Que análise geral faz ao Orçamento do Estado para 2025?
É um orçamento à volta de 93 milhões de contos, com uma tendência para a autonomia orçamental, isto é um bom princípio. Acima de tudo, parece-nos alinhado com o acordo de concertação estratégica que assumimos e assinamos no âmbito da concertação social – o acordo de 2024-2026 – com princípios macroeconómicos que trazem alguma estabilidade, independentemente da incerteza que o mundo vive hoje. Prevê um crescimento do PIB à volta de 5,3%, uma redução do desemprego em 1,5%, um défice público entre os 2% e 3%, uma dívida pública entre os 105% e 108% do PIB, uma inflação ao rondar 1% e 2%. Ou seja, traz alguma estabilidade e alguma previsibilidade fiscal. E há áreas bem definidas como a coesão, a sustentabilidade e a inclusão socioeconómica.
A área da inclusão merece-lhes algum destaque particular?
A inclusão socioeconómica é muito importante, porque traz medidas, acções e programas que fazem com que, através do emprego jovem, do emprego qualificado e de uma política de rendimentos, também haja mais consumo. O mercado terá a vantagem de ter uma procura agregada muito mais forte, ou seja, mais consumo, mais investimento. Será, naturalmente, um grande motor da actividade económica.
O ministro das Finanças, na apresentação do OE2025, falou num orçamento para provocar impactos.
O Orçamento de Estado de 2025 prevê vários impactos, directos e indirectos, na vida dos cidadãos. E é importante que as pessoas sintam o impacto. O orçamento é a tradução sempre numérica dos planos e daquilo que se espera que impacte na vida das pessoas, na vida das empresas e na vida do país. Há uma previsão de melhoria na infraestrutura, com investimentos em estradas, aeroportos, portos, que traz uma melhoria de acesso, mobilidade de pessoas e bens e mais oportunidades económicas. A nível da energia sustentável, há uma transição para o sector energético mais eficiente, que pode resultar em contas de energia mais baixas, num ambiente mais limpo, que pode beneficiar não só as empresas, mas a própria saúde pública. A criação de emprego qualificado, especialmente para jovens e mulheres, ajudará a reduzir o desemprego, a promover a inclusão social, aumentando o rendimento das famílias. Com o rendimento das famílias há mais vantagens para o mercado. As empresas podem produzir mais, podem vender mais e podem ter também mais rendimentos e com isto gerar mais lucros para serem reinvestidos e produzir riqueza nacional. E também para o turismo, o sector-chave da nossa economia, é um orçamento que vai trazer medidas para o turismo, mais promoção turística, mais facilidades de atração de investidores externos e isto pode gerar mais empregos e aumentar a renda nacional, beneficiando directamente aqueles que trabalham no sector e, indirectamente, outros sectores da economia.
E por arrasto vai encostar a um dos objectivos que é o da redução da pobreza.
Se há menos pobreza temos um país mais equilibrado, mais harmonioso, com mais estabilidade económica. Esta procura agregada, é fundamental, é o motor da actividade económica.
Ainda por falar em redução da pobreza. Os empresários concordam com o aumento do ordenado mínimo?
Sim, sim, concordamos. Aliás, foi amplamente discutido no seio da concertação social. Temos que melhorar a condição de vida dos trabalhadores. É uma preocupação das empresas e dos empresários. Temos que garantir incentivos aos trabalhadores, não só salário, mas de várias formas. Ao criar melhores condições de trabalho, também estamos a aumentar a competitividade e a produtividade. Estamos a melhor a missão de cada empresa. Vai trazer vantagens às empresas, vai trazer vantagens ao próprio mercado e aumentará a produtividade. E o objetivo é continuar a aumentar. Por outro lado, há uma redução da taxa do IRPC [Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas], que está a descer desde 2019 [na altura era 25%]. Claro que houve o interregno por causa da Covid, mas para 2025 foi acordado reduzir de 21% para 20%, o que é óptimo. Com menos impostos sobre os rendimentos, há uma folga para melhorar as condições salariais, as condições de vida dos trabalhadores e, com isto, promover a inovação e aumentar a produtividade.
Já afloramos a questão deste ser um orçamento financiado em 87% com receitas próprias. Temem um agravamento fiscal de surpresa?
Não. Daquilo que nós discutimos, a percentagem advém da melhoria da administração fiscal. Ou seja, da previsibilidade fiscal, do combate à evasão e a fraude fiscal. Sempre defendemos que se toda a gente pagar, pagamos todos menos. Hoje a administração fiscal está melhor preparada. O Estado tem poucas vias de se financiar. É impostos, é empréstimos, é títulos de tesouro e é donativos. Não há muito mais. Não se prevê um aumento da carga fiscal. O que se prevê é maior eficiência da administração fiscal e com isso aumentar a base tributária. Se aumentarmos a base tributária e se toda a gente contribuir, ainda com o mínimo possível, teremos mais rendimento fiscal e teremos, com certeza, menos impostos a pagar.
O orçamento tem três pilares essenciais; a inclusão social, o crescimento económico e a transição energética. Escolhas pacíficas para os empresários?
Sim, sim. É pacífico. E está alinhado com o acordo de concertação estratégica. Não há grandes surpresas para o sector empresarial privado. E é um orçamento que inclui várias medidas e incentivos fiscais destinados a beneficiar as empresas.
Por exemplo?
O orçamento prioriza políticas de incentivo fiscal e financeiro para empresas com o objetivo de fortalecer o crescimento económico e a criação de empregos. Isto é importante. Traz isenções e reduções de taxas, incentivos à sustentabilidade, apoio à inovação e infraestruturas, redução até, em alguns casos, de custos operacionais com a taxa do IVA, por exemplo, na transmissão elétrica e no fornecimento de água aos consumidores finais até 8%. Há um conjunto de medidas que acabam por beneficiar e impactar positivamente o sector empresarial.
Este orçamento tem como grande objetivo criar emprego qualificado e tem o grande desafio que é duplicar o potencial de crescimento económico. Ou seja, há também muito trabalho pela frente.
Há muito trabalho e isso tem que ser visto numa lógica contínua. O desenvolvimento económico equilibrado entre as ilhas é uma grande preocupação e um desafio. Tem que haver políticas, tem que haver programas e tem que haver acções alinhadas com a própria estratégia. Como a melhoria contínua da conectividade. Sem conectividade não temos competitividade. O forte pendor social, nunca tivemos um Estado social tão forte como agora, mas isso não deve refletir negativamente na inovação, na área da criatividade. O Estado, sim, deve ser um Estado cada vez mais social, mais forte, mas sem pôr em causa a criatividade, sem pôr em causa a competitividade. Não estamos sozinhos, não estamos isolados. Temos de ser competitivos. Temos de diversificar a economia. Fala-se muito em diversificar a economia, mas depois não há políticas públicas muito claras, até hoje, para a diversificação da economia. Continuamos a depender do turismo. Não conseguimos sair, por exemplo, de uma actividade de subsistência no sector da pesca, de uma pesca artesanal. Falamos em evoluir para uma pesca industrial. Ora, temos que dar passos e temos que criar programas específicos, acesso ao financiamento, para garantir também a industrialização da pesca. Temos dado alguns passos, ainda que tímidos, para a agricultura. Esses programas devem ser fortalecidos. Temos que diversificar, de facto, a nossa actividade económica na agricultura, pesca, diversificar dentro do turismo, e na pequena indústria. Cabo Verde deve apostar muito forte na pequena indústria. Não é numa indústria pesada, eventualmente não teremos condições nesta fase, mas pequenas indústrias estão perfeitamente ao nosso alcance, podem ser aproveitadas, priorizadas, desenvolvidas, porque isto ajuda muito um país que importa mais de 90% daquilo que consome. Não podemos fazer tudo de uma só vez. Mas é preciso fazer. Temos que potenciar os parques industriais. Temos que orientar e estimular os que cá estão, não afugentá-los. Eventualmente, neste momento, até há medidas que estão a afugentar os investidores do parque industrial, por exemplo, de São Vicente. Isto não pode continuar. Temos que promover a estadia, promover a retenção dos investidores externos e atrair mais investidores externos. Porque a produção da indústria ligeira, contribuirá directamente para a nossa economia. Diminui o peso da importação, melhora a balança de pagamentos e, naturalmente, a balança comercial. Não se pode falar e depois não ter acções, não ter programas concretos para alicerçar a estratégia que existe.
É um orçamento que beneficia a competitividade das empresas ou poderia ter ido mais além?
Pode sempre ir mais além. Por exemplo, gostaríamos muito, e há dois ou três anos que estamos a lutar por isso, que houvesse uma redução do IVA na restauração. É uma área fundamental. Vivemos num país turístico. A restauração não deve ser vista como lazer, mas como uma área específica que precisa de ser desenvolvida em Cabo Verde. Uma área que teve muitos problemas durante a pandemia. Não foi possível ainda esta redução. Nem sempre conseguimos tudo o que desejamos. Temos feito também um esforço enorme para reduzir a carga aduaneira. Mas o peso das taxas aduaneiras é ainda grande, é enorme. Temos também investido para que haja na mobilidade energética e elétrica, alguma atenção para viaturas híbridas. Há apenas para viaturas elétricas, mas estamos a fazer uma transição. Podemos fazer uma transição do combustível fóssil para viaturas híbridas e depois para viaturas elétricas. E não temos conseguido. Isto são só alguns exemplos concretos daquilo que propomos e nem sempre conseguimos, porque o Estado também não consegue atender tudo no mesmo ano. O ambiente de negócio deve ser estável, e isso temos tido, deve ter previsibilidade fiscal, tem havido, deve continuar a reduzir as taxas do IRPC – o objectivo é que a curto prazo atinja cerca de 15% a 16%. Será importante para as empresas, será importante para atrair mais empresas e mais investidores e para as empresas aproveitarem e fazerem mais investimentos, gerar mais emprego, gerar mais rendimentos e mais riqueza nacional.
As empresas estão a ser estimuladas a serem inovadoras e empreendedoras, isso está no orçamento, ou para já são só intenções?
Há apoio também nessa área, para a inovação e a infraestrutura. Da parte da inovação há a transição digital e a conectividade digital. Há grandes incentivos também para a instalação de fibra óptica. Portanto, há programas específicos para a inovação.
Como já falámos, a dívida pública está a diminuir. Isto também é positivo porque as empresas já não têm que lutar tanto com o Estado no acesso ao crédito.
Exacto. O problema crónico das empresas em Cabo Verde é o acesso ao crédito. O sector bancário tem pouca disposição para o risco, é mais clássico, com produtos conservadores, não há produtos financeiros mais inovadores, mais flexíveis, mas temos que criar condições para isso. A dívida pública vai facilitar o Estado, porque quanto menos dívida pública, mais o Estado consegue garantir, através do ecossistema da Pro-Garante, e da Pro-Empresa, da Pro-Capital, e também do Fundo Soberano, apresentar garantias concretas que facilitam depois o acesso ao crédito por parte das empresas. Estamos a ver a tendência da redução, e ela vem de duas formas: aumento dos rendimentos e diminuição dos empréstimos.
Que impacto é que as contas públicas podem ter na percepção de risco e na disposição de investir por parte dos empresários?
Há sempre riscos, mas nós somos optimistas. Os riscos também estão devidamente identificados no próprio orçamento, são riscos calculados e identificados que não põem em causa os investimentos privados em diversos sectores, nomeadamente no turismo e na economia digital.
E acha que os empresários estão na disposição para investir ou vão ser mais cautelosos?
O nível de confiança tem aumentado depois da crise. Há mais predisposição para investir. E as empresas, de uma forma geral, têm feito esse esforço, têm investido, têm expandido e esperamos que nos próximos anos continue a ser assim.
O que é que os empresários gostavam de ver no orçamento que ainda não vêem?
Do ponto de vista fiscal, o empresário quer pagar sempre menos impostos, menos taxas. Em Cabo Verde, pagamos taxas para quase tudo. Criou-se um esquema de financiamento público através de fundos. Há fundo para tudo. E para esses fundos há taxas para os sustentar. Os empresários querem pagar impostos, mas querem pagar um imposto justo, um imposto que é uma ferramenta de retorno e não para financiar somente ferramentas públicas. Queremos previsibilidade. Queremos uma redução do IVA em sectores-chave. Gostaríamos que a taxa de IRPC fosse menor. Gostaríamos que também houvesse flexibilidade na administração fiscal, isto é importante no dia-a-dia e no relacionamento com os empresários. Mas o orçamento é sempre uma coisa complicada, porque é preciso depois mobilizar os recursos financeiros todos. Esperamos que haja uma grande mobilização de recursos. E um outro aspecto importante do orçamento, esperamos que haja uma boa taxa de execução. Poucas vezes avaliamos a taxa de execução dos orçamentos do Estado, por sectores, por ministério, por áreas. Isto é importante, mas não temos feito este exercício. Quem executa? Quem tem capacidade de execução? Quem tem capacidade de materialização? Qual é a percentagem por área, por sector, por ministério da execução orçamentada? Porque muitas vezes as coisas são definidas, são aprovadas no orçamento, são aprovadas através da lei no Parlamento e depois não são medidas, não são quantificadas. Devemos passar a exigir um exercício de apuramento dos resultados da execução do Orçamento de Estado. É importante porque permite fazer também uma previsão para os anos seguintes, uma reorientação das nossas medidas, das acções, dos programas que devem estar sempre alinhados com as políticas públicas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1198 de 13 de Novembro de 2024.