“Cabo Verde não é um país-problema, é um país de oportunidades”

PorJorge Montezinho,23 nov 2024 8:16

Olavo Correia, Ministro das Finanças
Olavo Correia, Ministro das Finanças

Entre quarta e sexta-feira, no Parlamento, o Orçamento de Estado para o próximo ano é discutido na especialidade. O Ministro das Finanças, em entrevista ao Expresso das Ilhas, diz que há espaço para acomodar propostas dos outros partidos, mas Olavo Correia deixa também o aviso: o orçamento tem de ser equilibrado e, no essencial, ilustra o programa do governo.

Este é um orçamento ancorado em três pilares fundamentais. Começávamos pelo primeiro, o que se pretende quando fala em estabilização?

O primeiro pilar é aquilo que eu chamo de estabilização: estabilização macroeconómica, macrofiscal, monetária, financeira e social. Perante um mundo instável, imprevisível e inseguro, Cabo Verde, enquanto pequeno Estado insular arquipelágico, responde com um esforço ao nível da promoção da estabilidade, da previsibilidade e da confiança. E é por isso que desenhámos um orçamento que coloca o défice orçamental em valores abaixo dos 3% do PIB, uma inflação abaixo dos 2%, uma dívida pública a percorrer uma trajetória de redução do valor em percentagem do PIB, estamos agora a caminhar para valores à volta dos 105% do PIB – e estamos a partir de valores de uma pós-pandemia da ordem dos 143% – uma trajetória acelerada em matéria de redução da dívida pública, mas também é um orçamento que aposta na cobertura das importações pelas reservas cambiais e num rácio mínimo de cobertura de 5 meses, para podermos garantir a livre circulação de capitais. É um orçamento que aposta no crescimento económico acima dos 5%, na redução do desemprego, que já se situa à volta dos 8%. Queremos continuar essa trajetória da redução da taxa de desemprego, mas também ao nível da redução da pobreza absoluta e da eliminação da pobreza extrema. Os dados que temos apontam que estamos a caminhar tanto para a eliminação da pobreza extrema, que já está a um nível de valores muito baixos, à volta de 12,5%, mas também que estamos a caminhar para a redução da pobreza absoluta, está em 25% da população, mas numa trajetória de decréscimo e vamos continuar com essa trajetória para colocar essa taxa à volta de um dígito. Portanto, o primeiro pilar fundamental é estabilizar e estabilidade.

O segundo tem a ver com reformas. Quais e como?

As reformas devem ser apreendidas nos mais diversos domínios da actividade económica. Mas, sobretudo, reformas críticas para o nosso futuro coletivo. Importa dizer que temos de evitar aquilo que chamo de tirania das pequenas coisas: procurar fazer muitas pequenas coisas e em todo o lado e depois não ter o impacto que precisamos para garantirmos a duplicação do potencial de crescimento da economia cabo-verdiana. Por isso é fundamental que Cabo Verde invista nos próximos anos, de forma decidida, primeiro, ao nível das conectividades e mobilidade, que envolve o sector dos transportes terrestres, transportes aéreos e marítimos, nacionais e internacionais, conectividade tecnológica e também conectividade humana. Isso significa que devemos ter um sistema de ensino e de formação que permita a massificação do ensino das línguas, para que os nossos jovens possam ser jovens cabo-verdianos, mas jovens do mundo e no mundo, utilizando as tecnologias e as línguas para se conectar. Vamos investir mais de 4 milhões de contos só para o sector das conectividades e das mobilidades. Em segundo lugar, a transição energética, a acção climática e a transição digital. Precisamos de ter uma energia mais barata, mais limpa e menos dependente de fontes externas. Precisamos de promover a mobilidade elétrica e também trabalhar de forma afincada para que até 2050 possamos ter e garantir uma economia descarbonizada. Ao mesmo tempo, Cabo Verde tem de ser uma nação digital ancorada em três pilares fundamentais. Primeiro, serviços públicos digitais, a 100% e assim combater a burocracia, promover a igualdade de oportunidades, conectar-se de forma permanente com a diáspora digital e aproveitar as oportunidades que o mundo encerra para Cabo Verde. E não podemos fazer isto, digamos, durante 50 anos. Temos que encurtar o timing, concentrar os recursos de investimentos para que os impactos possam aparecer. Segundo, uma economia cashless; Cabo Verde não precisa de notas e moedas do Banco Central para promover as transições económicas. O que queremos é criar uma economia digital ancorada nas start-ups, nas fintechs, para garantir que as transações económicas possam ser feitas e tramitadas numa base digital, segura, rápida, com as vantagens para todos: Estado, contribuintes, empresas e os cidadãos. Em terceiro, Cabo Verde tem todas as condições para ser um hub tecnológico, ter um sector económico ancorado no digital e olhar o digital como um acelerador e um amplificador de oportunidades. Digital na saúde, na educação, na segurança urbana, na economia azul, nas indústrias, nas indústrias criativas, na economia social, na economia financeira e em todos os domínios da actividade económica. Um hub tecnológico, ancorado no nosso tech park, onde investimos mais de 50 milhões de dólares, para testarmos, serviços, consolidarmos serviços e depois exportá-los para a nossa sub-região, para o nosso continente e para o mundo.

O terceiro pilar é o capital humano. O que está previsto?

Temos de investir numa formação de excelência, desde o pré-escolar, ensino básico, ensino secundário, universitário, pós-universitário, formação profissional, para que os nossos jovens possam dominar as ciências, as tecnologias, as línguas, a cultura do mundo, e possam ser jovens cabo-verdianos, jovens do mundo e no mundo, jovens com certificação para trabalhar em Cabo Verde ou em qualquer geografia a nível mundial. Mas é muito importante que tenhamos métricas de comparação da nossa qualidade de ensino, nomeadamente com os países da OCDE, para podermos, a todo tempo, medir a qualidade daquilo que fazemos e daquilo que entregamos à comunidade em matéria da formação dos recursos humanos. É muito importante que Cabo Verde consiga fazer isso. Temos mais de 4 milhões de contos de investimentos só ao nível do capital humano, 3 milhões de contos directamente e mais 1 milhão de contos com vários programas.

Falou há pouco da transição energética, da acção climática, são áreas fundamentais para o arquipélago?

Para a área de transição energética e acção climática digital, vamos investir cerca de 3 milhões de contos para provocarmos impacto. Mas temos uma área também muito relevante que tem a ver com o sector privado e a diversificação da economia cabo-verdiana. Cerca de 3 milhões de contos também de investimentos para que tenhamos um ecossistema de financiamento à economia e de apoio ao sector privado. Temos cerca de 15 milhões de dólares ao nível da Pró-Capital para ajudar os micro e pequenos empresários. Temos 100 milhões de dólares ao nível do Fundo Soberano de Garantia para apoiar as grandes empresas com projetos estruturantes. E estamos a finalizar um projeto de cerca de 80 milhões de dólares com o Banco Africano de Desenvolvimento, um fundo que chamamos Fundo Morabeza, para ajudar adicionalmente os micro, pequenos e médios empresários com potencial de crescimento e de criação de empregos ao nível do nosso país.

E onde ficam as políticas de inclusão, tantas vezes faladas?

Cabo Verde quer ser um país inclusivo, um país estável do ponto de vista social, mas uma inclusão pela via do emprego e do rendimento, como regra, e só excepção pela via da transferência de rendas. Os jovens cabo-verdianos e as mulheres cabo-verdianas não precisam de esmolas, não precisam de caridade e não precisam de assistencialismo. Precisam de oportunidades para colocarem sua energia ao serviço da economia cabo-verdiana. Queremos incluir pelo emprego, pelo rendimento e também pela mobilização das energias que os jovens e as mulheres têm e querem colocar ao serviço da nação. E tudo isto também está no quadro da promoção do sector privado e da criação do ecossistema para apoiar os micro e pequenos empresários.

Tudo isto dentro de um orçamento quantificado em cerca de 98 milhões de contos.

Estamos a trabalhar para que Cabo Verde consiga atingir um PIB de 3 bilhões de euros e um orçamento de 1 bilhão de euros. Quando chegarmos a esses dois números, já teremos que ter passado por uma nova fase, não é? E, eventualmente, já teremos cumprido a nossa missão. E estamos perto. Pensamos que, no próximo orçamento, possamos chegar a 1 bilhão de euros e a uma riqueza nacional criada à volta de 3 bilhões de euros, para termos uma economia já com uma dimensão interessante, seja do ponto de vista da riqueza criada, como também do ponto de vista do orçamento alocado para continuar a incentivar a dinâmica de crescimento da nossa economia.

Quando apresentou as directrizes disse que este era um orçamento para criar impacto. Que impacto?

Voltamos à questão inicial. Queremos estabilizar, queremos reformar, mas queremos desenvolver, desenvolver como? Produzir um impacto. E qual é o impacto que nós queremos produzir com este orçamento? É investir para promover a criação de empregos qualificados e bem remunerados para os nossos jovens em todas as ilhas. O impacto que nós queremos é o emprego. E o emprego dá acesso ao rendimento. E com o rendimento garantimos o acesso à energia, à água, ao saneamento, à habitação, à qualidade de vida e à dignidade da pessoa humana, que é ter a autonomia que resulta do rendimento com base no esforço próprio. O impacto é medido pelos empregos criados. E nós temos aqui um trabalho hercúleo a fazer que tem a ver com o aumento do rendimento.

Para já, aumentaram o salário mínimo.

Temos o salário mínimo nacional para o sector privado, para 2025, actualizados para 17 mil escudos. Para o sector público está em 19 mil escudos e o salário médio está em 35 mil escudos. O esforço tem de ser aumentar o salário médio e continuar a aumentar o salário mínimo, para que os empregos criados possam redundar-se em rendimentos com base em emprego qualificado e bem remunerado. Para fazermos isto, temos de fugir da, como referi, tirania das pequenas coisas. Fazer muitas pequenas coisas que depois não produzem impacto. Temos de priorizar, decidir, alocar recursos com escala – recursos humanos, financeiros, institucionais de governança – para que os impactos possam ser produzidos e possamos garantir aquilo que é essencial para para Cabo Verde, que é a duplicação do nosso potencial de crescimento económico.

Como será conseguido?

Será um esforço de Hércules e envolve uma coligação de lideranças para fazermos com que isso aconteça. Se acontecer, teremos empregos qualificados, bem remunerados, que precisamos, para os nossos jovens, para que os nossos jovens continuem a investir em Cabo Verde, no continente africano e aqueles que, por uma razão ou outra, quiserem emigrar, emigrem com certificação profissional, formação universitária, contrato de trabalho, cobertura da saúde e da segurança social, para que também possam ser tratados dignamente em qualquer geografia. Temos de fugir da lógica do input e avançar para a lógica do output. Mais importante do que: o que é que vamos gastar e em que volume, é: qual é o impacto que queremos produzir na economia e na sociedade de Cabo Verde.

Geralmente as pessoas querem menos impostos e mais rendimento.

Temos uma política fiscal desenhada há muitos anos, que está a ser implementada e que tem de cumprir dois objetivos fundamentais. O primeiro, garantir as receitas públicas necessárias para que Cabo Verde possa promover a estabilidade orçamental, a estabilidade financeira e a estabilidade monetária. Ter uma moeda convertível, ter um PEG fixo em relação ao euro, ter um país que garante, a todo tempo, livre circulação de capitais, ter um país que tem uma inflação abaixo dos 2%, um défice orçamental abaixo dos 3%, uma dívida pública a diminuir o seu peso em percentagem do PIB, temos de ter um orçamento equilibrado, com base nos recursos próprios. Temos de ter uma estratégia capaz de garantir que o Estado consiga cobrar, todos os anos, cada vez mais impostos. Hoje financiamos cerca de 87% do orçamento com recursos endógenos. 87%! Tem sido uma evolução muito importante, quase que duplicamos o nível de cobrança de impostos de 2016 a 2024. Passamos de 40 milhões de contos para valores a volta de 80 milhões de contos. Agora queremos atingir 100% da cobertura do orçamento com recursos endógenos. E permitir que os donativos e empréstimos externos ajudem-nos a alavancar ainda mais a dinâmica de crescimento da economia. O segundo objectivo é não aumentar a taxa de incidência. Ou seja, queremos taxas de incidência moderadas, mas uma base tributária alargada. Traduzindo por miúdos, é todos a pagar, cada um a pagar menos e com o volume de cobrança global cada vez maior. Por isso é que, por exemplo, reduzimos a taxa de impostos de pessoas coletivas em sede de impostos sobre rendimentos, que era de 25% em 2016 e hoje está em 21% e para 2026 queremos colocar em 20%. E, nos próximos 5 anos, queremos reduzir, para chegar a uma taxa de 15% para a tributação de pessoas coletivas. Criamos um conjunto de instrumentos, de incentivos fiscais para os micro e pequenos empresários, para as start-up de base tecnológica, para o investidor emigrante, projetos de mercado diferenciado, sectores que têm a ver com a agricultura, as pescas, a transição energética, em que criamos um quadro alargado de incentivos fiscais para promover o investimento nessas áreas. E, ao mesmo tempo, estamos a combater a informalidade, introduzindo mais digital na cobrança dos impostos, sistema mais desmaterializado, e vamos avançar com a utilização de inteligência artificial para que a máquina fiscal seja a mais eficiente possível para combater a fuga, a fraude, a evasão fiscais, combater a informalidade e aumentar de forma substancial a base tributária. Aumentando a base tributária, mesmo que consigamos reduzir a incidência, vamos ter uma capacidade de cobrança que vai permitir que Cabo Verde consiga financiar a 100% o seu orçamento dentro de um prazo máximo de 5 anos, contando a partir de agora.

Falou dos impostos. E ao nível do rendimento?

Ao nível de rendimento vai haver aumento, seja na esfera pública, onde vamos injetar mais de 1,5 milhões de contos só para aumento da remuneração na máquina pública. E vamos aumentar o salário mínimo no sector privado de 15 para 17 mil. No sector público vai aumentar para 19 mil escudos. E com a dinâmica que estamos a introduzir, seguramente vamos ter um aumento do salário médio a nível nacional, pela via da formação, da qualificação e do aumento da produtividade das empresas. Se não conseguimos remunerar bem a nossa mão-de-obra, os nossos jovens, as nossas mulheres seguramente que terão remunerações melhores em outras geografias. É o nosso apelo ao sector privado.

Geralmente a parte visível de um orçamento de estado são as obras públicas. Quais são os projetos estruturantes?

Temos alguns que já estão descritos de forma específica no orçamento e outras que estão em fase de fecho das negociações e que irão ser inscritos mais tarde. Mas posso dizer que temos um programa forte ao nível das acessibilidades terrestres, mais de 35 milhões de dólares só para as estradas. Temos um programa vasto ao nível da saúde. Vamos avançar com, por exemplo, o Centro de Saúde da Brava, Centro de Saúde de Achada Monte, em São Miguel, Centro de Saúde de Ribeira das Patas, em Porto Novo, Centro de Saúde dos Picos, Centro de Saúde de Ribeira Grande de Santiago, Centro de Saúde do Monte Sossego, e também estamos a trabalhar, e já na fase final, em relação ao Hospital Central de Cabo Verde, edificado na Ilha de Santiago. Temos na área dos aeroportos, todo o investimento vai ser financiado pela Vinci e vai abranger todos os aeroportos de Cabo Verde. Temos um projeto gigantesco ao nível do sector da energia. Fechamos agora um pacote de cerca de 300 milhões de euros com a União Europeia que vai envolver três áreas essenciais. Vamos ter uma central de armazenamento de energia renovável em Santiago. Vamos ter iluminação pública com base LED em todas as ilhas. E vamos ter um sistema inteligente de despacho e de gestão no sistema elétrico, também financiado pelo programa Global Gateway [a estratégia Global Gateway, da União Europeia, visa criar ligações sustentáveis e de confiança em benefício das pessoas e do planeta]. Uma segunda área tem a ver com o digital. Vamos financiar o cabo Medusa, que vai ser o terceiro cabo internacional que vai ligar Cabo Verde com a Europa e com a América do Sul e eventualmente vamos ter também o cabo Amílcar Cabral e Cabo Verde vai ser um dos poucos países em África com 3 ou 4 cabos submarinos de fibra óptica internacional. Mas também vai ser contemplado neste financiamento o cabo submarino entre ilhas, que é um cabo já vetusto, temos financiamento para modernizar toda a ligação entre as ilhas, para que possamos conectar as ilhas entre si e conectar Cabo Verde com o mundo. Também temos financiamento garantido para que no próximo ano possamos avançar para o 5G. Vai ser executado pela Cabo Verde Telecom, financiado pelo Global Gateway e pela Comissão Europeia, com financiamento e com um donativo e depois também com a garantia e o aval da parte do Estado de Cabo Verde enquanto promotor principal destes projetos. Uma terceira área: infraestruturas portuárias. Vamos ter financiamento para investirmos na CABNAVE, no Porto de Contentores, no Porto de Pesca em São Vicente e no porto de Porto Novo. Vamos investir na habitação social, mais de um milhão de contos, vamos construir mais de 800 casas em 2025, sem contar com as casas que vão ser reabilitadas. Portanto, posso continuar a lista que é enorme, mas de uma forma concentrada nas áreas que referi.

Nos riscos orçamentais, as empresas públicas são consideradas o maior risco, mas a seguir também vem o quadro macroeconómico, ou seja a economia mundial entra no jogo. Quando produziram o documento ainda não havia, por exemplo, a eleição de Donald Trump. Acha que o mundo se tornou mais imprevisível do que era?

O mundo é seguramente, hoje, um mundo mais imprevisível, mas temos de focar nas variáveis que controlamos. Somos um pequeno Estado insular arquipelágico, somos um Estado que recebe os choques externos, não somos definidores daquilo que são as mega tendências mundiais, portanto, temos de nos concentrar nas variáveis que controlamos. E são três. Promover a estabilidade macroeconómica, macrofiscal e monetária e temos de cuidar do tempo enquanto o sol estiver a brilhar. Temos de ir criando folgas e almofadas para a gestão dos riscos que podem vir do plano externo e do plano interno. Nesse momento em que o sol esteja a brilhar para Cabo Verde, do ponto de vista do crescimento económico, temos de criar as almofadas. Para caso aconteça qualquer evento extremo – climático, geostratégico – com impacto na economia cabo-verdiana, termos as almofadas para a gestão destes riscos. Não gastar tudo aquilo que produzimos e não gastar todo o rendimento que estivemos a produzir em cada mês e em cada ano. A segunda variável é acelerar as reformas. Quanto mais cedo as reformas forem implementadas, quanto mais cedo produzimos impactos, mais resiliente, mais diversificada e mais pujante se torna a economia cabo-verdiana. As reformas nos sectores da energia, da água, das conetividades, das mobilidades, do digital, do capital humano, da diversificação da economia, devem ser aceleradas para que os resultados possam aparecer no tempo certo. As reformas do sector empresarial do Estado, para reduzirmos os riscos fiscais e para melhorarmos o nível de serviço dessas empresas. Em terceiro lugar, a governança, a liderança. Têm de ser tão pujante para incutir nos cidadãos, nas chefias intermédias, nas lideranças, o sentido de urgência. O sentido de urgência permite-nos antecipar. Urgência é fazer acontecer. Urgência é decidir a tempo certo. Urgência é melhorar o ambiente do negócio. Urgência é melhorarmos a conectividade no nosso país. Urgência na transição energética. Urgência no sistema educativo. Urgência no sentido de termos uma governação cada vez mais transparente, mais servidora e mais capaz de resultados. Esse sentido de urgência permite-nos fazer com rapidez, com escala e com velocidade. E permite-nos preparar, atempadamente, para qualquer eventualidade climática, geostratégica ou de choques externos. Penso que é evidente que o mundo é hoje mais incerto, mais imprevisível, mais inseguro. Os eventos climáticos são cada vez mais frequentes e mais impactantes. E nós temos de nos preparar.

Mas esses riscos poderão mexer com as estimativas macro que existem para Cabo Verde? O crescimento, a taxa de desemprego, a inflação. Está a contar com alguma oscilação?

Temos previsto essas incertezas no nosso cenário macro, mas é claro que nós não podemos dramatizar o nosso cenário macroeconómico, caso contrário, seremos nós próprios a injectar o sentimento de pessimismo na economia e na nação. Temos de ter uma projeção moderada, responsável, equilibrada e depois termos um plano de contingência, que é o plano que está definido na declaração de riscos orçamentais. Temos já todo o mapeamento dos riscos: climáticos, ambientais, financeiros, monetários, geopolíticos, geostratégicos, estão todos mapeados, estão todos qualificados, temos uma previsão macroeconómica moderada e depois uma equipa de plantão para a gestão dos riscos orçamentais que podem surgir, seja do plano interno como do plano externo.

Quais foram os principais desafios deste orçamento de estado?

Três desafios importantes. O primeiro é a capacidade de execução. Executar dentro do ano de 2025 os 900 milhões de euros que temos disponíveis, com impacto. Segundo ponto fundamental, mobilizar o investimento privado. Micro, pequenos, médios e grandes, nacionais, que estão em Cabo Verde, cabo-verdianos que estão na diáspora e estrangeiros que procuram Cabo Verde para investir. O terceiro desafio, que é transversal e permanente, é fazer de Cabo Verde um caso de sucesso continuado, permanente e perene, em matéria de estabilidade, previsibilidade e confiança. Sobretudo agora, em 2025, em que vou também exercer as funções de Presidente do Conselho de Governadores do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, que vai envolver os Ministros das Finanças de todos os países do mundo. Representando Cabo Verde, enquanto Presidente desse Conselho, também tenho que levar Cabo Verde como um exemplo, como um caso de sucesso, como um caso de melhores práticas. Investir na estabilidade, investir na confiança, é investir na reputação de Cabo Verde, é investir na sua utilidade, é investir também no respeito que o mundo tem por Cabo Verde. É um activo que não pode ser desperdiçado.

Vem aí discussão na especialidade, qual é a margem orçamental para acomodar medidas que outros partidos apresentem?

O orçamento é equilibrado, mas mais do que estarmos a discutir o sobe/desce dos valores, ou quem recebe o quê, um debate legítimo, como é óbvio, mas é um debate que não cria valor. É um debate que em vez de focar no output, foca no input. O que queremos é o resultado, o output. Repare, posso alocar muito mais recursos e ter piores resultados, como posso alocar menos recursos e ter melhores resultados. O foco não pode estar em ter mais ou menos recursos, mas em como garantir melhores resultados, melhor nível de serviço para os nossos concidadãos. Importante são as reformas que temos de empreender. Para que Cabo Verde duplique o seu potencial de crescimento económico. A questão que se coloca é se os recursos que estamos a alocar para o capital humano, a conetividade e as mobilidades, a transição energética, a ação climática, a transição digital, são suficientes ou não. Se esses recursos garantem o resultado que queremos entregar aos cidadãos. Se temos capacidade de governança para permitir que esses recursos alocados possam trazer para o país os melhores resultados possíveis. Este é o debate. E no quadro deste debate, estamos abertos para discutirmos as reformas, os valores alocados e se podemos ajustar, mas garantindo aqui uma regra fundamental: o orçamento tem que ser equilibrado. Havendo um aumento da despesa, tem de haver ou uma redução da despesa correspondente ou um aumento da receita correspondente. O grande problema que se coloca muitas vezes é que os partidos de oposição levam propostas apenas para aumentar a despesa pública. Se aumentarmos na despesa, vamos ter um orçamento desequilibrado. Estamos abertos para escutar, analisar e avaliar também a bondade das propostas. Se elas forem boas, sustentáveis e equilibradas, pode crer estaremos disponíveis para as acolher. Espero um debate responsável e com sentido de otimismo. Cabo Verde não é um país-problema. Cabo Verde é um país de oportunidades; na economia azul, na economia digital, no turismo, nas indústrias, nas indústrias criativas, no sector financeiro, na economia da saúde, na economia social, nos transportes. Mas Cabo Verde também é um país que tem desafios para serem vencidos e que não podem ser ignorados; ao nível do capital humano, das conetividades, da própria diversificação da sua economia, da acção climática, da transição energética, da transição digital, da própria governança. E esses desafios devem ser vencidos. Todos estão devidamente identificados neste Orçamento do Estado e temos recursos alocados: orçamentais, humanos, institucionais e de liderança para os vencer.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1199 de 20 de Novembro de 2024. 

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Autoria:Jorge Montezinho,23 nov 2024 8:16

Editado porSara Almeida  em  25 nov 2024 23:25

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