Forte dependência do turismo, falta de ‘amortecedores’ para choques, riscos representados pelas empresas públicas. Vulnerabilidades identificadas na economia cabo-verdiana, pelo Banco Mundial (BM), no Economic Update de 2024, apresentado esta segunda-feira, em São Vicente.
Para reduzir a exposição aos choques externos, o BM considera “fundamental reduzir o apoio às empresas públicas e reforçar as práticas de gestão da dívida”. No relatório, a instituição financeira internacional fala de “riscos significativos” associados à dependência das empresas públicas do apoio fiscal, com a TACV a merecer menção especial. “Estes riscos são motivados principalmente pela deterioração do desempenho da Cabo Verde Airlines [CVA, marca comercial da TACV], que tem necessitado de maior apoio através de dotações orçamentais directas e garantias de empréstimos desde 2020. Só em 2023, o governo concedeu garantias de empréstimos totalizando 40,2 milhões de dólares às empresas públicas, com a CVA representando 29% do total, e a ELECTRA e a ASA representando em conjunto 48%”, lê-se.
O BM estima que, em 2023, o crescimento económico tenha abrandado para 5,1%, à medida que as exportações de serviços se estabilizaram, depois da forte recuperação pós-pandemia. As exportações, principalmente o turismo, e o consumo privado continuam a ser os principais motores do crescimento.
Alojamento, transportes e administração pública contribuíram com 3,2 pontos percentuais (p.p.) para a evolução positiva da economia, ao longo do ano passado. A construção registou ganhos modestos, com as pressões inflacionistas e aos padrões de crédito mais rigorosos a justificarem o desempenho.
O crescimento no sector dos serviços levou à criação de novos empregos, especialmente no turismo, mas os benefícios no rendimento real das famílias foram atenuados pelos efeitos da inflação. Ainda assim, a pressão dos preços foi menor e o valor da inflação diminuiu para 3,7% em 2023, em contraste com os 7,9% de 2022.
O crescimento económico também levou a uma redução da pobreza. A taxa fixou-se em 15,1%, menos 0,9 p.p. do que em 2022, mas acima dos níveis pré-pandémicos – 14,1% em 2019.
O défice orçamental melhorou para -0,3 por cento do PIB, abaixo dos -4,1 por cento de 2022. Redução em parte impulsionada por um aumento das receitas de 2,8 p. p. do PIB, resultado do aumento do imposto sobre o rendimento das sociedades, cobrança do IVA e receitas provenientes da concessão aeroportuária.
As despesas globais diminuíram 1,1 p.p., devido à menor execução do orçamento de capital para 2023. Para o BM, “a persistente subexecução do orçamento de capital é uma preocupação”.
A dívida pública diminuiu para 113,8% do PIB, redução estimulada pelo crescimento do PIB e do défice primário. Uma melhoria, depois do aumento para os 148% do PIB em 2021, em plena crise causada pela covid-19. Mesmo assim, a dívida permanece acima dos níveis registados antes da emergência sanitária global, quando estava nos 108,5% (2019).
O BM realça que “a adição da dívida interna garantida publicamente e da dívida interna não garantida pelas empresas públicas aumentaria significativamente os números da dívida, com a dívida total garantida a atingir 220 milhões de dólares em 2023, equivalente a 8,5% do PIB”.
De acordo com a Análise Conjunta da Sustentabilidade da Dívida do Banco Mundial e do FMI, referente a Dezembro de 2023, a dívida pública cabo-verdiana é sustentável, mas o risco de sobreendividamento global é elevado e o risco de sobreendividamento externo é moderado.
Previsões
Segundo as contas do BM, ao longo de 2024, o crescimento real deverá fixar-se nos 4,7%. Estima-se que a inflação continue em queda e diminua para 2,7%. A pobreza seguirá a tendência de redução e deverá ser de 14,9% este ano. “As perspectivas estão sujeitas a riscos descendentes substanciais decorrentes de novos potenciais aumentos nos preços das matérias-primas, ligados a choques geopolíticos, à procura externa mais fraca nos mercados de turismo e ao progresso limitado da agenda de reforma das empresas públicas”, sublinha o Economic Update.
O Banco Mundial acredita que um crescimento sustentado da economia nacional implicará “reformas urgentes”, capazes de diminuir a vulnerabilidade a choques externos, facilitando uma mudança para actividades azuis e verdes.
Economia Azul e recomendações
Num capítulo do relatório dedicado à economia azul, o BM lembra que o arquipélago tem uma combinação única de desafios e oportunidades. A instituição acredita que “a pesca poderia crescer, com o ambiente de apoio adequado” e que a aquacultura “é uma promessa significativa”, à espera de investimento, formação e apoio técnico.
“Ao dar prioridade ao zoneamento, às subvenções e ao apoio técnico, Cabo Verde pode promover uma indústria aquícola próspera que beneficie as comunidades locais e contribua para uma economia azul resiliente”, antecipa o relatório anual.
Eliminar as isenções de IVA sobre bens e serviços não essenciais, implementar impostos especiais sobre produtos prejudiciais ao meio ambiente, alargar a rede fiscal a sectores não tributados ou subtributados (como economia informal e serviços digitais), rever e reduzir incentivos fiscais associados ao investimento, que podem não estar a proporcionar os benefícios pretendidos. Algumas das recomendações deixadas pelo BM, em jeito de conclusão.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1176 de 12 de Junho de 2024.