Depois de cinco meses com o país fechado, não é certo quando e em que moldes acontecerá a reabertura e desconhece-se a que ritmo ocorrerá a retoma do sector turístico. Para os pequenos operadores, estes são tempos dolorosos, que interromperam anos de crescimento.
A agência Nobai Trekking opera sobretudo em São Vicente e Santo Antão. O proprietário, Theo Lautrey, explica que a pandemia encurtou um ano que se mostrava promissor.
“A pandemia veio encurtar uma estação que estava a ser boa, mas até agora não está completamente catastrófica, porque estamos acostumados, a partir de Maio, Junho, à diminuição do volume. O verão, para nós, é uma época baixa. No entanto, realmente, é uma queda importante de actividade”, refere.
A época alta do turismo cabo-verdiano começa com o outono europeu e prolonga-se até ao final da primavera. Como muitas outras empresas, a Nobai recorreu ao layoff e tem conseguido evitar despedimentos.
“A situação ainda não colocou em causa a saúde económica da nossa empresa, seja do hotel ou da agência de viagens. Estamos a aguentar, sem muitas expectativas para a retoma”, esclarece o empresário.
O turismo é um sector transversal, com efeitos multiplicadores noutras áreas da economia que dele dependem. É o caso da Novalinha, sedeada no Mindelo, dedicada ao transporte turístico e rent-a-car. O seu responsável, Amândio Costa, fala de uma “situação complicada”.
“Não tem sido fácil. Tinha 12 trabalhadores, mandei alguns para layoff, temos estado a desenrascar. De vez em quando conseguimos alugar uma viatura, mas não dá para cobrir despesas”, avalia.
Situação idêntica é referida por Albertino Dongo, da Transportes Dongo. A operar em Santo Antão, suspendeu todos os contratos de trabalho e admite a possibilidade de despedir trabalhadores.
“É óbvio que vou ter que mandar parte do pessoal para casa. Não tens como mante-los. Sem receitas, não temos como pagar a ninguém. Santo Antão, neste momento, não tem nenhum movimento”, desabafa.
Conforme contas do executivo, a crise económica associada à crise sanitária coloca em causa perto de 20 mil postos de trabalho, elevando a taxa de desemprego estimada para os 19,2%.
Susana da Graça, guia turística, diz que a classe está desamparada.
“Somos trabalhadores independentes, não temos contratos com agências, chamam-nos para a prestação de serviços. Neste momento, estamos no desemprego total, sem apoio do governo e ninguém nos diz nada. Estamos a sobreviver com o apoio das nossas famílias”, alerta.
As restrições às viagens, para conter a propagação do novo coronavírus, fizeram colapsar o turismo mundial. Contas da OMS antecipam uma redução dos fluxos turísticos de até 80%, este ano.
Por cá, onde o turismo representa 25% do PIB, o ministro da tutela, Carlos Santos, afirmou na última semana que o sector precisará de três anos para regressar aos números pré-pandemia.
“Obviamente que nós teremos uma quebra substancial ao nível dos turistas que vão entrar em Cabo Verde neste ano e no próximo. E os números dizem-nos que só em 2023 é que poderemos almejar voltar aos números de 2019”, comentou.
Em 2019, Cabo Verde registou um recorde de 819 mil turistas e a expectativa era alcançar um milhão em 2021.
Theo Lautrey antecipa uma retoma faseada, mais lenta no chamado turismo de massas.
“Penso que, no turismo de cruzeiro e all inclusive, vai ser mais difícil e impactado do que para nós, que estamos voltados para um turismo que é mais para clientes aventureiros. Se calhar, vamos sofrer menos com esta crise. Penso que a forma de turismo que temos em Santo Antão e em São Vicente poderá retomar mais rapidamente do que o turismo mais industrial”, antecipa.
Turismo interno?
Até que a recuperação aconteça, os pequenos operadores turísticos viram-se para os reduzidos fluxos turísticos internos, ainda que sem grandes expectativas.
O administrador da Nova Linha sugere uma articulação entre prestadores de serviços.
“Se os pequenos operadores reduzirem o preço e o mesmo não for feito nos transportes e noutros serviços, não vale de nada”, vaticina Amândio Costa.
À frente do Hostel Mindelo, de portas fechadas deste Março, Jordi Rocha faz as contas e conclui que, com custos fixos elevados e num mercado sem grande poder de compra, o turismo interno tem pouca margem para se afirmar.
“A alimentação não é barata, a electricidade, água. Os custos de ter um alojamento com boas condições são muito altos. Os alojamentos podem reduzir o preço para incentivar o turismo nacional, mas não conseguem reduzir para metade, por exemplo”, calcula.
Theo Lautrey também duvida do sucesso de uma aposta centrada no turismo interno.
“Infelizmente, não se compara o poder de compra dos nacionais com os turistas franceses, alemães e ingleses que visitam o país. Penso que vai ajudar os restaurantes em Santo Antão, por exemplo. Para a nossa actividade, de excursão, não acredito”, observa.
A procura turística deverá recuar este ano a valores de 2009. As receitas com o turismo atingiram, em 2019, um marco histórico de 43, 1 mil milhões de escudos. Em 2020, não deverão ultrapassar os 15 mil milhões, de acordo com as estimativas do governo.
*com Lourdes Fortes
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 974 de 29 de Julho de 2020.