"Os preços recorde das matérias-primas e as taxas de juro globalmente baixas encorajaram os países africanos a endividarem-se como fizeram nos anos 1990, mas alguns estão agora a debater-se para pagar os empréstimos, fruto do abrandamento das receitas e do crescimento económico", escrevem os analistas da Eaglestone.
Numa análise ao endividamento dos países africanos nos últimos anos, esta consultora lembra que o nível de endividamento face ao Produto Interno Bruto na última década duplicou, "aproximando-se do nível registado no virar do século", o que está a preocupar o FMI, já que dos 54 países do continente, 20 estão perto ou com dívida problemática (‘debt distress’, no original em inglês), causando apreensão face à capacidade para honrarem os compromissos financeiros assumidos.
"Os governos africanos angariaram cerca de 26 mil milhões de dólares nos mercados internacionais, este ano, descendo ligeiramente face aos 30 mil milhões de 2018, aproveitando a vantagem de os investidores estarem sedentos de juros num mundo marcado por taxas de juro negativas", escreve a Eaglestone.
A consultora alertou ainda que "a volatilidade das moedas nacionais em todo o continente aumenta o risco de empréstimos em dólares e o custo elevado de servir a dívida pode impedir a realização de despesas numa região que alberga metade de toda a população pobre do mundo".
Apesar do alerta da Eaglestone, a dívida pública da África subsariana deve manter-se estável este ano, ligeiramente acima dos 50% do PIB, mas este valor 'esconde' alguns casos mais extremos, como os lusófonos Angola, Moçambique ou Cabo Verde, com um rácio da dívida a rondar a totalidade da riqueza produzida no país.
"As condições são propícias para um nível de dívida problemática muito mais elevado", disse a directora do departamento de finanças sustentáveis no Instituto Internacional de Finanças, citada no comentário da Eaglestone.
"Independentemente do que desencadear a próxima crise, quando ela acontecer, é muito provável que vejamos um nível de contágio muito maior porque os investidores têm apostado em activos com taxas de juro mais elevadas", acrescentou Sonja Gibbs.
O presidente do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), Akinwumi Adesina, por seu turno, tem repetidamente tentado afastar a ideia de uma 'crise da dívida' em África, argumentando que apesar de alguns países terem um rácio mais elevado, a média do continente está ainda bem dentro do padrão de segurança.
"Há países, individualmente, que têm aumentado o rácio de dívida face ao PIB, é essa a preocupação, mas a média está bem confortável dentro dos limites aceitáveis", defende o líder da maior instituição financeira multilateral de África.
O problema, aponta a Eaglestone, é que o custo de servir a dívida está a desviar fundos de outros investimentos, nomeadamente em infraestruturas, que são a base do crescimento económico sustentável.
No relatório, os consultores apontam que os pagamentos de dívida externa representam 13% das receitas dos governos africanos, em média, quando em 2010 estavam nos 4,7%.
As semelhanças com os anos 1990, apontam, ficam por aí, já que um perdão de dívida como então aconteceu parece agora mais improvável.
"A despesa excessiva e a queda do preço das matérias-primas nos anos 1990 desencadeou uma crise da dívida que levou os emprestadores multilaterais e as nações mais ricas a perdoarem as obrigações de dezenas de Estados africanos, mas desta vez não será assim tão fácil", escrevem, concluindo que "a complexa estrutura de dívida, com condições mais opacas e credores diferentes, fará com que qualquer acordo de reestruturação seja mais difícil de alcançar".