Guerra até quando?

PorJorge Montezinho, com agências,24 fev 2023 8:40

No leste da Europa, a guerra entre a Ucrânia e a Rússia dura há um ano – assinala-se esta sexta – e os impactos são globais. 12 meses depois, o conflito não tem fim à vista. Esta terça, inclusive, o mundo tornou-se um local menos seguro. Putin falou e anunciou que a Rússia suspendia a participação no acordo de redução de armamento nuclear. Biden também falou e disse que a Rússia e os autocratas estão do lado errado. No terreno, o número de civis mortos na Ucrânia ultrapassou barreira dos 8.000.

“Foram eles que começaram a guerra, nós recorremos à força para a parar. Defendemos a vida das pessoas, a nossa casa e lutamos contra o objetivo do ocidente, o domínio desenfreado”. Vladimir Putin falou na manhã desta terça, no discurso sobre o estado da nação, e apontou as armas ao Ocidente, que acusou de criar uma agenda antirrussa para afastar de Moscovo regiões que estavam historicamente próximas, com o objetivo de ter poder ilimitado.

A 24 de Fevereiro de 2022, a Rússia iniciou os ataques ao território ucraniano, inclusive bombardeando a capital Kiev. Desde então, inúmeros desdobramentos aconteceram, como reuniões e moções na Organização das Nações Unidas (ONU), sanções, ameaças de uso de bombas nucleares táticas e a anexação de mais regiões da Ucrânia por parte do governo russo.

Antes do início da guerra, especialistas por todo o mundo acreditavam que o conflito poderia ser decidido em dias (ou até em horas). Actualmente, não há perspectiva para um fim — muito menos para um acordo de paz.

"O presidente Putin não mostra nenhum sinal de estar a preparar-se para a paz. Pelo contrário, ele está a lançar novas ofensivas e a visar civis, cidades e infraestruturas críticas", afirmou a semana passada Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, em Bruxelas, na reunião que juntou os ministros da defesa da Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Fiona Hill, especialista sobre a Rússia e Putin, que trabalhou na Casa Branca de Trump, disse numa audiência da Comissão de Serviços Armados do Senado, também na semana passada, que havia poucos sinais de que a determinação de Putin estivesse a diminuir.

"Penso que este é um quadro bastante sombrio, em parte porque Putin não se sentiu dissuadido em primeiro lugar", referiu. "A outra coisa é que Putin também sente que tem muito apoio do resto do mundo, incluindo da China... Pode muito bem levar países como a China a pressionar a Rússia para que haja qualquer ruptura na determinação de Putin".

A posição de Putin

Regressemos a esta terça-feira. A Constituição russa exige que o presidente faça o discurso anualmente, mas Putin não discursou em 2022, quando as tropas russas invadiram a Ucrânia. Talvez para compensar, desta vez falou durante quase duas horas, fez o balanço da guerra na Ucrânia, não identificou nenhum erro na sua gestão e culpou a Ucrânia, os Estados Unidos, a Europa e as elites russas pelo que está a acontecer.

Por outro lado, disse Putin, a Rússia tem-se mostrado “aberta ao diálogo com o Ocidente”. “Mas, como resposta, tudo o que recebemos foi hipocrisia”, acusou. “Não nos deixaram outra opção para defender a Rússia e o nosso povo senão aquela que somos agora forçados a utilizar”, reforçou.

Para os militares, o presidente russo prometeu um “fundo especial” destinado às famílias “dos soldados que morreram e dos veteranos da operação militar especial”, além de apoio psicológico e de “um período de descanso não inferior a 14 dias” aos soldados para que possam visitar as suas famílias. A Duma aplaudiu.

As críticas às elites

No discurso sobre o estado da nação, Putin fez também uma apologia do crescimento económico da Rússia, apesar de todos os "esforços ocidentais em sentido contrário".

“Os que iniciaram as sanções estão a castigar-se a eles próprios”, disse. “Eles provocaram um crescimento dos preços nos próprios países, o encerramento de fábricas, o colapso do sector energético e estão a dizer aos respectivos cidadãos que a culpa é dos russos”.

Por outro lado, disse, a economia da Rússia segue uma trajetória de crescimento, com o chefe de Estado russo a prever uma inflação de 4%. "Não temos de pedir dinheiro ao estrangeiro", garantiu. “Eles esperavam o colapso da economia russa, mas os nossos negócios reconstruíram-se com novas logísticas e parcerias”.

Este momento foi aproveitado para apontar o dedo às elites russas, acusando-as de terem caído na “mentira” do mercado livre. “Os recursos foram canalizados para o Ocidente e a nossa elite começou a investir dinheiro em iates, em imobiliário. Isto porque vivíamos num ambiente de mercado livre, mas acabámos por perceber que esta ideia se transformou numa mentira. Muitos dos que investiram aí acabaram por ser roubados."

“Lancem novos projetos, façam dinheiro, invistam na Rússia. É assim que conseguem multiplicar o vosso capital e conquistar o reconhecimento e a gratidão das gerações futuras”, sublinhou Putin.

Ameaça nuclear

O presidente russo regressou aos assuntos internacionais, com o discurso mais focado nos Estados Unidos. Segundo Putin, “há uma tentativa de demonstração do domínio global [dos EUA]” que visa “destruir a arquitetura das relações internacionais construída após a II Guerra Mundial".

“Não podemos permitir que os EUA passem à formulação da estrutura mundial mediante os seus próprios interesses", referiu, para depois apontar o papel da NATO, que, na sua perspectiva, se transformou “num participante efectivo nos objectivos estratégicos da Europa”.

“Na NATO não existe apenas o arsenal nuclear dos EUA. Existe também o arsenal nuclear da França, do Reino Unido, que são dirigidos para a Rússia", acrescentou.

"As últimas declarações [dos líderes ocidentais] confirmam isto. Não podemos ignorar estas declarações", sublinhou, acrescentando que a Rússia tem nas suas mãos “um ultimato por parte da NATO”.

Em consequência, Putin disse ter sido “forçado” a suspender a sua participação no tratado New START, o último pacto de controlo de armas nucleares que restava com os Estados Unidos, aumentando assim tensão com Washington. E garantiu: “Se os Estados Unidos avançarem com testes nucleares, a Rússia também o fará.”

Vladimir Putin terminou o discurso com a promessa de que “a Rússia vai responder a quaisquer desafios que enfrentar”. “Porque somos um país individual. Somos um povo unido. Estamos confiantes no nosso poder. A verdade está no nosso lado.”

O lado errado

Também esta terça, mas à tarde, Joe Biden discursou na Polónia, numa intervenção de cerca de 20 minutos, bastante mais curta que a do seu homólogo russo.

Depois de, esta segunda, ter feito uma visita surpresa à Ucrânia, onde se encontrou com o presidente Volodymyr Zelensky e com a primeira-dama Olena Zelenska no palácio presidencial – e onde anunciou mais meio bilião de dólares de assistência, num pacote que inclui mais equipamento militar – Biden voltou a discursar, na terça, em Varsóvia, na Polónia, no mesmo local onde falou em Fevereiro de 2022, logo a seguir ao início do conflito.

“Há um ano a Europa, os EUA e a NATO foram testados, mas a democracia e a solidariedade prevaleceram perante a invasão russa”, disse.

“Um ano de guerra e Putin já não duvida da força da nossa coligação, mas ainda duvida da nossa convicção”, referiu ainda Joe Biden

O presidente norte-americano não ignorou as palavras de Vladimir Putin, durante a manhã desta terça-feira. O presidente dos EUA reiterou que “o que está em causa é a liberdade” e lembrou que “Putin encontrou um país liderado por um corajoso”.

Biden garantiu ainda "apoio à Ucrânia não vai desvanecer" e que "a NATO não vai ser dividida”.

“Repito o que disse há um ano: um ditador em busca de reconstruir um império nunca será capaz de apagar o amor do povo pela liberdade", realçou.

Também em Varsóvia, Joe Biden relembrou que foi “o presidente Putin quem escolheu a guerra" e que "tentou deixar o mundo morrer à fome com o bloqueio no Mar Negro”.

O presidente dos EUA lembrou ainda que o apoio à causa de Zelensky está demonstrado nas “bandeiras ucranianas que estão hasteadas nas casas norte-americanas em todo o país”.

"Vão continuar a haver dias difíceis e amargos e tragédias, mas a Ucrânia vai manter-se de pé com os aliados ao seu lado”, garantiu também Biden

“A defesa da liberdade não é trabalho de um só dia ou de um ano. É sempre difícil. É sempre importante e a Ucrânia continua a defender-se contra a ofensiva russa, mas vão continuar a haver dias difíceis e amargos e tragédias. Contudo, a Ucrânia vai manter-se de pé e os EUA e os seus aliados vão manter-se ao seu lado”, referiu o presidente norte-americano.

E perante a decisão de Putin colocar um ponto final na participação da Rússia no tratado New START, que limita os arsenais nucleares de Moscovo e de Washington, Biden reforçou o compromisso norte-americano na NATO, referindo que “um ataque contra um é um ataque contra todos”.

“Que não haja dúvidas, o compromisso dos EUA para com a NATO está sólido como uma rocha e a Rússia sabe-o”, disse Biden.

Outra garantia deixada pelo presidente dos EUA foi a que iria anunciar mais sanções contra a Rússia, deixando a certeza que os aliados fariam a mesma coisa.

No Twitter, Volodymyr Zelensky reagiu ao discurso de Biden, na Polónia. O presidente ucraniano agradeceu ao homólogo norte-americano a “liderança que tem guiado o mundo no apoio à liberdade e pela assistência vital à Ucrânia”.

“Juntos vamos caminhar em direção à vitória conjunta e assegurar que a guerra acaba de uma vez este ano”, pode ler-se na mensagem.

Número de civis mortos na Ucrânia ultrapassou barreira dos 8.000

O número de civis mortos na guerra na Ucrânia e confirmados pela ONU ultrapassou esta terça a barreira dos 8.000, anunciou o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Há ainda a registar 13.287 feridos civis.

“Os nossos dados são apenas a ponta do ‘iceberg’ numa guerra cujo custo para os civis é insuportável”, afirmou o alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, em comunicado.

A agência da ONU, que acompanha a evolução das baixas civis desde o início da invasão russa, destaca que pelo menos 487 dos civis mortos e 954 dos feridos eram crianças.

Entre as vítimas (feridos e mortos) de que se conhece o género, 40% eram mulheres, refere o relatório, que reconhece que o número real deve ser muito maior, já que não há dados completos sobre os efeitos da guerra nas cidades mais duramente atingidas pelo conflito, como Mariupol, Lisichansk, Popasna ou Severodonetsk.

Donetsk é a região onde a ONU confirmou a existência de maior número de civis mortos (3.800) e feridos (6.600), seguida por Kharkov (924 mortos e 2.000 feridos) e Kiev e arredores (955 mortos e 312 feridos).

O Alto-Comissariado também registou duas mortes na Polónia, na zona da fronteira com a Ucrânia (vítimas de um míssil ucraniano que atingiu a área em novembro), e 30 mortos e mais de 100 feridos em regiões da fronteira russa com o território ucraniano, como Belgorod, Kursk e Briansk.

O mês de Março do ano passado foi o que mais vítimas civis provocou, com mais de 3.900 mortos e 2.900 feridos confirmados, sendo que, desde então, o número foi progressivamente reduzido, para cerca de 200 por mês entre Novembro de 2022 e Janeiro de 2023.

O relatório refere também que 90% das mortes e ferimentos de civis foram causadas por armas explosivas de alto impacto (como mísseis), principalmente em ataques a áreas povoadas, com pelo menos 6.585 mortos e 12.635 feridos.

“As violações dos direitos humanos e do direito internacional continuam a acontecer todos os dias e torna-se cada vez mais difícil encontrar uma saída para o crescente sofrimento e destruição, uma saída que leve à paz”, afirmou Volker Türk, que visitou a Ucrânia em Dezembro.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Jorge Montezinho, com agências,24 fev 2023 8:40

Editado porAndre Amaral  em  14 nov 2023 23:28

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.