No período de transição para a democracia, a UCID perdeu uma oportunidade histórica de se afirmar como partido político com implantação nacional, ao não conseguir apresentar-se nas eleições legislativas de 1991, dado o atraso verificado na sua legalização. Voltou a perder uma segunda oportunidade, nas eleições municipais de 15 de Dezembro desse ano, porquanto só conseguiu adquirir personalidade jurídica muito mais tarde.
Candidatou-se, pela primeira vez, nas eleições municipais intercalares de 1995, que teve lugar em São Vicente, em Março, o que quer dizer que o seu baptismo eleitoral ocorreu numa eleição municipal atípica, caso único registado até hoje. Constava da lista liderada por Francisco Silva, em sexto lugar, António Delgado Monteiro, que viria a ser seu presidente, nos finais dos anos noventa, e bateu nesta II República, o record de permanência de um presidente à frente de um partido. Também registou o seu nome no livro de record dos que mais se candidataram nas eleições municipais como cabeça de lista, sem qualquer êxito: em 2004, 2008, 2012, 2016 e 2020; e nada me garante que não se candidatará em 2024! Os meus respeitos e admiração por tanta energia política! António Monteiro devia ser condecorado pela sua dedicação eleitoral, e demonstração em como acredita na democracia representativa, independentemente dos resultados. Tudo isto, sem falarmos do seu empenho nas legislativas.
A aposta reiterada no seu presidente como cabeça de lista nas eleições municipais nesse círculo, de forma nunca vista no país, não deixa de ser enigmática, mas seguro fica para o cidadão comum, que provavelmente conseguir uma vitória eleitoral na Ilha do Porto Grande, constitui um objectivo existencial; de outro modo, como justificar essa persistência, sendo certo que o presidente de um partido político não costuma candidatar-se às eleições municipais, salvo quando se trata da capital do país, mas quase sempre como trampolim não assumido para Presidente da República ou Primeiro-Ministro!?
A UCID não dá mostras de se importar com a justificação, pois, esta aposta tem valido a pena, por ter vindo a subir de eleição em eleição. Mais: relegou o PAICV para terceira força eleitoral, reconstruindo de forma consistente o sistema partidário em São Vicente.
Na verdade, os dados eleitorais são absolutamente esclarecedores: se em 1995 obteve 2,7% dos votos validamente expressos, esta percentagem subiu para 6,6%, em 2000. E não parou de crescer: em 2004 (17, 1%); em 2008 (20,21%); em 2012 (22%). Este crescimento sustentado levou a que em 2016 tivesse 28,28% de votos validamente expressos e, em 2020, nada mais, nada menos, do que 31,7%.
Como não há bela sem senão, este esforço municipalmente bem-sucedido levou a que não conseguisse eleger nenhum vereador noutro círculo eleitoral, contentando-se com a eleição de um membro para as assembleias municipais da Ribeira Grande (Santo Antão) e do Sal, em 2012 e 2016, respectivamente. Idêntico resultado aconteceu no Paul e em Porto Novo, em 2020, mas não tendo nesse ano eleito nenhum candidato para as assembleias municipais da Ribeira Grande (Santo Antão) e do Sal.
Nas legislativas, o resultado não é muito diferente. Nenhum Deputado foi eleito pela UCID fora do círculo eleitoral da Ilha do Porto Grande, o que é dizer, inclusive, no seu próprio berço: a emigração.
Assim, não conseguiu ter uma «dimensão eleitoral nacional», quer nas municipais, quer nas legislativas, com a agravante de não dispor de estruturas organizativas mínimas em todos os círculos eleitorais, nem se mostrar com energia para alterar significativamente a médio prazo esta situação. Pelo contrário, a imagem que fica, é a de um partido conformado com esta situação, tanto mais que instalou a sua sede em Monte Sossego, quando a regra em política comparada, nos diz que nos Estados unitários simples, a sede dos partidos políticos é na Capital, sem discutir os seus fundamentos ideológicos. Subjacente a esta opção, parece existir um desiderato de vigiar de perto o seu território eleitoral, bater com a mão no peito e proclamar: daqui não saio; daqui ninguém me tira!
Se a UCID foi criado como partido político nacional, e os seus estatutos comprovam-no à saciedade, aliás, outra solução não tinha, uma vez que a Constituição proíbe partidos políticos de âmbito regional, o facto de ter perdido as duas citadas oportunidades eleitorais em 1991, e apresentar-se pela primeira vez perante os eleitores numa eleição atípica, marcou também de forma atípica e indelével a sua identidade eleitoral, dando razão aos que defendem que os grandes partidos nacionais, em regra, surgem nos momentos históricos de um país. Neste sentido, o MPD e o PAICV acabaram por afirmar a sua legitimidade democrática e tornaram-se nos dois principais pilares partidários do sistema político. Quer isto dizer, que todo o espaço eleitoral foi disputado e dividido entre estes dois partidos, pouco ou nada restando para os outros. Os que vieram depois, encontraram o mercado eleitoral consolidado de forma muito visível.
A UCID teve um papel importante na estabilidade da governação municipal até 2020 (deixo de lado a análise do mandato em curso), pois, o seu surgimento e ascensão levaram a que nenhum partido tivesse maioria absoluta, salvo em 2016, com a intervenção do Tribunal Constitucional. Já a sua importância parlamentar é diminuta, por não conseguir constituir um grupo parlamentar, pelo facto de a Constituição exigir, de forma exagerada a nosso ver, cinco Deputados. No entanto, pode no futuro ser decisivo para o regular funcionamento do sistema político-constitucional, se o partido que vencer as legislativas não obtiver maioria absoluta, indispensável para a investidura governamental e, eventualmente, para a estabilidade política do país. Neste caso, a influência da UCID agigantar-se-á e o seu poder de chantagem política será incomensurável.
Com clara consciência desta realidade, o seu antigo líder histórico, no momento em que fazia o balanço da sua liderança, na hora do adeus, afirmou que não era positivo, por não ter conseguido quebrar as maiorias absolutas, nem obter Deputados suficientes para constituir um grupo parlamentar. Se para um partido político nacional o objectivo era e é este, convenhamos que desapareceu a ambição de um dia ganhar as eleições legislativas.
A UCID encontra-se num beco político-eleitoral estreito, restando saber se tem saída, o que é dizer, se deixará de estar confinado ao círculo eleitoral de São Vicente. Seguro, seguro, na actualidade, é que constitui um partido formalmente nacional, mas eleitoralmente municipal, com ambições políticas redimensionadas para «quebrar» maiorias absolutas. Muito pouco! Original, sem dúvida!
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1108 de 22 de Fevereiro de 2023.