Embora esse montante possa parecer relativamente alto, ele deve ser colocado em perspetiva, uma vez que os investidores institucionais (que são as seguradoras, os fundos de pensão e os fundos soberanos) têm mais de 100 biliões em ativos em gestão em todo o mundo[2]. Portanto não há falta de recursos financeiros à escala mundial; antes pelo contrário, estamos perante uma situação de excesso de liquidez face a uma escassez de investimentos lucrativos e com retornos fiáveis, refletindo-se nas baixas taxas de juros atuais no mercado financeiro internacional[3]. Outras fontes de financiamento das infraestruturas são, obviamente, os recursos internos por via do alargamento das bases tributárias e uma melhor captação de divisas através das remessas da diáspora, e uma maior eficiência na gestão da despesa pública.
Mas importa ainda referir que, não obstante a previsível rentabilidade das oportunidades de investimento, o acesso ao financiamento pelos países africanos - seja a partir de fundos privados, fundos de investidores institucionais, remessas da diáspora ou cobrança de impostos – será bem-sucedido só num contexto de elevados padrões institucionais. Isto é, por outras palavras, um Estado capaz com uma administração eficiente, destacando-se o respeito estrito pela propriedades e leis dos contratos. Por exemplo, o Ruanda classificado 58ª economia mais competitiva do mundo ocupa a 16ª posição ao nível mundial no que diz respeito à qualidade das instituições e a 5ª posição mundial em termos da eficiência na gestão financeira do estado[4], o que é seu ponto forte em termos de atração de financiamento externo direto. Marrocos foi, em 2017, o primeiro destino do continente de investimento direto estrangeiro[5], principalmente nos sectores bancários, de turismo e energia, e é conhecido por ter um quadro institucional estável e ter investido massivamente em infraestruturas modernas.
A preparação e a fiscalização deficientes dos projetos de infraestruturas estão por trás do ciclo invirtuoso de ré-endividamento da África
O défice de infraestruturas em África é claramente prejudicial à qualidade de vida das populações, afetando todos os sectores socioeconómicos, incluindo o acesso aos serviços de saúde e educação, a segurança pública e o nível de desenvolvimento humano no geral. Contudo, existe um impacto ainda mais pernicioso relacionado com o aumento das dívidas contratadas pelos governos africanos para o seu financiamento, tendencialmente habitual nos períodos de pré-campanhas eleitorais, hipotecando não só as gerações presentes mas também as futuras.
Não é surpreendente que, hoje em dia, e de forma regular, vários autores[6] soem o alarme sobre o crescente endividamento dos países africanos, cuja dívida se está a tornar cada vez mais comercial por natureza, à medida que os bancos privados e detentores de obrigações assumem um papel crescente no seu financiamento, em vez de instituições multilaterais de desenvolvimento ou parceiros bilaterais do Clube de Paris como acontecia no passado[7].
Portanto, é óbvio para qualquer observador que se aproxima uma nova crise da dívida, uma situação semelhante à que prevaleceu durante a década de 1995-2005 e que deu origem à Iniciativa HIPC (Highly indebted poor countries ou seja Países Pobres Altamente Endividados) em 1996 e à Iniciativa MDRI (Multilateral Debt Relief Initiative, ou seja Iniciativa Multilateral de Alívio da Dívida) em 2005[8]. Só que no caso presente será muito mais difícil para os países africanos se desenredar do ciclo da dívida devido à natureza comercial do estoque conforme acima referido.
No geral, há também uma deterioração na gestão financeira pública e uma falta de disciplina fiscal notável na região da África subsariana que prejudica a sustentabilidade da dívida. De igual modo a proporção da dívida que é contratada em moeda estrangeira afeta a sustentabilidade dos empréstimos estatais, uma vez que o rácio da dívida externa às exportações continua reduzido devido à fraca infraestruturação e competitividade das economias africanas.
O crescimento da dívida resulta em crescentes défices fiscais estruturais, com muitos países africanos situando-se além do limiar de 5% do PIB. O crescente défice fiscal é o resultado de programas de investimento quiçá mal preparados em termos técnicos e /ou financeiros ou mal executados, da queda dos preços dos recursos naturais exportados e da má disciplina fiscal. Outros fatores que aumentam o peso da dívida incluem a síndroma da deterioração das moedas locais, o aumento do custo da dívida resultante, e o efeito de empresas públicas a serem muitas vezes geridas com pouca lógica comercial.
Tendo em conta a sua natureza inevitável e a importância dos montantes que lhes devem ser atribuídos, é de suma importância que os projetos de investimento em infraestruturas públicas em África estejam melhor estruturados e executados; havendo, em caso contrário, um enorme risco de contribuírem para criar uma situação de dívida insustentável.
- Joseph Martial Ribeiro é cabo-verdiano, residente em Luanda, representante do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Ph.D. em hidrologia (Ecole Polytechnique de Montreal, Canada, 1994); MBA (University of Cumbria, Reino Unido, 2017); Diplomado em ciências políticas (Universidade de Londres, Reino Unido, 2014); e Engenheiro Civil (Ecole Polytechnique de Thiès, Senegal, 1989). É autor de três livros em Gestão de projectos e de vários artigo de natureza científica no domínio da hidrologia).O artigo reflecte apenas as opiniões pessoais do autor.
[1]Banco Africano de Desenvolvimento (2018). Perspetivas Economicas em Africa 2018. Abidjan (Costa do Marfim)
[2]Ibidem
[3]Essa situação é descrita por Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve dos EUA, como um "Excesso global de poupança" ou uma "escassez de investimento".
[4]Fórum Económico Mundial (2018). Relatório de Competitividade 2017-2018.
[5] Jornal Expansão, Angola (29 de Março 2018). Marrocos lidera na captação de investimento externo em África.
[6] J. Sandefur & D. Wadhwa (2018). Chart of the Week: A New African Debt Crisis? Retrieved from Center for Global Development : https://www.cgdev.org/blog/chart-of-the-week-new-african-debt-crisis
[7]Nos últimos 3 anos vários países africanos emitiram Eurobonds com yields (taxas de juro) acima de 8%: Zâmbia (1,25 mil milhões $ em 30-7-2015 para 12 anos a 8.97%); Moçambique (0,726 mil milhões em 6-4-2016 para 7 anos a 10.50%); Camarões (0,750 mil milhões em 19-11-2015 para 10 anos a 9.50%); Angola (1,25 mil milhões em 9-5-2018 para 30 anos a 9.38%); Angola (1,75 mil milhões em 9-5-2018 para 10 anos a 8.25%). Fonte Jornal Mercado, Angola, 8-6-2018.
[8] https://www.imf.org/external/np/exr/mdri/fra/index.htm