Com efeito, as infraestruturas constam dos temas prioritários do NEPAD (a Nova Parceria para o Desenvolvimento da África), iniciativa continental aprovada em Abuja, Nigéria, em Outubro de 2001[1].
No entanto, convêm reconhecer que o progresso em matéria de infraestruturação em África, em especial a subsaariana, tem sido escasso de forma geral; daí a necessidade de refletir sobre esta disparidade marcante entre, por um lado, a vontade política expressa, e por outro, o fraco êxito que se tem observado no terreno.
O objetivo deste artigo é, portanto, em primeiro lugar, ressaltar o caráter crítico da quantidade e da qualidade do estoque de infraestruturas disponíveis num país como fator de ascensão econômica e, em segundo lugar, analisar sumariamente os desafios relacionados tanto com a criação e desenvolvimento de infraestruturas produtivas e rentáveis como ao seu financiamento.
A importância das infraestruturas reside no fato de que elas induzem a industrialização, que por sua vez alavanca o desenvolvimento econômico e social
Antes de mais, importa recordar o que se entende pelo vocábulo de infraestruturas. O estoque das infraestruturas de um país é definido, de maneira ampla, como o conjunto dos sistemas físicos e serviços básicos necessários para que a economia nacional funcione efetivamente. Este conjunto inclui todos os sistemas aferentes ao transporte, a energia, as telecomunicações, ao abastecimento de água potável e saneamento do meio[2].
Na verdade, a importância das infraestruturas reside não apenas na qualidade de vida intrínseca que elas proporcionam à população, através do seu uso direto, mas também no efeito induzido que proporcionam no que tange ao processo de industrialização.
Ora, é de aceitação comum hoje em dia que a industrialização é o caminho inescapável para África conseguir progressos substanciais e sustentáveis em matéria de erradicação da pobreza e geração dos milhões de postos de empregos necessários para a absorção efetiva da procura anual.
O desenvolvimento industrial é fortemente induzido pelas infraestruturas pelo motivo que as mesmas criam condições favoráveis para a atração das indústrias ligeiras provenientes das economias mais avançadas. Com efeito, eis a estratégia de desenvolvimento industrial que foi colocada em prática, com constatado êxito, pelas economias asiáticas nos anos 60 e pela China dos anos 80. Hoje em dia a mesma estratégia está a ser implementada em diferentes países pelo mundo fora, dos quais se destacam, por exemplo, o Bangladesh, a Cambójia e o Vietnam na Ásia; e a Etiópia, as Ilhas Maurícias e o Ruanda em África. O Vietnam constitui o caso paradigmático de excelência[3].
A razão pela qual as infraestruturas, contanto que sejam de qualidade e em quantidade significativas, propiciam o desenvolvimento industrial reside no seu notável efeito multiplicador na produtividade global dos fatores de produção e no consequente alargamento da esfera de competitividade de qualquer economia. Os fatores de produção, que são a terra e toda a natureza, o trabalho, o capital financeiro, o empreendedorismo e, acessoriamente, o conhecimento, só podem ser combinados de forma ótima, isso é gerar maiores proveitos, num contexto de infraestruturas suficientes e fiáveis. Um exemplo óbvio e comum é que nenhuma fábrica pode funcionar de forma rentável quando a produção vem condicionada por cortes imprevisíveis de energia elétrica.
Desta feita, o desenvolvimento de estoques de infraestruturas de alta qualidade e eficientes representa um imperativo essencial para acelerar o crescimento do produto interno bruto (PIB) das economias, ou, em outras palavras, da totalidade dos rendimentos vencidos pelapopulação residente à escala nacional.
De notar que, porém, o papel crucial das infraestruturas, conforme acima referido, não prescinde dos efeitos catalíticos fundamentais gerados por uma administração pública eficiente e transparente, a boa governação, de maneira geral, e de um ambiente de negócio propício.
A mera verdade é que para alcançar quaisquer objetivos de desenvolvimento económico e social de forma duradoura, incluindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ONU) e os da Agenda 2063 da União Africana (UA), há urgência na modernização de África através da constituição efetiva de estoques de infraestruturas de qualidade, ao mesmo tempo que se investe nos fatores chave de desenvolvimento humano tais como a educação, a saúde e a inserção social. Caso contrário, só se poderá atingir resultados efémeros e voláteis por consequência da vulnerabilidade económica que reina sempre em ausência de infraestruturas suficientes e resilientes.
A África tem um défice de infraestruturas bem documentado, mas a magnitude desse défice não é uniforme.
O perfil do Índice de Desenvolvimento Infraestruturas em África (AIDI ou African Infrastructure Development Index), que é produzido pelo Banco Africano de Desenvolvimento e é baseado em quatro componentes principais que são as infraestruturas de transporte, energia elétrica, TIC (Tecnologias de informação e telecomunicação) e água & saneamento, revela uma grande disparidade no seio dos países africanos relativamente às lacunas em matéria de infraestruturas, com uma diferença de mais de 90% entre o país melhor classificado (as Ilhas Seychelles) e o pior classificado (a Somália)[4]. Em geral, os países da África do Norte estão no topo da lista e, com a exceção da África do Sul, os países subsaarianos encontram-se numa situação que deixa muito a desejar. Por exemplo, Angola que é a 3ª maior economia da África subsaariana em termos de PIB vem apenas no 33 º lugar à escala continental de acordo com a classificação do AIDI em 2018. Esta disparidade ilustra a natureza escassamente industrializada das principais economias da África subsariana que exportam principalmente produtos não transformados (o petróleo no caso da Angola).
Assim, uma das causas fundamentais do atraso económico de África, principalmente a subsariana, reside na inadequação, quantitativa e qualitativa, dos estoques de infraestruturas que devem imperativamente ser tornadas modernas e produtivas, particularmente no que diz respeito aos sistemas dos transportes, eletricidade e água potável & saneamento.
- Joseph Martial Ribeiro é cabo-verdiano, residente em Luanda, representante do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Ph.D. em hidrologia (Ecole Polytechnique de Montreal, Canada, 1994); MBA (University of Cumbria, Reino Unido, 2017); Diplomado em ciências políticas (Universidade de Londres, Reino Unido, 2014); e Engenheiro Civil (Ecole Polytechnique de Thiès, Senegal, 1989). É autor de três livros em Gestão de projectos e de vários artigo de natureza científica no domínio da hidrologia).
O artigo reflecte apenas as opiniões pessoais do autor.
[1]Os programas de investimento da Agência do NEPAD, o braço técnico da União Africana, sediada em Midrand, Africa do Sul, são: Governação dos recursos naturais; Segurança alimentar; Integração regional; Infraestruturas (Energia, Agua, Tecnologias de informação e comunicação, Transportes); Comercio; Industrialização; Ciências, Tecnologia e Inovação; Desenvolvimento do capital humano (Capacitação, Juventude, Emprego e Empoderamento das mulheres) (ver http://www.nepad.org/content/about-nepad#aboutour...
[2]Banco Asiático de Desenvolvimento (2017). Meeting Asia’s infrastructures needs. Manila (Filipinas).
[3]The Economist (14 de Abril, 2018). Em 2017 os investimentos direitos estrangeiros no Vietnam representaram 8% do PIB; a economia está-se transformando pela instalação de fábricas de grandes empresas sul coreanas tais como a Samsung Electronics e a LG Electronics.
[4]Banco Africano de Desenvolvimento (2018). Perspetivas Economicas em Africa 2018. Abidjan (Costa do Marfim)