Em declarações à agência Lusa, Ian Lesser, responsável pela delegação de Bruxelas do German Marshall Fund, desdramatizou a ideia de inevitabilidade que a situação se agrave ou se espalhe para além do Líbano, sublinhando tratar-se de "um desenvolvimento transformador".
"Temos assistido a uma série de desenvolvimentos transformadores ao longo do último ano. E poderá ter outros efeitos políticos mais alargados na região. Alguns negativos, obviamente, mas também alguns potencialmente positivos a longo prazo. Mas não há dúvida de que estamos num mundo ligeiramente diferente do que estávamos há um ano e não creio que seja inevitável que isto resulte num confronto directo à escala entre Israel e o Irão, por exemplo. Penso que ainda há uma boa dose de cautela em relação a isso", sustentou.
Para Lesser, é "uma possibilidade remota alguma forma de regresso a um processo de paz", o que exigiria uma mudança política dentro de Israel. "E penso que não há perspectivas a curto prazo para isso".
"O que vimos no último ano apenas sublinha o facto de que os países colocam a soberania e a segurança em primeiro lugar. Temos visto muitos exemplos disso. Basta pensarmos nos Estados Unidos depois do 11 de Setembro [de 2001]. É muito fácil que as estratégias se tornem desproporcionadas e ganhem uma dinâmica própria. E é este o dilema que se está a colocar hoje em dia, embora não creia que o que está a acontecer entre Israel e os seus vizinhos esteja a redefinir o sistema internacional", explicou.
Lesser sublinhou que os Estados Unidos têm interesse em trabalhar com Israel para ultrapassar as actuais crises, tendo em vista uma região mais estável e, idealmente, reiniciar um processo com os palestinianos. "Esse continuará a ser o derradeiro prémio diplomático para os Estados Unidos".
Esse processo com os palestinianos, prosseguiu, "tem sido evitado por sucessivas administrações" da Casa Branca, mas "talvez, desta vez, as condições produzam efectivamente um acordo, idealmente com a solução com dois Estados".
"Não é impossível, porque estes acontecimentos foram tão desastrosos e cataclísmicos que abalaram realmente a ordem regional. E se as políticas se alinharem da forma correcta, em Israel, mas também no seio da comunidade palestiniana, talvez seja possível fazer alguma coisa. E penso que qualquer administração norte-americana vai querer encorajar isso", concluiu Lesser.
O International Crisis Group (ICG) lembra que os sucessivos ataques e consequentes represálias de Israel, Hezbollah e Hamas, além dos Huthis (Iémen), têm levantado várias questões quanto ao futuro de um conflito, em que já se questiona uma intervenção com armas nucleares.
Num artigo de análise publicado na quinta-feira, o ICG refere que o Presidente norte-americano, Joe Biden, que tem tentado mediar um cessar-fogo, já defendeu que as represálias israelitas devem excluir o ataque às instalações nucleares do Irão, mas adverte para outros golpes importantes contra Teerão que podem também provocar uma escalada descontrolada.
"Apesar dos ataques de Israel ao Hezbollah, o aliado mais importante do Irão, a administração começou a unir-se em torno da opinião de que uma guerra total era cada vez mais improvável, com alguns funcionários a questionarem-se se o Irão responderia energicamente aos seus reveses. Perante este cenário, vários responsáveis norte-americanos parecem sentir-se cada vez mais atraídos pela lógica militar de Israel, tendo um deles afirmado que a campanha de Israel no Líbano poderia ser uma oportunidade geracional para refazer a região", defende o ICG.
"Vozes proeminentes em Israel e os seus apoiantes nos Estados Unidos consideram que o momento é propício para esta última opção, encorajando Israel a atacar a jugular, eliminando o programa nuclear iraniano ou mesmo derrubando o seu regime. Estas pessoas estão a exortar Washington a remover os grilhões que acreditam ter impedido Israel de exercer a sua vantagem no último ano", advertiu o "think tank".
Segundo o ICG, embora as observações de Biden sobre a proporcionalidade e a inaceitabilidade de um ataque às instalações nucleares do Irão sugiram que a Casa Branca não está disposta a ir tão longe, "continua a haver motivos de preocupação" e um deles é que "uma administração norte-americana impressionada com a proficiência táctica israelita, limitada pela política interna e nervosa com as eleições presidenciais que se aproximam no início de Novembro, dê luz verde a uma resposta israelita maciça".
"A escalada seria, no entanto, um erro e aqueles que apelam a mais não compreendem o ataque iraniano de 01 de Outubro: Teerão não quer uma guerra nem é cego ao perigo que enfrenta. Teve de compreender o risco que estava a correr quando disparou contra Israel", alerta a ICG.
"Seja o que for que um Irão ameaçado e encurralado possa fazer em resposta a um ataque de grandes proporções, não pode igualar o poderio militar dos EUA e de Israel, mas é quase certo que causaria uma destruição considerável e provocaria uma nova escalada", prossegue.