Actualmente, o dinheiro que é enviado por quem trabalha no estrangeiro representa cerca de 12 por cento do PIB de Cabo Verde. O arquipélago é um dos países que mais depende financeiramente das remessas dos seus emigrantes, residentes em Portugal, França, Holanda ou nos Estados Unidos da América. Os últimos números do Banco de Cabo Verde apontam para mais de 21 milhões de contos em 2018, um aumento de 6% em relação ao ano anterior e uma tendência que se verifica há vários anos.
Segundo o BCV, em 2016 os Cabo-verdianos a trabalhar no estrangeiro enviaram para as famílias cerca de 17 milhões de contos, em 2017 este número subiu para os 19 milhões de contos. A principal origem das receitas é Portugal, com 5 milhões 710 mil contos em 2018, seguida da França com 4 milhões e 595 mil contos.
O que se verifica em Cabo Verde está a acontecer em outros países africanos e um pouco por todo o mundo, como mostram os dados do Banco Mundial. Num estudo lançado em Abril, os peritos sublinham que nunca antes na história foram transferidas somas tão grandes por pessoas que vivem fora do seu país de origem: em 2018, foram oficialmente 430 mil milhões de dólares. Os países da África subsaariana terão recebido 46 mil milhões de dólares.
No total, há 270 milhões de migrantes estimados em todo o mundo e o montante que enviaram para os respectivos países assinala um momento marcante: as remessas deste ano ultrapassarão o investimento directo estrangeiro como o maior influxo de capital estrangeiro para os países em desenvolvimento.
As remessas já foram vistas por muitos economistas como uma questão secundária para o desenvolvimento das economias, no entanto, devido ao grande volume e natureza consistente e resiliente, estes fluxos são agora “o jogo mais importante quando se trata de financiar o desenvolvimento”, diz ao Financial Times Dilip Ratha, chefe da parceria global de conhecimento do Banco Mundial sobre migração e desenvolvimento.
O número de pessoas no mundo que vivem fora do país de nascimento aumentou de 153 milhões em 1990 para 270 milhões no ano passado, de acordo com o Banco Mundial, transformando a corrente das remessas globais numa autêntica inundação. Para muitas economias em desenvolvimento, é uma tábua de salvação.
“Em tempos de crise económica, desastres naturais ou de crise política, o capital privado tende a sair e até a ajuda oficial é difícil de administrar”, diz Ratha. “As remessas são a primeira ajuda a chegar e continuam a aumentar.”
As entradas de remessas ajudam a aumentar a balança de pagamentos dos países e, portanto, as respectivas classificações de crédito, reduzindo os custos dos empréstimos de governos, empresas e famílias. Nas Filipinas, por exemplo, as entradas de remessas de 34 mil milhões de dólares, este ano, ajudarão a reduzir o que seria um défice na conta corrente de mais de 10% do produto interno bruto para um défice de apenas 1,5% do PIB.
Com as migrações a ocupar lugar de destaque nas relações internacionais, a utilização das remessas e as suas implicações no desenvolvimento dos países de origem dos migrantes transformam-se numa questão central. Em parte, isto acontece porque existem fortes evidências de que o grosso das remessas é gasto no financiamento do consumo, pagamento de dívidas e construção ou aquisição de casa própria, sendo marginal a fracção destinada ao investimento produtivo, se excluirmos a educação e a saúde.
O impacto das remessas
Antes das migrações, o impacto das remessas e o combate à pobreza serem trazidos para o primeiro plano dos debates à escala nacional e internacional e de serem temas correntes, países tradicionalmente de emigração, como Cabo Verde e Portugal, sabiam que emigrar reduz a pobreza de quem vai e de quem fica. Sabem também que o dinheiro recebido na terra dos que partiram contribui para aumentar a riqueza.
Para se ter uma ideia do impacto das remessas na redução do número de pobres, alguns investigadores sugerem que, em média, um aumento de 10% das remessas por cabeça corresponderia a uma redução de 3,5% na população pobre. Tem-se igualmente como provado que na maioria dos casos as remessas financiam eficazmente a educação, a saúde e os pequenos negócios.
Em Cabo Verde este é igualmente o cenário recorrente: as remessas dos emigrantes têm vindo a contribuir para o desenvolvimento do arquipélago nos mais diversos sectores, com realce para a educação e saúde, a melhoria das condições de habitabilidades das suas famílias, nas actividades económicas e, sendo assim, na criação de riqueza e de mais postos de trabalho, o que ajuda na melhoria e no aumento do poder económico.
As remessas financeiras dos emigrantes contribuem não só para o equilíbrio da balança de pagamentos mas também para a elevação do nível de vida das famílias que delas beneficiam. Muitas famílias cabo-verdianas não têm praticamente outras fontes de subsistência. Depois, de regresso ao país, os emigrantes investem habitualmente as economias, orientando-as sobretudo para os sectores da construção civil, transportes e educação.
Breve história da emigração cabo-verdiana
O fluxo migratório cabo-verdiano iniciou-se em finais do séc. XVII, dedicado à faina baleeira e incidia num perfil de mão-de-obra sobretudo masculina, barata e não qualificada. Com o passar do tempo, houve diversificação em relação às profissões, passando os cabo-verdianos a contar como operário nas minas, por exemplo, em Portugal e em Espanha, na construção civil um pouco por toda a Europa, na indústria, nomeadamente nos EUA, nas roças na emigração para São Tomé e Príncipe, na marinha mercante, sobretudo na Holanda e, também, contando com o contingente de mulheres, como é o caso particular do fluxo migratório para a Itália.
Apesar desta diversificação, manteve-se, praticamente, o mesmo perfil no que respeita à qualificação. Ou seja, Cabo Verde sempre foi emissor de emigrantes que, na sua grande maioria, era mão-de-obra não qualificada e muito menos especializada.
A diáspora competia no mercado de emprego, sobretudo, por ser mais barata e em certas latitudes e em determinados momentos por ser suscetível de ser explorada em virtude de vulnerabilidades que apresentava, nomeadamente por se encontrar em situação irregular ou por desconhecer as leis laborais do país de acolhimento.
Nos últimos tempos, o perfil tem conhecido ligeiras alterações, contando com a qualificação da parte da 2ª e da 3ª gerações, com os jovens que rumaram ao estrangeiro para a formação e que não regressaram e com os jovens formados em Cabo Verde que, em face das dificuldades no mercado de emprego interno, acabaram por emigrar.
E hoje, há a preocupação de preparar melhor as mais recentes gerações de emigrantes cabo-verdianos? O Expresso das Ilhas colocou esta questão ao deputado Emanuel Barbosa, e o eleito do MpD pelo círculo da Europa é directo na resposta. “Não existe uma estratégia nessa matéria. Mas devia existir quanto mais não seja por três razões fundamentais: (1) ainda, durante muitos anos, vamos ter de lidar com a sina da emigração; (2) ambicionamos mobilidade com a UE e com a CPLP; (3) as remessas dos emigrantes têm um peso enorme na nossa economia e sabemos que ter um maior número de emigrantes qualificados é quase sinónimo de um maior volume de remessas”.
“Esta estratégia tinha de ter algumas linhas de força como: a qualificação do nosso ensino superior; o reconhecimento ao nível internacional dos diplomas emitidos pelas nossas instituições de ensino superior; o ensino de línguas estrangeiras; a preparação para uma rápida e boa integração; o estímulo à participação política e ao empreendedorismo; a sensibilização para o acesso aos fundos disponíveis nos países de acolhimento para investimento; etc…”
Países como o Bangladesh orientam os candidatos à emigração sobre como fazer as remessas de forma mais vantajosa e outros como Burquina Faso, Etiópia, Filipinas, Mali, Sri Lanka, Tanzânia e Uganda procuram aconselhá-los através da Internet, embaixadas, consulados e bancos nacionais.
É difícil obter dados fiáveis sobre a emigração cabo-verdiana, por uma série de factores: muitos têm dupla nacionalidade, muitos estão em situação irregular e, geralmente, dados de diferentes agências apresentam números desiguais. No estudo, já de 2008, A Importância e o Impacto das Remessas dos Imigrantes em Portugal no Desenvolvimento de Cabo Verde (de André Corsino Tolentino, Carlos Manuel Rocha e Nancy Curado Tolentino), traçava-se o perfil do imigrante cabo-verdiano: Quanto à instrução, 10% dos inquiridos eram iletrados, 42,3% tinham a escolaridade básica (4 a 6 anos), 35,2% tinham o ensino secundário liceal ou técnico e 12,5% a formação universitária ou pós-universitária. Do total de inquiridos na altura, os empregados da administração e serviços somavam 26,5%, os trabalhadores da indústria 30,6% e os trabalhadores por conta própria 3,5%. Os que declararam que eram empresários correspondiam a 2,5% dos inquiridos. E 5,2% eram desempregados.
Emigração e equilíbrio social
Vários estudos, teses e dados recentes mostram que é indesmentível o facto das remessas dos emigrantes serem uma fonte de reservas externas, factor de estabilização, ferramenta anticíclica e elemento facilitador do acesso ao capital externo.
Como referido, os sectores privilegiados dos emigrantes cabo-verdianos são: construção de casa própria, aquisição de casa e propriedade agrícola, restauração e hotelaria e transportes. A formação de capital humano através do investimento na educação e saúde dos familiares é, igualmente, notável.
Para Cabo Verde, a emigração é um fenómeno estrutural e estruturante com grande impacto no equilíbrio físico e social no arquipélago, no financiamento do bem-estar dos emigrantes e das suas famílias, na mudança social e cultural no país, assim como na transformação política e no desenvolvimento nacional. Basta olhar para a lista dos países que são simultaneamente os maiores parceiros do desenvolvimento de Cabo Verde e as principais origens das remessas para ver a quase sobreposição dos mapas respectivos. Isto quer dizer que os emigrantes cabo-verdianos influenciam muito claramente as relações internacionais de Cabo Verde.
As remessas apresentam ainda a peculiaridade de serem os mais previsíveis e estáveis de todos os fluxos de financiamento externo da economia cabo-verdiana. Além disso, são factores eficazes de transformação social. A mobilidade acelera a mudança material e simbólica no interior da família, geralmente no sentido de mais igualdade entre os géneros e mais oportunidades para todos os seus membros.
Mas, existe um reconhecimento de toda esta contribuição? “Existe um reconhecimento moral. Ao menos isso, porque, de facto, existe uma contribuição considerável da nossa emigração que, através das remessas formais, que tudo indica estão subavaliadas, contribui com 10% na formação do PIB, sem contar com as remessas informais e com as ajudas em encomendas”, diz Emanuel Barbosa ao Expresso das Ilhas.
“Mas, mais do que o reconhecimento, que é sempre bem-vindo, deve haver um plano estratégico para assegurarmos a transferência monetária dos emigrantes de forma contínua e em níveis cada vez mais elevados e, por outro lado, diversificar a sua função para que a sua aplicação não se restrinja a alimentar o consumo das famílias receptoras das remessas. Deve ser canalizada para investimentos de alta rentabilidade a fim de produzir um efeito multiplicador para que contribua de forma mais efectiva na geração da riqueza do país”, sublinha o deputado do MpD.
“Falta-nos, sobretudo, uma aposta clara na nossa diáspora através de uma relação de valorização e empoderamento, com uma comunicação fluída entre as partes, complementada por um quadro legal específico, com incentivos fiscais e de outra natureza, e veículos de investimentos com alto potencial de captação das transferências dos emigrantes”.
“Fazendo uma análise dos 44 anos da independência”, continua Emanuel Barbosa, “podemos concluir que falhamos neste desígnio. A diáspora deu um contributo incomensurável, mas de forma ad-hoc e que poderia atingir outros níveis caso o país tivesse uma clara compreensão do potencial existente e de como explorá-lo. Basta ver que, de 1975 a 1991, o país relacionou-se com a diáspora num clima de crispação e de conflitualidade; que, de 1991 a 2001, deu alguns passos interessantes, mas não sistematizados no âmbito de um quadro global devidamente idealizado; que, de 2001 a 2016, houve uma regressão por se ter encarada a diáspora mais numa perspectiva lúdica; e que, de 2016 a esta parte, se está com alguma efectividade para fazer face aos problemas administrativos herdados da governação anterior, mas que existe a obrigação de, doravante, pensarmos a diáspora de forma estruturada, enquanto pilar importante no processo de desenvolvimento de Cabo Verde, e não como alvo de medidas avulsas e numa lógica eleitoralista”.
Já o deputado do PAICV, igualmente eleito pelo círculo da Europa, Francisco Pereira, numa interpelação ao governo sobre a diáspora, apontava o que considera as falhas do actual executivo para com os imigrantes: “agravaram-se os problemas de ligação aérea da diáspora com a terra mãe, bem como, os custos das passagens associadas, frutos de uma má opção política do Governo ao liquidar a TACV nas rotas domésticas e ao desmantelar a operação internacional. De igual modo, agravaram-se as questões relacionadas com a obtenção dos Passaportes; persiste-se a complexa situação do desembaraço alfandegário dos bens e das encomendas dos nossos emigrantes; não há uma visão clara sobre o enquadramento legal e institucional para mais e melhor aproveitamento do contributo da nossa diáspora no processo de desenvolvimento; não se vislumbra nenhuma intencionalidade em materializar o complemento de pensões para o segmento dos nossos emigrantes mais carenciados, particularmente em África; não há uma visão clara de políticas para com os descendentes de emigrantes, como também não existe sensibilidade para de uma forma justa repor a regularização documental”.
Os cenários do futuro
“Nenhum país jamais ficará rico com as remessas”, diz ao Financial Times Gareth Leather, da Capital Economics, uma consultora. “Acho que nenhum governo gostaria de se livrar delas, mas muitos gostariam de chegar ao ponto em que já não são necessárias.”
Por outro lado, as remessas também são um dos principais mecanismos de transmissão do stress económico global. As pessoas movem-se na procura de oportunidades, é por isso que a emigração aumenta quando a economia está mal. Quando o país anfitrião está bem e os migrantes prosperam, enviam mais dinheiro para casa. Mas quando os países anfitriões enfrentam dificuldades, o choque é transmitido às famílias dos migrantes através de remessas mais baixas. Isso pode exportar a desaceleração para o país destinatário, alimentando a instabilidade económica à escala global.
E embora as remessas se tenham transformado numa das principais características da actual era da globalização, mudanças políticas, incluindo a ascensão do populismo, levantam a questão de saber se a sua importância económica será de curta duração.
A reação contra a globalização está a aumentar e o sentimento anti-imigração está crescer em muitos países desenvolvidos. “São sentimentos preocupantes”, refere Emanuel Barbosa, “porque levantam fantasmas nacionalistas extremistas, de parelha com a intolerância, a xenofobia e o racismo que estavam adormecidos. Por outro lado, o problema confronta-nos com questões de direitos e dignidade humanos, como é o caso de Lampedusa, e traz à colação o valor da solidariedade que deve estar na centralidade das preocupações da humanidade. Os líderes mundiais devem estar preparados para lidar com esta situação e o primeiro passo deve passar pelo abandono do registo de populismo, assim como pela adopção de atitudes responsáveis e linguagens pedagógicas”.
“Ciclicamente, em regra em momentos de crise, elevam-se os sentimentos anti-imigração porque se faz passar a mensagem de que o emigrante vai tirar emprego aos nacionais; que faz deteriorar o salário; que representa foco da criminalidade, esquecendo-se que o emigrante é um activo que contribui para a produção da riqueza e que desempenha um papel importante como força produtiva e para a sustentabilidade do sistema de segurança social em países com população envelhecida”.
“Em suma”, conclui o deputado do MpD, “existe aqui um grande desafio de normalizar o quadro do emigrante. De naturalizarmos a mobilidade das pessoas. Outro grande desafio que se coloca aos líderes mundiais, a longo prazo, tem a ver com a garantia de desenvolvimento mundial mais equilibrado e harmonioso entre os países do Sul e os do Norte para esbater o fluxo migratório do primeiro para o segundo. Para tal, faz-se de todo mister combater a evasão fiscal e a corrupção, resolver os conflitos armados, prevenindo-os para de seguida os eliminar antes que se iniciem, distribuir mais equitativamente as riquezas, apostar na educação e definir políticas de desenvolvimentos assertivas que produzam riquezas, isto é, sendo possível tudo ser feito para que cada um se realize no seu país, mas havendo necessidade de se emigrar tal deve ser encarado com normalidade tanto por parte do país emissor, como por parte do país receptor”.
Apesar destes receios, o Banco Mundial prevê que dentro de dez anos o número de migrantes no mundo deve duplicar, chegando aos 550 milhões. A disparidade de rendimento entre os países desenvolvidos e os outros deve continuar, e isso significa que as oportunidades de emprego no exterior continuarão atraentes.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 927 de 04 de Setembro de 2019.