à noite, e eu pinto quando der na gana, eu diria; e não acontece todos os dias. Por vezes, eu pego uma semana inteira, mas depois páro uns dias, eu faço por prazer, por inspiração.

Quando vamos ter a próxima exposição?

Esta exposição aqui decorre até o dia 14. É uma exposição-venda, e eu tenho um entendimento com as pessoas que estão interessadas nas peças para serem levantadas daqui a 10 dias, daqui a 15 dias. Decorre no Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) que eu aproveito aqui para agradecer publicamente todo o apoio que me deram. Quando souberam que eu tinha esta ideia, abriram logo as portas e disseram que eu era bem-vindo e que disponibilizariam dentro do possível todo o apoio que eu precisasse. Eu posso dizer que a nossa exposição está de conformidade com aquilo que eu sonhei.

Quanto custa cada peça?

As peças variam entre os 10 mil e os 35 mil escudos, dependendo de muita coisa. Como se sabe, as peças de arte não têm preço, têm valor. E pôr um preço numa peça é uma coisa muito complicada. Não é como fazer uma peça de mobiliário que leva tempo, leva material, e a gente tem que contabilizar aspectos bastante objectivos. Uma obra de arte é uma coisa diferente.  Uma obra de arte, às vezes você dá três pinceladas e cria algo que alguém pode dar um valor às vezes inimaginável. Depende. Como eu disse, as peças não têm preço. Têm valor. E quem se interessar, às vezes nem vê o preço. Muito embora o preço seja importante. Nem todas as pessoas têm a possibilidade, mas há sempre gente interessada. Na minha última exposição eu vendi praticamente tudo em uma hora e meia. Não sei se é o caso agora, mas há capacidade de compra e há algum gosto por aí.

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Três palavras-chave da sua exposição: Sustentabilidade, Design orgânico e Arte funcional. O que significam?

Arte funcional significa que, para além de serem peças que, digamos, dão algum prazer visual, também têm alguma utilidade. Inclusivamente, um candeeiro desta natureza, com uma lâmpada confortável, pode perfeitamente servir para uma leitura às tantas da noite, à cabeceira da cama. Portanto, tem alguma utilidade, embora eu considere que é mais uma peça decorativa do que uma peça utilitária, diria assim.

A Acácia dá o mote à sua exposição embora já não seja uma espécie muito acarinhada em Cabo Verde.

Eu tenho esse sentimento e aproveito para dar uma informação interessante. Eu, ao longo dos anos, eu diria, como eu já tenho 4 décadas atrás da água, nos meus primeiros 10 anos a 20 anos, tive uma relação muito difícil com a Acácia porque eu enquanto hidrólogo fiz a minha carreira perfurando e tentando encontrar água nas zonas relativamente rasas e sempre me deparei com raízes de acácias a beber água que devia ser utilizada para a agricultura. Portanto, eu tive, digamos assim, uma guerra com a Acácia durante muitos anos, muito embora eu tinha perfeita consciência que a Acácia tem um papel diferente e que devia ser retirada das ribeiras porque interfere com a agricultura, mas onde a Acácia tem um papel fundamental e há poucas plantas que têm essa capacidade é, digamos assim, nas ladeiras, nas encostas, porque nós temos um problema grave que muita gente até nem sabe, ou não reconhece a gravidade, que são as enxurradas que levam para o mar não somente água, mas também o solo. O solo leva milhares de anos para se desenvolver e perder numa enxurrada alguns milhares ou centenas de milhares de metros cúbicos de terra é uma coisa muito grave. E a Acácia tem este papel na mecânica de solos. Na mecânica de solos, a Acácia é uma espécie privilegiada porque mantém o solo mais ou menos coeso, mais ou menos resistente ao desgaste das correntes. Portanto, neste aspecto tem uma parte muito positiva e uma parte muito negativa. É uma relação de amor e ódio que eu tenho com esta planta.

No meio urbano a Acácia tem também os seus problemas.

No meio urbano também tem algum problema, porque as raízes das acácias penetram nos tanques subterrâneos e causam a degradação da estrutura dos tanques, para além de consumir a água, porque as raízes conseguem entrar em fissuras, mas o mais grave é que destroem a estrutura dos tanques e há aquilo que nós chamamos perdas. Muitas vezes são perdas ocultas que a gente nem dá conta, vai pagando a factura e paga aquilo que a Acácia bebe. Portanto, neste aspecto a Acácia deveria ser retirada de tudo aquilo que é a zona onde há reservatórios de água. Eu vou dizer mais, há mais de 20 anos foi feita uma conferência com a participação de especiaalistas nacionais e internacionais sobre a utilidade desta planta, cujo nome técnico é Prosopis juliflora, e todo o mundo esteve de acordo em que se devia colocar as acácias nas ladeiras, mas retirar as acáciascompletamente das ribeiras. Foi um acordo a que se chegou e eu vou-lhe dizer que não chegou a ser implementado por incúria, por falta de recursos, ou por outras razões. Por exemplo, na Boa Vista, minha terra, mas também no Maio, há uma infestação de Prosopis juliflora nas ribeiras o que prejudica sobremaneira os agricultores que utilizam água dos poços de cerca de 3, 4, 5 ou 10 metros de profundidade e a Acácia não deixa de forma alguma o pessoal tirar partido dessa água que está mais ou menos quase à superfície. Portanto, deviam ser retiradas com meios mecânicos fortíssimos e transformar a lenha em combustível. É um combustível muito poderoso e muito eficaz, mas sobretudo para a produção de carvão. Portanto, seria, digamos assim, resolver um problema e ganhar dinheiro. Este aspecto ainda não foi completamente explorado. No Maio há alguma experiência sobre isso. Na Boa Vista, também, mas devia ser uma prática nacional. No interior, nunca se devia deixar a Acácia Juliflora nas ribeiras. 

Palavras finais sobre Lendo com as Acácias de Péricles Barros

Bom, é uma experiência, eu diria que não é uma experiência fechada, mas não sei se vou repetir esta experiência outra vez. Se calhar vou utilizar a Acácia para outros projectos, porque há um espaço muito grande de exploração, digamos, da morfologia da Acácia Julifora. Pode-se fazer muita coisa com ela, aproveitar as formas naturais e produzir algo de criativo, de diferente. Espero bem vir a ter imaginação suficiente para passar por uma outra fase. 

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Autoria:António Monteiro,8 ago 2025 15:41

Editado porAntónio Monteiro  em  9 ago 2025 23:22

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