Diversificação económica e criação de emprego

PorJorge Montezinho,11 fev 2018 6:41

​No início do ano, o consultor mauriciano Dev Chamroo, dizia em entrevista ao Expresso das Ilhas que, graças à CNN, África partia sempre de uma posição mais frágil em relação aos outros continentes, ou seja, tinha de trabalhar mais para provar que era tanto como os outros. Hollywood também meteu a sua colherada, quando transformou uma deixa do filme Rei Leão numa espécie de filosofia continental: Hakuna Matata, frase que traduzida do suaíli significa “goza o presente sem quaisquer preocupações”.

Mas mais do que nunca, a principal preocupação é o futuro e o desafio número um da África subsaariana é a necessária transformação estrutural para fazer face à jovem e cada vez maior força de trabalho da sub-região. Assim, surgem os imperativos gémeos: o crescimento económico e a criação de oportunidades de trabalho.

Apesar de ser evidente a transformação estrutural catalisadora de crescimento económico na África subsaariana desde o início dos anos 2000, esta não tem sido liderada pela manufactura como aconteceu com o “modelo do Leste Asiático”, como mostra o relatório do Banco Africano de Desenvolvimento que analisa a necessidade de complexificar a economia continental – Sub-Saharan Africa’s Manufacturing Sector: Building Complexity. Hoje, assiste-se a mudança de recursos do trabalho para longe das actividades agrícolas de baixa produtividade, no entanto, em vez de se deslocarem para a indústria manufactureira de alta produtividade, esta deslocação de recursos é direccionada para os serviços, principalmente administração pública e comércio.

Há muito que os economistas consideraram a mudança estrutural – o movimento de trabalhadores de um emprego de baixa produtividade para um de maior produtividade – essencial para o crescimento de países de baixo rendimento. No entanto, a estrutura económica em África mudou muito pouco, preocupando tanto os formuladores de políticas como os analistas. A União Africana, o Banco Africano de Desenvolvimento e a Comissão Económica das Nações Unidas para a África expressaram já a sua preocupação com o ritmo lento de mudança estrutural em África. E no início deste ano, como escrevia o The Economist: “O modelo de desenvolvimento africano confunde os economistas”.

Historicamente, a manufactura levou à transformação económica. Hoje, as novas tecnologias geraram um número crescente de serviços e agro-indústrias – incluindo horticultura – que partilham muitas características com a manufacturação: são negociáveis, têm alto valor agregado por trabalhador e podem absorver um grande número de trabalhadores moderadamente qualificados. Tal como a manufactura, beneficiam das mudanças tecnológicas, do crescimento da produtividade, da escala e da aglomeração.

Encontra-se assim um novo padrão de mudança estrutural emergente em África, diferente da transformação liderada pela indústria de manufactura do Leste Asiático. Os serviços baseados nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), o turismo e os transportes superam o crescimento da manufactura em muitos países africanos. Entre 1998 e 2015, as exportações de serviços cresceram seis vezes mais depressa do que as exportações de mercadorias. Quénia, Ruanda, Senegal e África do Sul têm sectores vibrantes de serviços baseados em TIC. O turismo é a maior actividade exportadora de Ruanda, representando cerca de 30% das exportações totais. Cabo Verde não foge à regra, com os serviços, principalmente o turismo, a representarem a maior exportação do país.

Para os técnicos do BAD, é possível desenvolver uma estratégia de transformação estrutural baseada em três factores: o “clima de investimento” (o ambiente dentro do qual as empresas operam), a capacidade de exportar e a aglomeração. Todos estão inter-relacionados e aceleram o ritmo das mudanças estruturais.

No entanto, se as infra-estruturas, as aptidões e a concorrência são elementos-chave do clima de investimento, as empresas africanas pagam um preço alto em relação à produtividade devido às infra-estruturas deficientes. Por outro lado, a transmissão de dados de alta velocidade é fundamental para exportar uma ampla gama de serviços e especialmente para exportações intensivas em TIC. Uma condição fundamental para o desenvolvimento do turismo é uma infra-estrutura turística adequada. Os investimentos na logística comercial são essenciais para as exportações relacionadas com a agricultura e a horticultura. As aptidões têm também um papel central, uma vez que as tentativas de expandir o sector de serviços TIC encontraram restrições de mão-de-obra. As competências necessárias para interagir com turistas e fornecer serviços de back office são fundamentais para o turismo de alta qualidade. A falta de concorrência nos mercados de transportes representa uma barreira significativa à competitividade. Ou seja, os desafios são ainda muitos.

E temos de acrescentar mais um, como referido no documento do BAD, os países da África subsaariana têm baixos níveis de complexidade económica, o que dificulta a sua capacidade de se transformar estruturalmente. A relação entre desenvolvimento económico e complexidade económica está mais do que documentada e mostra uma evidência: níveis mais altos de complexidade económica estão associados a níveis mais altos de desenvolvimento económico (no fundo, a complexidade económica mede o conhecimento produtivo ou as capacidades inerentes a uma economia. Para que um país se diversifique em actividades produtivas mais complexas – particularmente ligadas à manufactura –precisa de acumular capacidades produtivas).

Países mais complexos são capazes de produzir uma diversidade de produtos mais complexos, como máquinas de raios-x, enquanto países menos complexos estão limitados a um portfólio concentrado de produtos baseados em recursos, como o minério de ferro. É claro, segundo o documento da BAD, que os países da África subsaariana são caracterizados por baixos níveis de complexidade económica, ou têm capacidades produtivas limitadas, o que diminui a sua capacidade de se transformar estruturalmente.

Construir complexidade, e assim produzir uma gama diversificada de produtos de fabricação cada vez mais complexos, é um processo que depende do caminho que se quer traçar. Isto foi explicado com o quadro analítico desenvolvido por Hidalgo, Klinger, Barabási e Hausmann - The Product Space Conditions the Development of Nations. E o que diz esta análise? Que os países mudam mais facilmente para produtos caracterizados por recursos semelhantes aos incorporados na estrutura produtiva actual de um país. Por outras palavras, é mais fácil mudar a produção de minério de ferro para aço do que mudar de minério de ferro para produtos farmacêuticos. Assim, se um país produz produtos baseados em recursos naturais de baixa complexidade, como muitos países africanos o fazem, as capacidades inerentes a esses produtos são relativamente diferentes das necessárias para produzir produtos de fabricação complexos, o que significa que a capacidade para diversificar a produção e transformar estruturalmente é reduzida.

É verdade que o vínculo entre a construção de complexidade e a criação de emprego não é uma relação directa simples. Os produtos mais complexos tendem a ser mais intensivos em capital e tecnologia, logo, os multiplicadores de emprego são mais baixos para os produtos mais complexos. No entanto, em termos industriais, muitos países africanos estão a começar quase do zero, com menos necessidades de capital intensivo, ou de tecnologia. Assim, diz o BAD, os países africanos podem criar complexidade através do desenvolvimento de estruturas produtivas mais diversas, caracterizadas por um maior número de actividades de manufactura e gerar oportunidades de emprego.

Mas nem tudo é assim tão linear, uma vez que uma restrição fundamental para este processo de construção da complexidade nos países africanos é o seu conjunto actual de capacidades produtivas. E estas estão ainda longe das necessárias para mudar para actividades produtivas mais complexas. Por exemplo, a mudança para uma agricultura de maior valor agregado, como a horticultura, pode ser limitada pela falta de conhecimento científico necessário para produzir produtos que atendam aos padrões alimentares nos mercados dos países desenvolvidos. Ou a mudança para as actividades de manufactura pode ser dificultada pela escassez de competências, pela falta de acesso a redes financeiras, ou pela inexistência de uma rede logística.

Mas nem tudo são problemas e o relatório do BAD aponta alguns caminhos para os decisores políticos. Primeiro, identificar produtos com capacidades semelhantes à estrutura produtiva actual do país. Por exemplo, se um país estiver a produzir motores de carros, o próximo passo seria produzir peças de veículos. Em segundo lugar, testar se esses produtos se alinham com a realidade económica. Isso consegue-se falando com associações industriais, com as empresas e com as outras partes interessadas do sector público e privado. Em terceiro lugar, identificar os mercados-alvo apropriados. Por exemplo, determinar se as exportações devem ser direccionadas para mercados de rendimento alto ou baixo, ou se é para mercados internacionais ou regionais.

O potencial de criação de emprego desta construção da complexidade económica depende de várias variáveis. No entanto, como nota final optimista, o Banco Africano de Desenvolvimento acredita que este processo de diversificação para actividades produtivas cada vez mais complexas, até pela sua própria natureza, gerará oportunidades de emprego para os países da África subsaariana.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 845 de 07 de Fevereiro de 2018.

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Autoria:Jorge Montezinho,11 fev 2018 6:41

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  10 jan 2019 3:22

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