A União Europeia tem revelado a sua resiliência, mostrando-se capaz de enfrentar crises e desafios – contrariando os vaticínios dos mais cépticos, mas a principal razão do sucesso do projeto europeu reside nos seus valores, incluindo o respeito pela dignidade humana, liberdade, igualdade, direitos humanos, democracia e Estado de Direito consagrados no Tratado que institui a União Europeia. Estes valores estão no centro do modelo social europeu e inspiram também a nossa ação externa.
Num mundo cada vez mais multipolar, a defesa do primado do Direito e do multilateralismo são questões existenciais. Por isso, temos encorajado uma vasta coligação internacional para apoiar a Ucrânia, isolar o Kremlin e restaurar a legalidade internacional. Mas, o que é o multilateralismo e porque é ele tão importante? Trata-se essencialmente de regras e métodos que os Estados e outros actores internacionais concordam em aplicar, com base em princípios e valores partilhados e que são, quer aqueles sejam fortes ou fracos, igualmente vinculativas para todos. Reflecte pois uma opção pelo Direito e pela resolução pacífica dos conflitos, em detrimento da força – e é isto que a agressão russa põe fundamentalmente em causa ao desrepeitar, de forma flagrante, a Carta da ONU.
Mais de dois meses depois da agressão militar russa contra a Ucrânia, o mundo continua a assistir estupefacto às imagens do bombardeamento indiscriminado de àreas residenciais, de hospitais e escolas e até de colunas de civis em fuga. Quase 6 milhões de ucranianos, na sua maioria mulheres e crianças, já abandonaram o País, buscando refúgio da guerra e outros, embora permaneçam na Ucrânia, foram forçados a abandonar as suas casas em busca de local seguro. Incapazes de tomar cidades, face à resistência do povo ucraniano, as forças russas optam por destruí-las, como estão a fazer em Mariupol. A Ucrânia, segundo Putin, não tem o direito de existir como nação independente, nem de afirmar, como Estado soberano, a sua pertença à família europeia. Para a União Europeia, esta posição é inaceitável, pois atinge diretamente os valores que nos guiam.
A guerra não afecta apenas ucranianos, nem apenas europeus. Afecta toda a comunidade internacional, que na ONU condenou por duas vezes a agressão russa e tem apelado insistentemente por um cessar-fogo e, no mínimo, pelo respeito universal dos Direitos Humanos e do Direito internacional humanitário que vigora mesmo em tempo de guerra. Infelizmente, são cada vez mais fortes os indícios que ambos estão a ser violados pelas forças russas e que estas são responsáveis por crimes de guerra na Ucrânia. A União Europeia fará tudo ao seu alcance para garantir que estes crimes não ficarão impunes, nomeadamente apoiando as investigações conduzidas pelo Procurador do Tribunal Penal Internacional. Neste contexto, a decisão da Assembleia Geral da ONU a 7 de abril, suspendendo a Rússia do Conselho de Direitos Humanos envia um sinal forte de responsabilização.
Esta guerra afecta também a economia global, reduzindo a oferta e aumentando os preços de alimentos, combustíveis e fertilizantes, e agravando o custo de vida em todos os países do mundo. Deve sublinhar-se que esta é uma consequência direta da guerra – e não das sanções da UE, como alguns insistem. A guerra está a impedir sementeiras e colheitas, bem como o escoamento de cereais da Ucrânia, um dos mais importantes celeiros do mundo. As sanções constituem uma forma de pressão legítima e um esforço coordenado para limitar o financiamento da máquina de guerra russa.
Após uma pandemia com efeitos devastadores, estamos perante uma nova crise que ameaça reverter ganhos alcançados em questões tão cruciais como a redução da pobreza e a erradicação da pobreza extrema, e consequentemente a estabilidade das nossas sociedades. Tendo em conta o alcance desta nova crise, cujos efeitos, sabemos, serão assimétricos, mais uma vez, devemos procurar soluções multilaterais, assegurando-nos que nenhum país fica para trás e evitando que outros se voltem para dentro, ao invés de trabalhar, em conjunto, para criar sistemas alimentares mais resilientes. Estas são lições aprendidas com a pandemia que não podemos ignorar.
Este conflito não deve desviar as nossas atenções da urgência de enfrentarmos outras questões globais como as alterações climáticas e a perda de biodiversidade. O planeta não pode esperar. A União Europeia definiu para si própria o objectivo de alcançar a neutralidade carbonica até 2050. Para tanto, adotou a primeira Lei do Clima ao nível mundial que torna essa meta vinculativa para todos os seus Estados Membros. Até 2030, a redução das emissões na UE deverá atingir 55 % (em comparação com 1990). Mais do que um compromisso, a ação climática é para nós uma obrigação e encorajamos outros grandes emissores a aliarem-se ao esforço de inversão das emissões, pois esta é uma batalha que ganharemos ou perderemos juntos.
Para um pequeno Estado insular, como Cabo Verde, a aposta nas energias renováveis representa, simultaneamente, uma possibilidade de adaptação às alterações climáticas, diminuindo os custos de produção de àgua dessalinizada e com potencial impacto positivo sobre a agricultura, e de melhorar a independência energética do país. Este é o tipo de visão que queremos promover através da “Global Gateway”, anunciada em Bruxelas, em fevereiro, na Cimeira União Europeia-União Africana que mobilizará um investimento de cerca de 150 mil milhões de euros em fundos públicos e privados, apenas para o continente africano. O objetivo é o de utilizar a recuperação pós pandemia para promover um modelo de crescimento ambientalmente sustentável e socialmente inclusivo, que utilize melhor os recursos e proteja o planeta e as pessoas.
Esta é a Europa que celebramos a 9 de Maio! Uma Europa que defende os seus valores e que está na linha da frente para enfrentar os grandes desafios do nosso tempo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1067 de 11 de Maio de 2022.