Oito a 13 milhões de pessoas no mundo poderão sofrer de subnutrição se o bloqueio às exportações de alimentos da Ucrânia e Rússia perdurarem devido à guerra, alertou a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Depois de o Presidente francês, Emmanuel Macron, ter dito que a Europa e África seriam “profundamente destabilizadas em termos de alimentos” nos próximos 12 a 18 meses devido à guerra, o director-geral da FAO, Qu Dongyu, detalhou quais os países que seriam afectados e qual a extensão.
Em comunicado, citado pelo Público, o director-geral da FAO disse que “as interrupções nas cadeias de produção, fornecimento e transporte de grãos e oleaginosas e as restrições impostas às exportações da Rússia, terão repercussões significativas na segurança alimentar”.
Segundo referiu, “Egipto, Turquia, Bangladesh e Irão, que são os maiores importadores, compram mais de 60% do seu trigo à Ucrânia e Rússia (...). Líbano, Tunísia, Iémen, Líbia e Paquistão também são fortemente dependentes desses dois países para o fornecimento de trigo”.
Entretanto, o Egipto já proibiu a exportação de trigo, farinha, lentilhas e feijão, na sequência das crescentes preocupações sobre as reservas de alimentos.
FAO prevê subida de 21,5% do preço do trigo em 2022 no pior cenário
No cenário mais severo, os preços mundiais poderão subir este ano 21,5% no caso do trigo, 19,5% no milho, 20% para outros cereais de grãos (cevada, centeio, aveia, sorgo e painço) e 17,8% para oleaginosas (como colza e girassol, mas incluindo também o amendoim, que são base para os óleos vegetais), segundo as previsões da Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO, na sigla em inglês).
Os dados foram avançados na passada sexta-feira pelo director-geral da organização, Qu Dongyu, na reunião extraordinária dos ministros da Agricultura do G7.
O responsável, que recordou que o índice de preços de alimentos já estava num máximo histórico, em 26 anos, antes de a guerra ter começado, sublinhou a importância dos dois países para a oferta global de trigo, milho e girassol e como isso pode ter efeitos noutras oleaginosas.
“Em 2021, as exportações de trigo da Federação Russa e da Ucrânia representaram cerca de 30% das exportações do mercado global. Juntas, as exportações de óleo de girassol representaram 55%”. Além disso, Ucrânia e Rússia são igualmente importantes no comércio internacional de milho, cevada e óleo de colza.
A Federação Russa é também um país chave na exportação de fertilizantes. “Em 2020, classificou-se como o principal exportador de fertilizantes azotados, o segundo maior fornecedor de potássio e o terceiro maior exportador de fertilizante fosforoso”, diz a FAO.
“Cerca de 50 países dependem da Federação Russa e da Ucrânia para, pelo menos, 30% das suas necessidades de importação de trigo”, sendo que destes, há 26 países em que a percentagem passa para 50% de dependência. Nos fertilizantes, “25 países dependem da Federação Russa”, acrescentou Qu Dongyu.
No milho, a agência para a alimentação e agricultura da ONU previa que do território ucraniano saíssem cerca de 14 milhões de toneladas para o resto do mundo, a que se deveriam juntar outros 2,5 milhões com origem na Rússia – “as exportações esperadas da Ucrânia teriam representado 18% do comércio mundial de milho nesta campanha”, o que teria feito do país “o terceiro maior exportador mundial de milho em 2021/22”, reiterou a FAO.
No início deste mês, a entidade tinha divulgado as suas estimativas para a produção e consumo de cereais para 2022, aumentando a previsão para o comércio mundial de cereais “para 484 milhões de toneladas”, mais 0,9% do que na campanha de 2020/2021. Mas, na altura, a previsão não incluía ainda potenciais impactos “do conflito na Ucrânia”.
O índice de preços dos alimentos esteve a subir consecutivamente desde Outubro de 2019, inverteu para queda em Março de 2020 com a pandemia e oscilou desde aí. A partir de Outubro passado – mês em que a mais elevada média mensal registada até aí, durante a crise alimentar de 2011, foi deixada para trás –, o indicador ponderado tem vindo a ultrapassar-se, terminando 2021 ao nível anual mais elevado da década. Um patamar que entretanto voltou a ser batido.
A agricultura e a estratégia militar russa
Na semana passada, o presidente da Ucrânia alertou para outra das frentes da guerra desencadeada pela Rússia: a produção agrícola da antiga república soviética.
Dentro de um mês, refere El País, tem início a sementeira de cereais em solo ucraniano e as autoridades do país querem garantir que a população não se debata com a falta de alimentos, perante uma guerra que ameaça prolongar-se no tempo.
“A missão das autoridades locais é convencer as pessoas a voltarem ao trabalho no sector agrícola. Quantos mais hectares semearem, mais forte será a nossa posição”, resume ao diário espanhol Igor Shevchenko, director de relações internacionais da Câmara de Comércio de Vinnitsia, a 190 quilómetros de Kiev, a segunda maior região de produção de trigo e girassóis.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1059 de 16 de Março de 2022.